No miserável boteco de subúrbio onde naquele momento se encontrava, o homem sentiu descerem lágrimas inesperadas face abaixo ao beber, de um só gole, a aguardente que lhe queimou as entranhas. O estômago embrulhou e ele fez uma careta, por muito pouco não sucumbindo à ânsia de vomitar. Já havia bebido além da conta, estava praticamente encharcado de álcool, mas assim mesmo continuava o sacrifício, precisava prosseguir a bebedeira como se fosse impelido por algo a que não pudesse resistir. Por mais que tentasse.
            Exclamou, afobado, qualquer besteira ininteligível, parecendo um lamento de agônica dor, e cuspiu grosseiramente em derredor do chão fétido. Sujeito baixo, raquítico, rosto chupado pelas amarguras cotidianas, olhos fundos e amarelados, era um pobre indivíduo da sofrida classe média baixa, e o pior: desempregado. Usava roupas que já tinham visto melhores tempos outrora e demonstrava visível abatimento no rosto magro, uma acentuada expressão de angústia. Ao segurar o copo as mãos vacilavam e tremiam, o líquido asqueroso da cachaça de má qualidade rodopiava prestes a derramar pelas comissuras dos lábios ao bebê-lo.
            Um cinzeiro velho e sujo, sobre o simulacro de balcão do asqueroso boteco, estava todo abarrotado de tocos de cigarros de onde ainda resquícios de fumaça dançavam no ar pútrido. Fumando e bebendo desesperadamente, via-se no olhar do bêbado aquele indubitável ar de derrotado, de amarga expectativa. Algo realmente o atormentava.
            O quiosque não tinha mais que quatro paredes de madeira cobertas de palhas de coqueiro, uma janela grande aberta no meio à guisa de balcão, umas poucas garrafas com aguardente em prateleiras toscas, alguns copos num cabide de roupa já sebento, limões num saco sobre uma mesinha encarquilhada e uma bacia de alumínio cheia de água servida onde o dono da baiúca “lavava” os copos usados pelos fregueses. Naquele momento apenas o homem atormentado se encontrava recostado no parapeito da janela-balcão, atentamente observado pelo barrigudo no interior do boteco, provavelmente o dono do “estabelecimento”, que não usava camisa sobre o dorso obeso, somente uma rodilha enegrecida de sujo encobrindo-lhe o pescoço e descendo grotesca sobre o tórax gorduroso.
Novamente, desta feita sentindo uma fisgada no peito, o homem que bebia com sofreguidão voltou o pensamento para sua mulher e os filhos meninotes, tentando sorrir ao relembrar a imagem do recém-nascido ainda na maternidade com a mãe. Bem, pelo menos ainda estavam vivos todos, o mais recente tendo chegado ao mundo há pouco, malgrado toda dificuldade para sua esposa ser atendida na maternidade por falta de caução e as mentiras que ele empurrara goela abaixo dos atendentes para que fosse atendida. Era mais um dos inúmeros trabalhadores demitidos por conta do mais novo rebento governamental brasileiro, o famigerado Plano Globalizado do governo atual. Agora, a esposa recuperando-se da cesariana, teria de arcar com diárias hospitalares e outras despesas de cirurgia, anestesia, etc. E não tinha um centavo no bolso agora. A bebedeira lhe estava tirando as últimas e insignificantes moedas.
Quando fora internar a esposa pregara a maior mentira de sua vida à Diretora da maternidade, com a maior cara de pau dizendo-se Gerente Adjunto do Banco do Estado. Deixaria a mulher internada para os procedimentos iniciais da cesariana e logo voltaria com o talão de cheques esquecido no carro. Ele nem tinha carro, o pobre-diabo. Mentira para salvar a vida de sua Joana e para dar vida ao seu pimpolho. Sabe lá como tivera tanta coragem para escamotear a vergonha daquele ato. Mas, graças!, de outro modo talvez perdesse a mulher. De pernas nanicas, no entanto, a mentira foi logo descoberta, justamente quando a espos já estava sendo operada.

...continua
Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 05/08/2008
Reeditado em 05/08/2008
Código do texto: T1114688
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