A Esfinge Devorada

Ela acostumara-se tanto àquela figura entre os móveis, dançando mansamente entre a tapeçaria, que quase não se lembrava mais de sua natureza. Sua língua áspera e quente a lambia carinhosamente de uma maneira tão calma e doce que era impossível lembrar-se dos dentes afiados que a bocarra guardava. O odor dos pêlos ao serem acariciados a inebriava, roçando contra a sua pele o animal mostrava-se dócil, meigo. Segurava-a levemente com as presas, não como um predador destrinchando a presa abatida e sim como uma fêmea carregando seu filhote, ou melhor ainda: como um macho segurando a fêmea pelos dentes enquanto a cobre. Essa intimidade e carinho começaram lentamente a cegá-la, transformando a fera amada em um amante ferido por seus caprichos.

Ela então começou a duvidar da violência de que ele era capaz, de sua alma predatória, de sua necessidade de sangue. Seus olhos apaixonados eram tão belos que não deixavam que ela vislumbrasse a chama ardente por trás deles. Não o considerava passível de machucá-la, já que ele não se atrevia, a menos que ela permitisse e desejasse. Sentia-se senhora da fera e mestre selvagem, roubando-lhe o que lhe era nato. Chegara a se imaginar como uma pequena Esfinge, mais misteriosa do que o felino e do que o homem.

Até que em uma certa noite, ela resolveu desafiá-lo. Provocou-o tanto que o fez temer a si próprio, e ele em um gesto de medo do que poderia acontecer, a fitou de longe, rosnando. Riu-se dele, de sua hesitação, zombando e o considerando um covarde. Ele se foi, não sem antes avançar sobre ela em um salto, mas tão próximo, de uma maneira tão bestial que ela se cobriu temendo que ele realmente fosse desfazê-la em sua boca.

O tempo correu rápido, dias o suficiente para ela começar a se preocupar. Porque ele já não caçava mais, não porque não tinha fome, mas porque queria estar faminto. E ela sabia que ele espreitava, esperando. Ele queria que ela reconhecesse seu erro antes que fosse tarde demais. Ela ao tempo em que temia o que estava para acontecer, excitava-se com a possibilidade de ser violentada. E dormia sem trancar as portas, facilitando o ataque.

Até que sentiu a proximidade de alguém, um vulto, grande, forte, que se mexia rápido. Antes que pudesse fugir ele a capturou, agora ela gritava de temor e ele já não podia mais parar. Suas garras encravavam-se na sua pele, as garras afiadas que por tanto tempo ela se perguntava se realmente existiam agora mostravam a ela sua função. As patadas feriam seu rosto, ela sentia o gosto do próprio sangue nos lábios e então, quando o tigre a dominou subindo por cima de sua oponente, novamente se fitaram. Ela não o reconheceu, nem poderia. E em um bote ele a devorou como quis, sem se importar com seus gritos.

José Rodolfo Klimek Depetris Machado
Enviado por José Rodolfo Klimek Depetris Machado em 31/03/2009
Reeditado em 15/07/2011
Código do texto: T1514819