Insultos do Sarará e defesa de Bastião

Durante o dia de trabalho a conversa era quase nenhuma, logo o sol incomodava muito a todos. Era necessária a atenção do vareiro derrubador, o aparador devia ter cuidado com os espinhos dos talos e contar as palhas para os feixes, o carregador também era todo pressa nas suas viagens com os animais. O descanso do meio dia não era nada convidativo para se falar muito devido ao calor, mas à noite a coisa era diferente. No segundo dia de trabalho, a conversa à noite se prolongou e as interrogações foram dirigidas para o estranho, o novato Bastião. Já naquele tempo se tinha idéia de que o pessoal do Maranhão é exemplo de boa expressão e fala, mas isso parecia não ser dote dele. Desde que chegou, mantinha-se quieto, sereno mas muito presto na sua função de aparador, e quando foi interrogado respondeu com uma voz calma a todas as perguntas e num tom de quem não tem muito interesse em ser bem ouvido por todos.

Um dos derrubadores de palha, era sujeito sério no serviço, mas quando largava a taboca com a afiada foice, era um dos mais fanfarrões do grupo, se chamava Aprígio Sarará. Para alguns dali, o Sarará era tido como um tipo de negro. Estes eram sujeitos o mais das vezes de tôsca catadura, com sangue no olho e cabelo na venta, o atrevimento e a língua diziam o que lhes viesse na idéia e dali esperava o estopim pegar fogo pra ver quem era mais rápido no bofete ou no domínio da peixeira. A opinião primeira do Sarará foi dita à boca de siri que, aquele negro do maranhão era um bêsta, um mero comedor de mangusta, mas, bem pouco tempo depois que ouviu a fala contida do estranho, jogou em alta voz uma das indiretas mais diretas que alguém pode ouvir:

- Macaco não fala para não dá recado!

Aquilo parecia e era uma temeridade, e podia muito bem em poucos instantes um deles se encontrar viajando para o além. Caso houvesse somente um bate boca ou uns tabefes que chegasse ao conhecimento do dono do carnaubal, este podia no mesmo instante despedir os dois brigões. Mas felizmente não se deu nada disso. Bastião ao ouvir os insultos, simplesmente dirigiu um triste olhar para o Sarará Aprígio e a conversa a partir daí deu lugar a outros assuntos e não se fez mais perguntas ao estranho Bastião de voz aveludada.

No terceiro dia os serviços transcorreram normalmente e o negro Bastião resolveu dizer alguma coisa ao meio dia na hora do almoço.

- Aprendi a andar pelo mundo e tenho fé de que em certas horas não se deve dizer nada de ruim, porque a coisa pode acontecer! E falou de pragas jogadas em horas abertas e que, meio dia era uma dessas horas e que dez da noite era hora de visagens e que era preciso diante de um grande problema não se tomar imediata decisão, mas sim deixar uma noite no meio. Tudo aquilo soou espantoso e muito diferente para os que ouviram, e já às quatro da tarde tinha companheiro falando pra outro em tom de confidencia que aquele negro era no mínimo filho de macumbeiro e podia muito bem estar preparando alguma pro Sarará.

Agamenon violeiro
Enviado por Agamenon violeiro em 27/07/2012
Reeditado em 02/09/2012
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