Velas para Juan

Ele planejou tudo, o filho da mãe. Caminhou a passos largos ao meu encontro, tirou os óculos, acendeu um cigarro. Pose de galã de cinema, logo vi! E a voz, então?! Meu Deus, que voz! Forçada, sabe? Mais ou menos assim: “Por que choras moça? Tua dor é infrutífera e não vai mudar o curso da história”. Eu me levantei com a cabeça doendo, lacrimejando e louca para mandá-lo a p...! Mas, lembrei-me da Sônia. Decerto, você não conheceu a Sônia, não é? Ela costumava pedir que eu pensasse por cinco segundos antes de responder qualquer coisa para alguém. Foi o suficiente para eu perceber aquele tesouro ali à minha frente. Parecia tão jovem com aquela barba rala e ar de quem sabe tudo. Sei que você está curiosa para saber o resto da história, não é mesmo? Mas, antes, responda-me sinceramente se você me acha muito velha, feia? Não, eu tenho certeza que não. Essa mesma certeza que me fez sentir de novo muito jovem e atraente diante daquele rapaz, sabe? Ele parecia um “doutorzinho”, ali, no calor do meio dia trazendo-me de volta à vida. Até arrisquei uma resposta à pergunta que ele me fez anteriormente: “É justamente por isso que sofro garoto. Porque não posso mudar o curso da história”.

O filho da mãe, com ar de desentendido foi logo dizendo que apesar de não sermos conhecidos, ele estaria à minha disposição caso eu necessitasse desabafar. É claro que eu me aproveitei da situação, afinal não é todo dia que acontece uma dessas. Ele pegou minha mão e conduziu-me a uma sombra próxima. “Não ria, não é para rir! Ou você já se esqueceu de que o sol amolece o cérebro da gente?” Pois sim; o garotão me ofereceu um cigarro antes de perguntar quem estava sepultado ali onde eu estivera ajoelhada, chorando. “Você quer mesmo saber?” eu perguntei. “Então vou lhe contar toda a história”.

Eu sei que esta é uma das histórias que você ainda não sabe Cléo. Por isso, vou contar para você também. É uma coisa muito antiga e, no entanto, é sempre nova. “Olha moço”, eu comecei. “Tudo aconteceu há uns vinte anos quando eu morava no interior e Juan, sim era Juan o nome dele, apareceu por lá com ares de príncipe encantado e olhos de não me esqueça. Todas as moças da cidade o amavam, inclusive eu, que fui a escolhida para estrear o seu Wolks 88. Quem não gostou nada disso foi minha mãe. Pôs cadeado na janela e cão de guarda no quintal. Ela parecia adivinhar que a presença de Juan haveria de revelar – a ferro e fogo – a nossa ausência de compreensão e vivência dessas tais coisas do “amor”. Ela me recomendava mil cuidados e complementava dizendo que aquilo pelo qual eu estava passando não era nenhuma novela de tevê, em que tudo acaba bem e, nada mais menos que isso. Por fim, desconsolada, arriscou: “Só não quero cuidar de netos”. Foi sua última e a mais cruel de todas as recomendações, logo agora, que eu via Juan partir deixando algo mais de si além da injúria pura e simples: “Se você for à capital e levar dinheiro, claro, dá-se um jeito nisso”.

A dor que eu sentia era contagiante, como contagiante é a alegria. Então, moço, eu cheguei louca e só na capital. Um filho, assim como a fome é irrefutável. Eu tive que escolher entre ambos. Logo que ele nasceu dei-o a uma dessas madames estéreis que o mundo prepara para bem servi-lo.

“Nunca mais soube da pobre criança. Fui expressamente proibida de andar por aquelas bandas o que, de certa forma, me contentou bastante, pois não correria o risco de encontrar o pai desnaturado” Muito tempo depois, eu levo essa vida que você vê Cléo. Triste, não é Cléo? Foi isso mesmo que eu vi no rosto do rapaz. Tristeza. Logo em seguida, não vi nada além de suas costas e, parecem-me ver, ainda agora, suas pernas que saltavam sobre os túmulos como se corresse da morte. Parou no portão do cemitério e com um grito de dor desapareceu na rua por entre os carros. Disso, você conclui o que quiser. Eu, por minha vez, acho que ele sabia desde o começo que eu era a mãe dele e esteve brincando comigo, de um modo cruel, da mesma forma que Juan havia feito há vinte anos. De qualquer maneira, ele tem o meu cartão – troquei pelo cigarro – e já sabe se quiser, onde pode me encontrar.

make
Enviado por make em 28/11/2012
Código do texto: T4009470
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