O Fantasma da Noiva

O homem gritava, apavorado, no portão:

- Socorro! Socorro!

Dona Ana pôs os olhos pela fresta da janela da sala. A expressão dele estava aterrorizada. A mulher acionou a máquina do portão. Ele se jogou para dentro, caindo sentado na garagem, onde colocou o rosto entre as pernas chorando copiosamente. Seu José desceu alarmado, mas, antes que perguntasse alguma coisa, dona Ana já o informava:

- Ela... De novo...

- Meu Deus, essa moça não vai descansar? - remoía o seu José. Mas dona Ana já tinha corrido para fora tentando acalmar o homem todo molhado. Os clarões dos relâmpagos e os trovões só faziam aumentar. Já chovia forte há quase trinta minutos.

- Senhor, venha... Está todo molhado... Precisa se secar ou apanha um resfriado... Venha, vou fazer um chá para o senhor...

O homem, tremendo dos pés à cabeça, repetia baixinho "ela... ela... ela..." - Eu sei, eu sei, venha, vamos lá pra dentro...

Depois de alguns minutos, dona Ana voltou da cozinha com a xícara de chá quente nas mãos. Ofereceram-lhe também uma toalha para que ele se secasse. Seu José encontrou uma camiseta velha que serviria ao visitante inesperado até que dona Ana secasse à ferro a camisa, toda molhada.

Um pouco mais calmo, o homem ensaiava algumas palavras.

- Bati em várias casas... ninguém... ninguém atendeu... obrigado... muito obrigado... uma noiva... jovem... parecia muito jovem...

- Nós sabemos, respondia o seu José, procure se acalmar...

O homem voltava a se encorajar:

- Vi a vela acesa, na porta da igreja, aquilo atiçou a minha curiosidade. Como poderia... Com aquela chuva grossa caindo...

- Tornou-se uma alma penada, a coitada... Achávamos que essas aparições já estavam superadas...

- O quê? - gaguejava o homem.

- Como superadas, José? - voltou novamente a Dona Ana, agora com a camisa seca nas mãos. - Morta de maneira tão covarde e brutal... Nunca parou coisa nenhuma... A molecada é que estava de férias escolares! Mas vira e mexe a gente escuta gritaria dos desavisados ou daqueles que voltam tarde das festas. Fora aqueles que se julgam corajosos e desmaiam mijados. E essa rua é perigosa... Tão ingrime, e esses paralelepípedos lisos... Deviam trocar isso...

Seu José estava curioso.

- O senhor a viu de perto?

Laércio, como se chamava, colocava a camisa preocupado.

- Vocês não podem me colocar pra fora... Preciso ficar.... não posso... não consigo sair daqui...

- Nós entendemos! - Acudiu dona Ana, você dorme aqui na sala.

Seu José voltava à carga:

- É tão assustador qanto dizem?

- O senhor não faz ideia... Deus o livre... Não faz ideia...

No bairro todos sabiam da história horripilante. Alguns inclusive a presenciaram e juravam que as cenas jamais sairiam de suas memórias.

Leda e Natanael namoraram por três anos. Quando, enfim, o rapaz tomou coragem de pedi-la em casamento, veio o balde de gelo sobre a cabeça: ela amava outro, e se já se encontravam à escondidadas há algum tempo. Não esperava nem desejava que Natanael compreendesse ou perdoasse a traição. Queria passe livre. Não podia se casar com ele. Não o amava, e aquela situação a estava sufocando. Natanael implorou que não fosse. Sim, a perdoaria, se casariam e mudariam para bem longe dali, mas que ela não o abandonasse. Leda não cedeu. E em seis meses estava se casando com o outro rapaz. Um casamento discreto, numa capela do bairro. Sua única exigência, o vestido: branco, véu e grinalda. Era um sonho. E além do mais ninguém tinha nada com a vida dela. Mas no momento em que os noivos recebiam a tradicional chuva de arroz, na porta da igreja, Natanael irrompeu entre os convidados. Uma enorme faca nas mãos. Leda foi apunhalada duas vezes no pescoço. Mesmo sendo socorrida, não resistiu. E agora isso. Essa aparição fantasmagórica da moça vestida de noiva atormentando a todos.

Desde a tragédia, fosse qual fosse o motivo de estarem na rua - geralmente após as 22 horas - o espectro desfigurado aparecia com as mãos tomadas por sangue. O mesmo que escorria do longo talho no lado direito do pescoço e que tingia de vermelho o vestido muito branco, de véu e grinalda. Percebia-se a fronte e o olho direito afundados pela queda que se seguiu ao esfaqueamento. A maquiagem, totalmente borrada, tornava seu rosto ainda mais bestial, marcando a mente de quem ousasse encará-la. O cabelo, antes fixado por laquê, agora mostrava-se totalmente desgrenhado, o que reforçava seu aspecto desvairado.

A bem da verdade ela não corria, nunca correu atrás de ninguém na rua. Era comum que surgisse de supetão, numa esquina, ou que estivesse chorando num banco da praça, ou ainda nos degraus da igreja. Seus olhos lacrimosos e suplicantes eram mais impressionantemente assustadores do que qualquer ato de agressividade que nunca imprimiu a quem quer que fosse. Também, nessas aparições, nunca disse nada. Por vezes, um grito, muito agudo, ou gemidos longos e perturbadores, seguidos de um choro convulsivo, as mãos voltadas para o céu, como se questionasse Deus. Apenas essas coisas já faziam os desafortunados que cruzavam o seu caminho terem horríveis pesadelos por semanas. Alguns passavam a tomar remédios controlados para distúrbios psíquicos. Tornavam-se psicóticos, abobados, paranóicos ou tinham sua qualidade de sono completamente arruinada, atormentados por horríveis e recorrentes pesadelos. Esse estado de coisas poderia ser passageiro ou não. Muitos nunca se recuperaram.

Mas o seu José e a dona Ana, bem como os outros poucos moradores mais antigos do bairro, não tinham atinado para a coincidência com o aniversário do crime. A família de Leda havia se mudado dali; de forma que, até hoje, as pessoas percebem as aparições mais frequentes numa época do ano do que em outras, sem nunca associarem ao dia em que Leda realizaria o maior sonho de sua vida, mas que acabou, de forma fatídica, sendo o dia de sua morte.

Ainda sob o reflexo de pequenos tremeros que se faziam notar nas mãos, Laércio descreveu sua experiência:

- Eu estava correndo para me abrigar da chuva, que aumentara rapidamente. Olhei em direção à igreja, que achei bonita e bem preservada. Foi aí que me chamou a atenção a vela acesa embaixo da chuva torrencial. Não pude evitar de me aproximar, tentando saber se meus olhos me traíam. Então ela saiu de dentro da igreja, mesmo com a porta fechada! Fiquei sem ar. Ela se aproximava de cabeça baixa, andar cambaleante, um choro compulsivo entrecortado por soluços e gemidos. Fiquei travado, meu coração parecia querer sair pela boca... Ela continuava se aproximando, os passos vacilantes, os cabelos desgadelhados, o sangue que escorria do pescoço, enxarcando o vestido, o tule cobrindo a metade superior do rosto... horrível...horrível... - começou a chorar descontroladamente, enquanto a tremedeira aumentava. - Não conseguia correr, e...

- Deixe, rapaz - interviu dona Ana. - deixe isso pra lá, procure esquecer, sim?

Conseguiram, enfim, depois de horas, acalmá-lo. Ele agradeceu e no dia seguinte, bem cedo já se despedia. Pouco antes de sair, perguntou, num arroubo de coragem:

- E a vela? Como pode...

- Sim! - respondeu seu José - foi colocada lá pela dona Francisca, mãe de Leda. De tempos em tempos, mais ou menos uma vez por ano - segundo relatam - aparece acesa, e não há cristão que a apague. Isso acontece espontanemente, quando um forte redemoinho passa pelo local, surgindo do nada e para o nada retornando.

GEORGES
Enviado por GEORGES em 15/03/2024
Reeditado em 07/04/2024
Código do texto: T8020395
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