MOVIMENTO QUÂNTICO

Era quase noite de reveillon e o sol havia brilhado intensamente naquela tarde, sobre aquele mar que borbulhava seu repetitivo tempo de movimento nas ondas que quebravam na praia.

Os últimos raios de sol cintilavam naquele crespo distante e uma lua cheia e fulgurante já emergia no horizonte, tão grande que mal cabia dentro das minhas retinas.

Por alguns instantes acreditei poder tocá-la com as mãos.

Um bando de gaivotas sobrevoavam as últimas horas do ano e uma jangada voltava igualmente como voltam as boas saudades...se é que existe saudade ruim.

Eu havia andado muito por ali a conversar com o mar, diálogo que sempre me rende entendimento e ternura.

A sua carícia aos meus pés pareciam me revitalizar em energia quântica e a cada onda que me chegava eu a recebia como quem faz a última e primeira oração. Quando estamos no mar estamos conectados ao mistério...

A noite caiu tão lentamente quanto um beijo que desliza assustado e sem destino certo.

Os primeiros raios da festa então riscavam o céu quando a meia noite chegou.

Tão logo todos se cumprimentavam sob o som das batucadas daquele lual, a energia da festa parecia chamar a toda imensidão do mar para a comemoração dos novos tempos...e as ondas marulhavam mais fortemente como se falassem, embaladas pela energia que emana de tantos desejos amalgamados em uníssono.

Joguei minha rosa branca à Iemanjá e pedi pela humanidade. Pedir por todos é a melhor forma de pedir por nós, foi a maior lição que já aprendi.

De repente o cansaço me abateu e então me recolhi à pousada já meio sonolenta com o espumante degustado sem medida e fora do meu costume, quando já a tardar pela madrugada despertei com um barulho de arrastar móveis e de varrer o chão, logo no andar de cima sobre o teto do nosso quarto.

Pensei em reclamar à portaria, mas como era ano novo condescendi com a tal limpeza fora de hora, a imaginar quem seria o compulsivo

por arrumação numa hora daquelas, que tirava os móveis do lugar.

"Se aquieta mulher"-foi um bom conselho que ouvi.

Mesmo assim sai no jardim para espiar o fato e constatei que a luz do quarto acima estava acesa. Como há louco para tudo, sorri e depois de ainda ouvir bastante do tal arrastão, readormeci.

Na madrugada seguinte, já refeita do espumante, a mesma cena de arrumação se repetiu lá em cima. Seriam hóspedes sonâmbulos?

Logo pela manhã passei um fio para a recepção e educadamente perguntei o que afinal acontecia lá em cima.

O gerente foi acionado e gentilmente me notificou:" Bom dia, hum...impossível senhora, deve ser algum engano, não temos hóspedes nesse apartamento há mais de um ano".

Fiquei a imaginar que tipo de visita se hospedara ali, para assistir o ano que festivamente acabara de se insinuar pelas ondas do mar...sob o forte ruflar da energia dos tambores...

Baseado em fatos reais