Brincadeira cruel

A garota premia o punho cerrado no tampo do balcão e com movimentos rápidos saía esmagando as formigas que estavam em grande quantidade em cima do mogno. Os olhos graúdos e ágeis e a língua entre os lábios denunciavam o prazer que ela sentia com a cruel distração.

Possivelmente alheia ao que aquilo podia representar?

A mãe, que estava focada nos preparativos do almoço, ao perceber o que fazia a filha, limpou as mãos no pano de prato que ia na cintura e tratou de dizer:

— Filha não faça isso, as formigas são seres vivos iguais a nós.

Deu uma batidinha na cabeça da criança e voltou as atenções para a panela de pressão. Com uma canção nos lábios, cantarolava alegremente.

A menina inclinou a cabeça para a mãe e com uma expressão que era uma mistura de ingenuidade e confusão disse docemente:

— Mas elas são tão pequeninas.

Levantou o punho cerrado analisando-o. Havia corpos de formigas mortas incrustados nele.

Depois completou: — E são tantas, qual é o problema mamãe?

A mãe virou-se novamente e com as duas mãos prostradas na cintura observou a garotinha por alguns segundos. Abaixou-se inclinando o corpo na direção da filha. E com uma boa dose de condescendência, muitas vezes comum ao trato com os menores, ela disse:

—Filha, Deus ama e cuida com igual importância de toda a sua criação. Agora, trate de ir brincar lá fora até que o almoço fique pronto.

A criança, que sorveu com bastante atenção e seriedade tudo o que a mãe lhe dissera, de repente se levantou e bradou:

—Entendi mamãe. Vou brincar lá fora com o Ben então.

A mãe deu um tapinha no bumbum da menina, que disparou rumo ao quintal.

— Tudo bem filhinha. Só não deixe ele atravessar as frestas do portão e rumar à calçada. É o quarto gato que você ganha em seis meses. Não quer que esse também seja atropelado né?

A menina, já à altura da porta de saída, se virou e com um sorriso malicioso falou: — pode deixar mamãe.

Mas a mãe estava de costas, concentrada nos preparativos da refeição e nada viu.

Leonardo Castro
Enviado por Leonardo Castro em 03/03/2021
Reeditado em 28/03/2021
Código do texto: T7197825
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