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Morro da Conceição
 
Eu desço a rua, provavelmente indo pra algum lugar e mesmo que escorresse neste instante uma forte chuva, e se a enxurrada fosse forte ao ponto de ocasionar correntezas densas de água enlameada, ainda assim, esquivando-me em fuga pela calçada histórica, seria possível fazer o trajeto. No entanto, é o sol que desce do céu ao invés de chuvas dilacerantes, e sigo não sei pra onde, pois não há roteiro pré-estabelecido, somente a ânsia a me empurrar, ou a necessidade, ou algum desejo de desvendar novidades em qualquer canto da cidade nessas ruas tão superlotadas de apetrechos que entretém quem ousa sair vagando no simples intuito do somente se deparar. E agora é qualquer hora que nem mesmo quero defini-la, afinal, o menos importante é minha localização temporal. Assim, encontro-me comigo nos rostos alegres e tristes que traduzem aspectos e elementos comportamentais...

E ainda àquela rua por onde eu passei segue aprisionada de algum modo em minhas passadas seguintes, e sou consciente de a mesma se localizar bem no centro da cidade, e que as casas que se posicionam enfileiradas na ladeira foram construídas noutros tempos...

Já não sei afirmar se realmente cheguei a sair da mesma rua ou se é mesmo aqui que estou observando o passado onde escravos estavam soltos (não! - é preciso dizer que os escravos que por aqui estiveram certamente viviam presos, alguns acorrentados - assim diz a história) e, logo ali do outro lado do morro está a “Pedra do Sal” onde as águas da “Baía de Guanabara” ancoravam os “Navios Negreiros” vindos de África na rota da escravidão. Sim, havia escravos nessas cercanias em meio ao sofrimento na elaboração dessas arquiteturas magníficas copiadas de modelos europeus, e nesses espaços, filhos e maridos se aproveitavam do sexo gratuito como experiência prazerosa e mergulhavam sem nenhuma valorização ao objeto negro em função da dominação. Por isso, não sei se já subo a ladeira “João Homem” que se inclina e que posso estar até um pouco cansado, mediante a inclinação que cansa o meu físico e me diz que aqui é o “Morro da Conceição”, e diante de mim tem este casarão antigo onde hoje funciona um espaço cultural chamado de “Imaculada, Bar e Galeria” que fica logo no inicio da subida no seio da cidade Carioca, e nesses arredores também se localizavam os primeiros portugueses que aqui viveram e ainda logo ali mais abaixo se posiciona a Rua do Acre a qual a escritora “Clarisse Lispector” jorrou nalguma de suas narrativas urbanas, e mais a “Praça Mauá”, que se pontua como o ponto inicial aos turistas que ancoram no “Píer Mauá”. Envolto a tudo isso, acho que sigo pra a localização da residência onde vivo se é que daqui cheguei a sair em meio a toda essa divagação, pois acho que apenas estou enfurnado na calmaria de mim e que a visualização, enquanto real, também são rascunhos captados e conservados na caixa de memória deste computador ambulante e humano o qual corta a vida, submerso nesta contemporaneidade, a qual tira fotos de si e rasga e amontoa papeis manchados de sangue, amor, sonhos e esperanças no decorrer do tempo.

E ando sobre a rua calçada que me leva além do meu corpo e que me diz que os caminhos são tantos e que as fachadas não dão conta de contar a verdadeira face de toda a história que vai se modificando a cada flash dos dias que nascem infinitamente...
 
Por: Valdon Nez
Em 28 agosto 2012

 
Valdon Nez
Enviado por Valdon Nez em 28/08/2012
Reeditado em 11/07/2013
Código do texto: T3853500
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