O professor belga

Já conhecia bem os canários, mas um professor belga, essa era novidade demais - ainda que com gosto assaz da acelga. Ele apareceu lá em casa, interiorzão, a convite, pro casamento de mana LaToya. Chegou cedo, no ônibus do Braulino, que vinha da cidade do Divino, em seu terno beige, linho, imaculado.

Como chegara bem cedo, o primeiro ou segundo dos convivas, pode escolher assento na nossa sala de visitas. Quanto a assunto, foi mais econômico do que esperávamos. Devia falar francês, inglês, flamengo, e

até cantar, afinal essa é a fama maior dos belgas, além do gosto pela cerveja. Mas pouco piou.

Naquela juventude desesperada por novidades, assediamo-lo, quase sem quartel. Queria porque queria, pelo menos eu, exibir meus conhecimentos colegiais du français, e sorver, ainda mais.

Mas o nosso bonhomme manteve a discrição, quase intransponível. Dava o máximo de atenção à mana nubente, e sua aluna na Faculdade, mas essa estava já num outro mundo, a poucas horas do enlace. O próprio noivo, ou algum outro conviva que ia chegando compartilhava também daquele cerco ao belga.

E o homem, franzino e franzido, com seus cabelos corridos, aloirados penteados para trás tinha, quiçá,no olhar, atrás daquelas escuras lentes a razão de tanto desconforto: do mais profundo azul,conquanto torto, e tanto.

A sinalização de alívio pareceu-lhe ter surgido quando lhe veio a idéia de ir ao banheiro - privada, pra se falar mais certeiro. Conduzimo-lo, alacremente à nova dependência que, propositalmente para a celebração da boda, se inaugurava na casa, um comodozinho independente pequetito, sob a caixa d'água, mas todo asseado na pintura e na inovação: o vaso sanitário, um primor de esmaltado, era no piso, em baixo relevo e, aparentemente, mais próximo, mais natural ao exercício de nossas atividades fecais ancestrais.

O que não foi bem comunicado ao ou entendido pelo entediado professor, no entanto, foi o alerta para que, ao dar a descarga, ficar esperto, e se afastar da comodidade do vaso, descompassado com o fluxo da caixa.

E outra não deu, a não ser o grito, em flamengo ou valão, na exata entonação do mais chulo e interminável palavrão. O homem continuou berrando, resmungando, mas as barras dobradas de suas bem cortadas calças só vieram a secar quando também a língua, seca, deu de ratear, de tanto blasfemar. Para ele as bodas se acabavam antes de começar.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 26/07/2015
Reeditado em 13/04/2024
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