CONTOS DE OUTONO/INVERNO. A CASA DO LAGO.

-"Carolina do Norte. Temperatura chegará a treze graus abaixo de zero." Anunciou o âncora da tevê. Eduard ajeitou a touca. A janela fechada. A neve caindo, como num cartão postal natalino. -"Mila, vamos congelar." A moça colocou mais lenha na lareira. O fondue de chocolate sobre a mesa de centro. A tevê numa série da Netflix. O gato vestido com blusa e cachecol, recolhido num canto do sofá. -"Meu Deus, parece que faz mais frio aqui dentro do que lá fora." O casal morava há uma mês, na casa de número 45, no final da Ramsés Street. A floresta ali perto. O lago agora congelado. -"Acho que não foi boa idéia nos mudarmos pra cá. A herança do tio Paul, herdamos essa casa mas é muito frio aqui." Queixou-se a esposa. Eduard finalmente concordava com ela. Ele insistiu na mudança de Miami pra Carolina do Norte, um lugar pacato e acolhedor. Logo conseguiu um emprego numa imobiliária e estava feliz. O gato se arrepiou e deu um forte miado. Garfield pulou para o chão, tentando sair da sala. -"Garfield, venha aqui." O gato não deu ouvidos a Mila e foi pra cozinha. -"Vou até a garagem, onde tem areia pra caixa dele." Eduard foi até a garagem. O tênis afundou na neve. O rapaz tentava abrir a garagem. -"Ei, vizinho. Tem que tirar a neve primeiro. Posso te emprestar minha pá." Eduard sorriu, agradecido. Stanley se aproximou. -"Nevasca brava. Sou Stanley." Eduard gostou do vizinho. -"Prazer, Eduard. Herdamos a casa do velho Paul." Ele começou a tirar a neve. -"Moro aqui há vinte e seis anos. Depois de amanhã o sol vai aparecer, vai dar pra esquiar no lago." Disse Stanley, dando uma gargalhada. -"Não é perigoso? O gelo pode quebrar, sei lá." Stanley ajudou Eduard a abrir a garagem. -"Aquele lago tem história. Muita gente desapareceu debaixo daquele gelo." Eduard estava impressionado. -"Mesmo? Desapareceram e nunca mais voltaram?" Stanley olhava tudo em volta. -"Sim. Uau, quanta coisa velha nessa garagem!" Uma antiga máquina de vídeo game ocupava um canto, os pôsteres de bandas de rock nas paredes. O velho Camaro empoeirado. -"Esse carro não anda. Meu tio tirou ou vendeu o motor." Disse Eduard, acariciando o carro. -"É uma relíquia." A esposa de Stanley o gritou. -"Vou indo, Eduard. Vamos fazer um churrasco qualquer dia." Eles deram as mãos. -"Certamente. Se quiser comprar esse Camaro, é seu." Stanley olhou para o carro. -"Seu tio não vendia nem por todo ouro da Califórnia. Acho que o lugar dele é aqui." Eduard voltou pra casa. O gato estava mais calmo. -"Gatos vêem espíritos. Será que viu o fantasma do tio Paul?" Eduard encarou a esposa. -"Que bobagem. Tio Paul não é um fantasma. Aliás, fantasmas só existem nos contos de terror do Recanto das Letras." A esposa riu. -"O nosso vizinho é bem camarada. Até nos convidou para um churrasco." Naquela noite, o gato passou pela garagem. -"Garfield, não é?! Gordo e preguiçoso igual o Garfield verdadeiro. Não quer dormir na garagem, bola de pêlos?!" O gato miou. Encarava o homem, vestido como zumbi e com um buraco de tiro na testa, de pé ao lado do Camaro. O gato foi para o quarto, ficando aos pés da cama onde Eduard e a esposa dormiam. -"Porquê insistiu tanto, tio? Estamos aqui e até agora nada." Eduard foi conduzido por Paul até o lago congelado. -"Eu estou alí, meu caro. Eduard, não acredita em tudo. Essa gente é ruim. Stanley roubou o motor do meu carro. O imbecil queria muito esse carro, por isso me matou. Estou no fundo do lago, com o motor amarrado ao pescoço." Eduard se desesperou. -"Não pode ser." Eduard gritou, acordando a esposa. -"Está tendo um pesadelo, querido. Vou buscar um chá." Eduard olhou para o gato. Garfield olhava o espírito de Paul, no canto do quarto. -"Ele vai morrer, bola de pêlos. Essa casa é minha." Mila retornou. -"Vou pegar outro edredom. Esse quarto é um iglu." Três dias depois, o sol tímido. As pessoas saíram das casas. As crianças esquiando no lago. Eduard e Mila se animaram. O casal foi até o lago. -"Finalmente vamos aprender a esquiar." Os seguranças. A polícia a postos. Os instrutores de esqui. -"Nunca esquiei. Mila, tira uma foto." O rapaz estava empolgado, se sentindo numa olimpíada de inverno. Mila sentiu dores na perna, após as aulas de esqui. Eduard parecia uma criança e até arriscava correr, sem por as mãos nas grades de proteção. Os sinalizadores indicavam locais perigosos no lago. Alguns rapazes não obedeciam a sinalização e iam mais longe no lago. Eduard se aventurou. Mila encoberta pelas pessoas, não viu o marido se afastar. Eduard sentiu um estralo. Olhos arregalados. Ele parou de repente. O gelo rachou e o rapaz caiu. A imagem do tio, amarrado ao motor, no fundo do lago, veio a sua mente. Ele sentiu os ossos congelando. A morte era questão de tempo. Uma mão o segurou. -"Tio Paul." Eduard apagou e não viu mais nada. Ele acordou dois dias depois, no hospital. Mila segurava sua mão. -"Eduard, que susto. " O médico entrou. -"Rapaz, que sorte que alguém o puxou e o reanimou a tempo. Esse socorro foi fundamental para não o perdermos." Eduard olhou pra esposa. -"Quem me puxou? Eu caí no lago gelado." Mila o beijou. -"Stanley o puxou. Ele é monitor de esqui." Eduard teve alta e foi visitado pelos vizinhos, inclusive Stanley, a quem abraçou e agradeceu. -"Eu vi o motor do Camaro, está no lago, onde eu caí." Disse Eduard a Stanley. -"Quero que fique com o carro, como gratidão. Pegue aquele motor e reforme o carro. Você merece esse carro." Tempo depois, o lago descongelou. Stanley contratou um barco e mergulhadores. Ele resgatou o motor do fundo do lago. Eduard e Stanley empurraram o carro até a garagem do vizinho. -"Farei um churrasco a noite

Vamos comemorar, Eduard. Não precisa trazer as cervejas." Disse Stanley.

De manhã, Eduard entrou no carro. Mila estava a seu lado, com Garfield no colo. -"Vai mesmo vender a casa e voltar pra Miami?" Eduard estava decidido. -"Vou, Stanley. Essa casa é fria, esse lago me dá arrepios. Miami é nosso lugar. Cuida bem do Camaro do velho Paul." Stanley, meses depois, passou a ter pesadelos. -"Você gastou um bom dinheiro, reformando o carro. Agora vive sonhando com o velho no fundo do lago." Stanley concordou com a esposa. -"Verdade. O velho Paul trazia o motor reformado, no barco que o mecânico Tommy lhe emprestou. O barco virou e o motor caiu. O corpo do Paul foi encontrado pelos bombeiros, dois dias depois. Uma tragédia." A mulher serviu a mesa. -"Paul está preso ao carro, a nossa casa é fria, ainda que esteja quente lá fora. Nunca foi assim. Está fria desde que o carro chegou. Ele está aqui.. Paul está aqui." Stanley anunciou o carro na internet, por uma pechincha. Três dias depois. Uma buzina. O comprador tinha trazido um guincho pra levar o Camaro. Stanley e a esposa saíram. -"O cara amou o carro. Adeus, Camaro. Adeus, velho Paul." O reboque atrás da caminhonete, levando o carro, ganhou a auto estrada. O gato, no colo do caminhoneiro que comprara o Camaro, se arrepiou. -"Quieto, bola de pêlos. Prazer, Paul. Vamos ser amigos." FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 02/06/2022
Reeditado em 02/06/2022
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