Miniconto da ‘Es’Crypta: A fantasma de tOpLeSs

Naquele cemitério de uma capital brasileira era grande a movimentação em épocas de Lua Cheia, pois uma grande multidão de jovens rapazes roqueiros e góticos compareciam pela madrugada em busca de um espetáculo que no auge provocava arrepios e muita excitação.

Normalmente o espetáculo era anunciado previamente por assobios saídos de dentro dos túmulos, dando a impressão de que muitos dos espectadores do show assistiam de suas posições, completamente deitados, em seus “camarotes-vips”. Mas isso se dava exatamente como um aviso de que a aparição da forma feminina estava para acontecer.

Os jovens de idades variadas escutavam passos como se fossem de uma “top model” de saltos altos numa passarela, quando então um silêncio sepulcral tomava conta de tudo por dentro do cemitério que um pouco antes estava tumultuado com as conversas animadas dos ansiosos visitantes.

Então acontecia a aparição espetacular do fantasma de uma mulher jovem que dava a impressão de ter a estatura bem alta, comparando-se com a de uma moça viva.

O corpo da dama chamava a atenção, mas não apenas pela sinuosidade exuberante e pela minissaia branca, porém, também, pela ausência de alguma “cobertura” na parte superior do tronco onde dois exuberantes volumes harmônicos e simétricos balançavam durante a caminhada ritmada em que os quadris se sacudiam. E os passos suaves continuavam fazendo barulho de desfile de passarela, embora a deslumbrante forma caminhasse suspensa sem tocar qualquer superfície.

Tudo ali era balanço e sensualidade.

Logo um ritual se repetia, quando os jovens começavam a cantar um sucesso do gênero Rock’n’Roll que causava uma reação da dama-fantasma, fazendo com que aquele corpão começasse uma dança que levava todos à loucura com gritos e assobios que se juntavam aos dos túmulos onde uma “galera” parecia detestar o estado de repouso forçado.

E seguia “o baile” durante aproximadamente sessenta minutos, quando a dama-fantasma passava a se desmaterializar lentamente diante dos olhares que já se mostravam saudosos.

Era um delírio arrebatador, uma alucinação coletiva que assustava a todos que passassem em frente ao cemitério, naquelas madrugadas em que acontecia aquele festival que não tinha microfones nem equipamentos de som.

Certa madrugada, porém, a animada plateia foi surpreendida com a aparição de duas figuras e não mais apenas aquela de sempre. Ela, a sensualíssima do “show-topless”, apareceu pontualmente, mas desta vez estava acompanhada por uma outra presença fantasmagórica.

Uma coisa nova também aconteceu, além da surpresa da estranha companhia. É que nunca, jamais, houvera necessidade de uma voz anunciando o espetáculo. Agora, porém, ao contrário, uma voz de tonalidade vocal indefinida bradou:

— “Oi, genteee....!!! Deixa eu me apresentar! Eu acabo de chegar aqui no mundo dos mortos. E essa gatona aqui do meu lado, que vocês sempre aplaudiram, era a minha namorada na vida material. Agora, não se preocupem! Aqui eu me apresento porque estou assumindo minha verdadeira vocação. Sou uma “Drag-Ghost” e a partir deste momento vocês irão curtir um show em dose dupla!!! ”

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A plateia contemplava em absoluto silêncio, todos ali estatelados de perplexidade.

Os roqueiros e góticos ali presentes sempre compartilharam um pensamento básico: e era de que ninguém aceitaria falsificação dos símbolos que admiravam.

E a tal “Drag-Ghost” estava se apresentando com o mesmo visual artístico, mas não chegava aos pés da VISÃO deslumbrante da antiga musa sobrenatural. E, ali bem ao lado do estreante, a atitude da talentosa e sensual fantasminha era de que estava disposta a aceitar dividir o “palco” com aquela falsa tetuda.

De repente, todos os jovens da plateia passaram a entoar uma canção, que foi puxada por um deles e nada tinha de parecido com um dos costumeiros sucessos do Rock’n’Roll.

Na verdade, eles cantavam um conhecido “sucesso” inadequado para aquela ocasião. E todo o cemitério ficou outra vez em transe, pois entusiasticamente a “galera” cantou com uma força de todos os pulmões que cada jovem era capaz de reunir em esforço heroico:

— “Segura na mão de Deus... segura na mão de Deus... e vai. ”

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Nunca mais aquele cemitério voltou a ter tanta animação nas madrugadas, pois os frequentadores de ambos os “lados” do túmulo jamais apareceram ali outra vez.

(FIM)

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Da coleção zezediozoniana: “Minicontos da ‘Es’Crypta”