Nove e Meio

"But something is happening here and you don't know what it is. Do you, Mister Jones?" - Bob Dylan, em "Ballad of a Thin Man".

Eu sabia que isso mais cedo ou mais tarde acabaria acontecendo. Há um tempo ele sobe demais, depois desce num tranco seco e a porta abre de repente. Elevadores... Outro dia, eu com pressa, e uma empregada do segundo andar, preguiçosa, fez com que ele parasse. Ela entrou. Chegando no térreo, ele parou. E ficou parado; nada da porta abrir. A mulher começou a pedir pelo amor de Deus com tanta virulência que fiquei abismado - com ela. Então ele deu seu tranco abrupto e ela começou a chorar. A porta abriu e ela saiu correndo, gritando pelo porteiro. Do jeito que eu entrei, fiquei. No almoço, questionei meu sangue frio. Lembrei de um amigo de infância que morreu esmagado por um elevador velho, igualzinho esse daqui que estou preso agora, entre o nono e o décimo andar; suspenso a dezenas de metros do chão numa caixa de metal sem saber muito bem o porquê. Novamente, há uma mulher comigo. Ela chora, e liga pra todo mundo, e assusta todo mundo. Já apertei o botão do alarme. Estou sentado no chão, com sono, tentando dormir enquanto o porteiro não vem nos salvar - enquanto os cabos de aço não quebram. Imagino que a física tem uma explicação para umas dúvidas: se estou em queda livre dentro de um elevador, se eu der um pulo segundos antes de ele tocar o chão, o que acontece comigo? Eu fico parado no ar e o teto do elevador que desce caceta meu crânio? Quando ele bater no chão, se eu estar no alto por causa do pulo, o meu impacto será reduzido quando do contato com o chão? Se daqui dois segundos ele começar a descer a 300 km/h, qual será a velocidade do meu raciocínio, para pôr tais conjecturas em prática? Por que as pessoas perdem tanto a fé em Deus nessas horas? Por que ela não acredita que essa não é a hora da nossa morte e senta aqui comigo e pára de deixar os parentes e amigos arrancando os cabelos do cu de preocupação? A visão da bunda dela daqui de baixo é das melhores, e me tira um pouco do sono que sinto. Esse negócio pode nos esmagar em questão de segundos, mas na minha cabeça passa sexo forçado e cochilo no ônibus. A possibilidade da morte não me assusta tanto. Tem um ditado popular: para morrer, basta estar vivo. O que me assusta é esse calor que faz aqui dentro, essa atmosfera que deixa a pele grudenta, o rosto com aquele brilho oleoso nojento; suando até entre as nádegas e tal. A porta do elevador abriu, agorinha. Mas a que parece ser a do décimo andar, não. O cimento desse corredor do elevador é assustador. Manchado. Pálido. Frio. Agressivo. Uma bela tumba. A porta abriu, mas estamos bem acima dela; cerca de um metro acima. O desespero da minha companheira aumentou, e ela grita, e pior do que a morte, é mulher gritando, falando alto, com voz estridente, enchendo o saco. Se ela continuar, eu não me responsabilizo pelos meus atos, pela disritmia que essas alfinetadas sonoras causam no meu cérebro malsinado. O porteiro já está lá fora, enfiando algo em algum lugar. Eu me levanto, estralo o pescoço e espero. O elevador desce devagar, devagarinho, e pára no nível da porta, certinho; milimetricamente certinho. Minha companheira empurra a porta e o porteiro e sai chorando disparada por uma porta aberta. Eu, dou de ombros, e desço três andares, desistindo - lágrimas rolando, pernas bambas, me agarrando no corrimão, com medo do próximo degrau - desistindo de subir até o terraço.

Desistindo de subir até o terraço e me lançar de cabeça no meio da rua.

15/12/2011 - 17h30m

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 15/12/2011
Reeditado em 15/12/2011
Código do texto: T3390676
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