O PADRE DE GÓLGOTA

Algumas lendas nunca morrem. Algumas, no fundo, carregam um pouco de verdade.

Até quando esta lenda tomaria conta deste lugar?

Os pingos de chuva embaçam a janela. Tenho medo. Estou em pé, olhando para aquela construção ao longe e quase invisível na névoa já faz um bom tempo. Fecho os olhos e os aperto com força, tentando me lembrar de algo.

Quase fora em vão.

Antes que eu desistisse, uma mão segurara a minha, me guiara pelo parquinho, me balançava nos rústicos balanços de madeira. Pouco depois do fim da tarde, seguíamos por aquela estrada de pedras brilhantes até a igrejinha. Assistíamos a missa com muita atenção, até eu olhar para o rosto do homem que cuidou tanto de mim naquele dia. Mas seu rosto era cinzento, uma massa disforme e irreconhecível. Ele nunca existiu.

Quando abro os olhos, a noite já tomara conta do espaço. A casa ao meu redor está escura, e eu me apoio mais no batente. Por três vezes, tive a impressão de que a chuva cessara, para então voltar mais forte.

Dizem que ele ainda anda por aí. Dizem que não só assusta mais. Agora, ele leva sua alma. Mas será nesta casa mesmo?

Antes que eu decida voltar, vejo alguma luz vir da capela. É estranho, pois lá não há energia elétrica. Um sobressalto toma meu coração. Não sei se devo continuar ali.

Observo alguém abrir os pesados portões da igrejinha com dificuldade, cambalear para o campo e começar a rastejar com uma perna manca, se esgueirando dentre os campins mal aparados em direção a esta casa. A igrejinha não é usada nem frequentada há mais de trinta anos.

Estou paralisado pelo medo, completamente incapaz de reagir. Fecho e aperto mais uma vez os olhos, tentando lembrar. Agora, a visão do padre me fascina.

Ao meu lado, no banco da igreja, sua face saíra de uma massa disforme para uma espiral estrelada. Como se estivesse olhando para uma galáxia no espaço nu. Estou hipnotizado por aquela visão, enquanto seus dados em garra se direcionam a minha garganta. Mas é tão denso...

Um arranhar na janela me acorda de meu sonho. E é então que lembro. A massa disforme. A galáxia. Tudo fora um longo devaneio. De frente a mim, na janela, está o meu terror e de toda a vila de Gólgota.

O ser tétrico e monstruoso na janela está com fome. Ele lambe os beiços e passa a língua por seus dentes afiados, deixando cair baba em sua batina. Decido fugir, mas rapidamente suas garras quebram a janela.

Rezo para que a vila escute meus gritos.

Brenno Lima
Enviado por Brenno Lima em 20/10/2022
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