A festa

"Num sábado negativo

a lua cheia encoberta

escrevo em um único tiro

a história de uma festa"

Os três vinham pela rua que dava na praça da matriz. A lua cheia do início da noite estava encoberta por nuvens pesadas e apenas a luz escassa e amarelada dos postes esparsos os iluminava. A lua cheia do início da noite havia sido apagada por nuvens pesadas. A rua estava completamente deserta, portas e janelas cerradas, embora não fosse assim tão tarde. Andavam pela calçada, o homem mais alto e a mulher na frente, o mais baixo vinha um passo atrás. Os três estavam fantasiados. O homem e a mulher que vinham na frente estavam vestidos de esqueleto; ela usava uma saia longa preta e branca combinando com os ossos e fundo preto da blusa. Ambos tinham os rostos maquiados de branco, as bocas enormes costuradas dos lados, os olhos muito marcados. O homem mais baixo estava fantasiado de extraterrestre com uma roupa preta folgada e uma máscara cinza cobrindo a cabeça. Em torno só se ouvia o silêncio, a festa para onde iam, se havia, deveria ser em outra cidade, ou talvez tivessem errado a data. A mulher falava alguma coisa gesticulando com a mão que estava livre parecendo irritada, na outra segurava um saco de papel. O homem alto respondia com monossílabos, era o que me parecia do lugar de onde os observava. Não conseguia ouvir o que falavam, mas conseguia sentir o cheiro morno deles e da comida que a mulher trazia dentro do saco. Aos primeiros pingos da chuva, eles apertaram o passo; logo corriam em direção aos degraus da matriz; passaram por mim, mas não me viram, ou não me notaram. Quase ninguém me nota, um ou outro cachorro às vezes, especialmente os pastores alemães e os Rottweiler. Enquanto o homem de esqueleto e a mulher tentavam se proteger da chuva encostados à parede da igreja, o ET forçou o trinco da porta. Estava só encostada, havia deixado assim de propósito, nem sei porque, intuição talvez de que a sexta-feira ainda não tivesse acabado. Tomei o caminho da igreja, assim que eles entraram; segui pelas sombras, junto às paredes, força do hábito. Um vira-lata veio atrás de mim latindo, não precisei nem rosnar, só mostrei os dentes e ele deu meia volta. Na porta da igreja, me ergui sobre as patas traseiras e girei a maçaneta. A única luz acesa, fraca, vinha do altar, passei por restos de sanduiche mordidos´, uma garrafa de vinho aberta e a máscara de ET pousados sobre os assentos da última fila de bancos no fundo da igreja. Os três estavam ao redor do corpo estraçalhado do zelador, na nave esquerda, em frente à imagem de São Gotardo. Esperei por alguns instantes até que eles percebessem a minha presença e então fiz o que minha natureza naquela noite de lua cheia determinava.

Melisas Ribeiro
Enviado por Melisas Ribeiro em 27/02/2021
Reeditado em 16/03/2021
Código do texto: T7194479
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