O ABANDONO 2

Diário de Esther,

21 de Janeiro de 2020

”Um certo dia o mundo se viu preso. A pandemia do novo coronavírus trouxe incerteza, insegurança e acima de tudo, instabilidade mental na grande parte das pessoas do mundo todo...“

Esther, uma adolescente de 16 anos se viu desamparada. A quarentena foi decretada e ela acabou perdendo seu emprego após a empresa onde trabalhava fechar as portas. Abalada, já não sabia o que pensar, pois era do seu salário que Esther sustentava sua mãe, pai e irmão de 5 anos. Sua mãe Elisabeth não conseguia emprego em lugar algum em virtude de sua idade, pois era difícil uma mulher de 60 anos conseguir ser empregada. Já seu pai, Eugênio, vivia para a bebida. Todos os dias, ele saia pela manhã dizendo sair para procurar emprego, mas na verdade ia até o bar da esquina com a Rua 73 se encontrar com amigos e ali ficava até tarde da noite.

Chegando em casa, Esther se senta e conversa com sua mãe explicando o que aconteceu. Sua mãe entra em desespero mesmo tentado consolar a filha dizendo que tudo ficaria bem. Neste momento, Eugênio chega em casa transtornado e bêbado, indignado que o bar fechou as portas após decreto municipal e agora ele não teria mais aonde ir e beber todos os dias. Esther aproveita e conta a ele a situação a qual ela se encontrava.

- Como assim desempregada? Pergunta seu pai

- Pai, as lojas fecharam. Tudo fechou! Questiona Esther

- Você precisa se virar. Vá achar o que fazer. Nós te damos a vida agora você precisa nos sustentar.

- Não sei o que fazer. Preciso que o senhor tente conseguir um emprego. Você consegue largar a bebida e voltar a ajudar em casa? Pergunta Esther.

Após a pergunta de Esther, seu pai parte para cima dela. Sua mãe com intuito de defendê-la, tenta apartar a briga mas acaba sendo agredida também.

- Vocês duas é que vão trabalhar. E nunca mais diga o que eu tenho que fazer. Conclui Eugênio.

ALGUNS DIAS DEPOIS....

Esther passou por muitas coisas nos últimos dias. Seu pai, transtornado sem bebida estava cada dia mais violento, inclusive com seu filho de 5 anos, que na última briga tentou afogá-lo na banheira enquanto Elisabeth o dava banho. Depois da briga, Eugênio saiu de casa e não voltou por três dias, aparecendo após este período dizendo que tudo estava bem e pedindo desculpas por tudo o que ele fez, prometendo mudança. O que Esther e sua mãe não sabiam, é que sua volta para casa não indicava boa coisa. Eugênio voltou outra pessoa, disse que havia conseguido um emprego para ele e sua filha Esther e que estava doido para começar em seu novo negócio. Esther ficou pensativa por um momento mas logo se alegrou pois já estava a mais de duas semanas desempregada e acreditava que seu pai estava disposto a recomeçar.

- Onde vamos trabalhar? Pergunta Esther

- É um lugar lindo. Em um hotel de luxo no centro da cidade. Eu e você vamos mudar de vida, e depois que já estivermos estabelecidos vamos levar sua mãe e ela também fará parte da nossa equipe. Responde Eugênio.

Elisabeth, por sua vez ficou desconfiada da mudança repentina de seu marido e alertou sua filha para pensar bem antes de aceitar qualquer coisa que vinha de Eugênio. Esther ouviu sua mãe, concordou-a mas mesmo assim acreditava que seu pai pudesse estar falando com o coração, e que ele também queira mudar a vida da família.

- Vamos amanhã. Um amigo virá nos buscar e levar até o hotel. Afirma Eugênio.

Esther animada vai para seu quarto, e antes de começar a arrumar suas coisas, se ajoelha e agradece a Deus pelo emprego e por seu pai finalmente estar mudando.

O grande dia chegou. Sérgio, amigo de Eugênio veio no horário marcado para levar-los. Esther se despede de sua mãe que estava com um mal pressentimento, mas Esther a consola e diz que tudo estava bem e que em breve retornaria para buscar ela e seu irmão. Só que o que Esther não sabia, é que essa seria a última vez que veria sua mãe e irmão.

O caminho para o hotel foi de muita emoção, Esther estava realmente feliz com tudo o que estava acontecendo em sua vida. Ela sempre procurou ver seus pais bem, e poder fazer algo para que isso se realizasse mais uma vez, já a deixava com o coração cheio de gratidão.

Chegando ao hotel, Esther fica apaixonada pelo tamanho do prédio ao qual ela iria ingressar como camareira, pelo menos era o que ela achava que aconteceria. Na recepção, Eugênio logo já informou o número do quarto para a recepcionista. ”606“. Esther logo estranhou, pois não fazia sentido algum seu pai e ela irem para trabalho e ganhar um dos quartos do andar mais caro. Já no elevador, Esther questiona:

- Quando começamos a trabalhar?

- Mais a tarde. Agora podemos descansar um pouco da viagem. Responde seu pai.

O elevador abre, e Esther só vê luxo. Também, o que esperar do andar mais caro do hotel? Chegando em frente ao quarto 606, sei pai entra primeiro e por um breve momento Esther sente algo ruim. Em seguida o sentimento vai embora quando a porta do quarto ao lado(605) se abre e dele sai um menino, mais ou menos da mesma idade de Esther, os dois se cumprimentam e logo Esther entra em seu quarto.

Esther aproveita o momento livre no quarto do hotel para tomar um banho e preparar a banheira. Um banho de espuma era um dos sonhos de Esther e ela iria realizá-lo. Enquanto a banheira enche, ela estava se olhando no espelho feliz com o cenário ao qual ela se encontrava. Neste momento, o telefone de sei pai toca, mas Esther nunca foi de ficar ouvindo as ligações de seus pais. Mas essa, em especial, ela precisava ouvir.

- ”Sim! Ela está aqui. Ela está pronta. Sim, pode deixar! Os órgãos dela são fresquinhos, menina de 16 anos né, tem muito o que aproveitar. Sim, sim! Pode deixar que estaremos aí amanhã pela manhã. Não! Com isso parte da minha dívida é paga, a outra parte será quitada com Elisabeth. Não se preocupe!“

”Inacreditável“, foi o que Esther falou baixinho só pra ela após ter ouvido tudo o que ouviu. -Como me deixei levar pelo que ele me disse? Essa foi a pergunta que Esther estava se fazendo e tentando buscar uma resposta clara. A banheira estava pronta, e sua vontade de tomar o banho passou. Agora, seu foco era de como iria se livrar de seu pai para poder fugir. Lentamente, a mesma abriu a porta do banheiro e seu pai estava estava na sala em pé no telefone. Rapidamente ela olhou para a porta de saída, mas para chegar até lá ela precisaria passar pelo seu pai e pegar a chave que estava encima do sofá.

- Quem estava no telefone? Perguntou Esther

- O pessoal do administrativo do hotel. Respondeu Eugênio.

- Está tudo certo para iniciarmos a tarde?

- Sim, sim! Eles estarão nos aguardando na recepção as 18h. Respondeu seu pai já desconfiado das perguntas.

Imediatamente, Esther corre até o sofá, pega a chave e vai em direção a porta. Eugênio prontamente a segura, sem entender o que estava acontecendo até que Esther diz as palavras mágicas: ”Órgãos fresquinhos?“. Em seguida, seu pai a empurra encima da mesa de vidro que estava no centro da sala, ela tenta se erguer mas Eugênio veio pra cima dela e estava a sufoca-lá. Quando já não havia mais quase ar, Esther pega a chave da porta que estava na sua mão e crava no olho esquerdo de Eugênio, fazendo-o sair de cima dela dando tempo para Esther pegar o lustre e bater na cabeça dele. Já desacordado, Esther retirada a chave do olho de seu pai e vai em direção a saída. Machucada e abalada pelo que seu pai fez à ela, se dirige ao elevador para fugir à qualquer custo.

A voz do elevador assoa ”Térreo-Recepção“, e assim que as portas se abrem, Sérgio, amigo de seu pai imediatamente entra no elevador impendendo-a de sair. Esther começa a gritar pedindo socorro mas ninguém a ouve. Sérgio a segura e avisa que todos ali estavam trabalhando juntos, e que ela poderia gritar a vontade que ninguém a ajudaria. Chegando no quarto, seu pai já consciente à bate, fazendo com que Esther desmaie.

De madrugada, Esther desperta e seu pai está na sala. Ela logo avista seu celular, quebrado no chão ao lado de onde Eugênio estava.

- Porque está fazendo isso comigo? Pergunta

- Tenho dívidas. Muitas por sinal. Não vi outra alternativa a não ser essa. Você está na ”flor da idade“, eles adoram. Era isso ou prostituição. Você precisa me agradecer, você está fazendo uma coisa boa pelo seu pai aqui. Está me livrando da morte. Respondeu.

- Ah, você pode tentar gritar ou fugir. Não dará em nada. Todos aqui, todos os hóspedes, estão todos aqui pelo mesmo objetivo. Estamos todos juntos nessa. Conclui.

Eugênio diz à Esther que ela precisa tomar um banho e se preparar que logo cedo irão buscá-la. Ela vai até o banheiro, se tranca, e vai direto para a janela. Logo se sentou no chão, pois ela estava no 6º andar não teria como pular. Sentada ela chora, chora muito. Sem entender o propósito de tudo o que estava acontecendo, ela se perguntava como o amigo de seu pai já estava a esperar na porta do elevador na recepção, e a única resposta clara para isso foi que seu pai despertou e o avisou que ainda se encontrava lá embaixo.

Esther por horas chorou sentada no chão do banheiro inconformada com o destino que estava traçado para ela, e que sua vida estava prestes a acabar. Já não havia mais forças para que ela tentasse fugir novamente, já que todos ali estavam sabendo do que estava para acontecer. Sem mais esperanças de conseguir se salvar, Esther já estava aceitando seu destino é só sabia rezar e agradecer a Deus pela vida que teve e pedir perdão a Ele por qualquer coisa de mal que teria feito para sofrer aquilo tudo. Num instante, Esther se lembrou de sua mãe e ao mesmo tempo do que seu pai disse a ela: ”...Voltaremos para buscar sua mãe e ela também fará parte da sua equipe...“. Ela finalmente entendeu tudo, ele irá voltar e fazer o mesmo que estava fazendo com ela com sua mãe, já que na ligação ele disse sobre parte da dívida ser paga com Elisabeth. Agora, o objetivo de Esther já não era mais se salvar, mas sim, fazer qualquer coisa para salvar sua mãe. No banheiro, ainda estava sua mochila e nela seu caderno de anotações, o qual usaria para anotar coisas do seu suposto emprego. Esther pensou em uma maneira de livrar sua mãe. Naquele momento, ela começou a escrever uma carta contando tudo, colocando o endereço de sua mãe e pedindo socorro para Elisabeth.

Já eram 6 horas da manhã, a carruagem com destino a sua morte chega para buscar Esther. Ela já estava conformada com seu destino e também estava cansada. Escondeu a carta em seu casaco para que seu pai não descobrisse. Eugênio estava trancando a porta do quarto, e em seguida foram em direção ao elevador. No caminho, Esther deixa sua carta em frente à porta do quarto 605, onde havia avistado um menino logo quando chegou no hotel. Mesmo seu pai afirmando que todos ali sabiam, ela sentiu que era ali onde-a deixaria suas últimas palavras, deixou ali e com uma mão bateu na porta, uma única batida para que seu pai não desconfiasse. Uma única batida, a qual ela estava rezando que fosse a batida da salvação de sua mãe.

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Depois dali, nunca mais se ouviu falar de Esther. A carta a qual ela deixou em frente ao quarto 605 foi recolhida pelo mesmo garoto que Esther havia visto no seu primeiro dia no hotel. Esther não sabia se seu plano daria certo, mas deu muito certo! O menino que recolheu a carta, leu, entregou para seus pais os quais chamaram a polícia. Realmente, o que Eugênio havia contado a Esther sobre todos ali estarem sabendo foi mentira. Tudo para que Esther acreditasse e não resistisse e nem gritasse por socorro. No dia seguinte do ocorrido, Eugênio voltou para casa para concluir sua dívida e levar sua esposa. Mas, realmente, a última batida de Esther salvou a vida de sua mãe. Quando Eugênio chegou em sua casa, a polícia estava à seu aguardo, levando-o para prisão sendo condenado à prisão perpétua.

”Me chamo Esther, tenho 16 anos. Não sei ao certo onde estou, só sei que estou em um hotel onde meu pai me trouxe com promessa de emprego, mas na verdade ele me vendeu. Irão retirar meus órgãos, não sei onde nem quando, só sei que depois de mim vão fazer a mesma coisa com minha mãe. Ajudem minha mãe! Por favor!.... Eu fui tão feliz na minha vida. Vivi para ajudar meus pais e assim como sempre fiz agora irei dar minha vida pra salvar a do meu pai. Eu já me conformei e estou indo em paz, com Deus ao meu lado. Mãe, eu te amo tanto. Cuida bem do meu irmãozinho, e ensine a ele tudo o que você me ensinou em todos esses anos, até mesmo a amar sua família incondicionalmente. Essa quarentena do coronavírus mexeu com as pessoas. Assim como com meu pai, ele ficou transtornado por seu vício, entrou onde não devia e criou dívidas onde não devia criar, está fazendo coisas erradas mas é uma boa pessoa. Só peço que a pessoa que estiver lendo isso possa livrar minha mãe do mesmo destino que o meu. Rua 25 número 266 (endereço da minha mãe). Eu estou bem. Eu tentei, tentei de verdade. Mas já aceitei. Quero que minha morte tenha sentido, sentido esse de proteger e cuidar da minha mãe e poder fazer uma última coisa por ela antes de partir. Salvem ela, por favor...!“

Esther deixou esta carta, com a intenção e a esperança de alguém ler e poder ajudar sua mãe. Até hoje não se ouve falar e nunca mais Esther foi vista. As buscas permanecem depois de um ano de seu desaparecimento, até hoje nenhum dos demais responsáveis pelo seu desaparecimento foi encontrado.

David Alex Siqueira
Enviado por David Alex Siqueira em 05/06/2021
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