O parquinho

Guilherme e Gabriel são irmãos inseparáveis. Com apenas um ano de diferença entre eles, o primeiro com 9 e o segundo com 8, não há dificuldades para se enveredar qualquer tipo de estripulia em dupla. Correm por todo lado, cambalhotas e mortais fazem parte do repertório, com direito a escaladas diárias na mangueira do seu Raimundo e não podemos esquecer da petequinha e do futebol de rua sempre que possível.

Mas o que os irmãos amam de paixão é brincar no parquinho da escola que fica a quatro quadras de distância. Apesar de pequeno e básico, ele possui um exemplar de cada brinquedo clássico. um escorregador, um carrossel no centro do parque, uma fileira de sete cadeiras de embalar, uma gangorra em nível e uma escalada entrelaçada.

Era um sábado em finalzinho de tarde:

—Vamos Gabriel, deixa de ser mole. Corre!! esbravejou Guilherme já saindo na porta da frente.

Num momento de desatenção de Guilherme, seu irmão passou em disparada, esbarrou no ombro dele e gritou: —Quem chegar por último é a mulher do padre. Seu trouxa. Haha

E os dois foram correndo em direção ao parquinho da escola.

Os meninos ora corriam ora andavam para recuperar o fôlego. As nuvens estavam com aquele tom amarelo e vermelho bem bonito. Na rua, uma senhora passeava com seu cachorrinho, seu Raimundo, o vizinho, dava sua corridinha sagrada e alguns outros conterrâneos estavam sentados em frente de suas casas, com cafezinho na mão e muita conversada fiada nos lábios.

A escola:

Sempre haviam crianças e pais na dependência do lugar, se divertindo no parquinho ou batendo perna a esmo. Se era permitido ou não? Ao menos nunca ouve articulação contrária por parte da instituição.

O parquinho ficava nos fundos da escola. Era só serpentear pelo lado para chegar ao destino. Os limites do parque eram demarcados pela mata semifechada que havia logo atrás.

Ao chegarem no parque notaram que não havia ninguém no local naquele dia. Apenas grilos cantavam anunciando a iminente chegada da noite.

—Credo Guilherme, hoje não tem ninguém, estou com medo. Vamos embora? Disse Gabriel enquanto varria com os olhos todos os cantos.

Com um resmungo Guilherme deu de ombros:

—Vamos brincar um pouquinho antes do cair da noite. Eu trouxe minha lanterninha, não seja cagão. Retrucou.

Os dois entreolharam-se por alguns segundos e caíram na gargalhada.

—Tá bem. Quero ir primeiro na gangorra. Murmurou Gabriel.

Brincaram na gangorra por alguns minutos. E Guilherme deixou o irmão suspenso no ar só para irritá-lo.

— Seu idiota, quando chegar em casa vou te dedurar. Me deixa descer. Berrou Gabriel.

— Medroso, hahaha. Vamos para o balanço agora. (Guilherme)

No outro brinquedo Gabriel se vingou do irmão. O empurrou com tanta força que ele foi ejetado da cadeira de balanço e caiu de cara no chão.

—Come areia seu maricas. Gritou Gabriel já correndo em zigue-zague para não ser pego pelo irmão.

Ao correr em direção ao escorrega, na porção final do parque e próximo do início da mata, sentiu um odor forte de algo morto. De imediato parou de correr e esperou o irmão se aproximar:

—Mano, está sentindo essa cantiga? Questionou Gabriel curioso.

— Nooossa, que podre. Vai ali no matinho, não precisa segurar isso não. Disse Guilherme segurando a barriga e se espocando de rir.

—É sério. É um cheiro de podre muito forte. Acho que tem algum bicho morto dentro do mato. Tem coragem de ir lá para ver o que é? O rosto de Gabriel: Uma mascara de excitação e curiosidade.

Guilherme arregalou os olhos e fitou o irmão com um semblante de medo. Como se dissesse: Está louco?

O irmão catou a deixa. — Olha só. Quem é o frouxo agora? Kkkkkkk Retrucou Gabriel.

O irmão mais velho deu um peteleco no outro e o puxou pelo braço.

—Vamos, mas não quero que você fique tendo pesadelos e nem mije na cama caso tenha algo lá muito nojento porque durmo do seu lado seu babacão.

A noite já demonstrava seus primeiros indícios. Os grilos cantavam agora com mais fervor. No parque, uma haste de ferro com uma lâmpada no topo já se encontrava ligada. Mais a intensidade da luz era muita fraca.

*****

Na mata:

As muitas arvores, encobrindo o acesso da luz do dia, já davam um aspecto de noite completa a mata. As folhas encontravam-se imóveis, não havia um só ventinho para as fazer farfalhar. Era como se toda a floresta temesse por algo mais ameaçador do que ela mesma.

Os irmãos, de mãos dadas, seguiram caminho guiados pelo olfato.

Perceberam que apesar de semifechada havia um caminho estreito e bem discreto (Folhas pisadas) na entrada da mata. Como se levasse há algum lugar. — Vamos por aqui mano. Balbuciou Gabriel quase sussurrando.

—Por que está falando assim panaca? Estamos sozinhos aqui. (Guilherme) Ambos olharam em todas as direções. Sem sons que indicassem movimentação, apenas mais grilos e grilos. Num grande coral.

Seguiram pelo pequeno caminho. Conforme andavam a podridão aumentava. Andaram por alguns segundos. — Tá queimando meu nariz. Disse um deles.

— Mano, está fedendo demais mais não vejo nada. E se for um espírito ou algo do tipo? Vamos embora. Falou Gabriel fazendo menção de girar na direção oposta.

—Você me desafiou, agora vamos até o fim. Deve ser um veado ou um porco apodrecendo. Sei lá. Deixa de ser mole. Te protejo. Disse Guilherme enquanto ligava sua lanterninha.

Andaram mais alguns metros, mata adentro, pelo caminho. Naquela altura quase já não dava para respirar, era como se tripas, sangue, pus e fezes tivessem sido batidos em liquidificador e despejados pelas narinas dos garotos. O pequeno e misterioso caminho cessava rente a uma abertura no chão.

Olharam para trás e notaram que a entrada da floresta repousava longe. Se algo desse errado, teriam que correr uma distância razoável.

—Nossa Gabriel, a cantiga está vindo daqui mesmo. Desse buraco. Está podre. Disse Guilherme.

Os irmãos ajoelharam-se em frete ao buraco, e mesmo nauseados, tentaram fitar seu interior com a luz da lanterna. Nesse instante, o chão que circundava a brecha cedeu e os irmãos foram engolidos pela fenda.

*****

— To me sentido melado. Liga a lanterna Guilherme. Pelo amor de Deus. Caímos em algo muito melado e podre. Suplicou Gabriel. Que a essa altura estava nervoso e descontrolado. Berrando e ofegando.

—Calma porra, to procurando. Disse Guilherme.

Os irmãos provocaram e provocaram. Não dava para suportar a catinga.

—Achei a lanterna. Disse o mais velho.

Ao adicionarem luz ao local foram tomados por um desespero abissal. Eles haviam caído em uma espécie de tumba. E estava cheia de carcaças humanas. Penduradas pelos tornozelos, de cabeça para baixo, de forma improvisada no teto da tumba. Assim como porcos e bois dentro de um frigorífico. As carcaças estavam abertas da clavícula até os genitais. Sem órgãos.

—Caralho, caralho, mano não quero morrer. Aqui tá cheio de gente morta porra. Gabriel começou a chorar desesperadamente. Mostrando sinais de que iria desmaiar.

—Calma porra, ei, ei, acorda. Não desmaia. Vamos conseguir sair daqui. E foi você que teve a ideia de investigar o cheiro podre. Seu abestalhado. Disse Guilherme dando batidinhas na cara do irmão, que estava a desfalecer no chão batido da tumba, que estava cheia de miolos e pedacinhos de carne.

—Fica quieto porra, e se a pessoa que fez isso estiver por aqui? Gritou Guilherme, que não conseguia esconder que também estava desesperado.

—Olha! Falou Guilherme apontando a lanterna para o local da queda.

—Onde caímos se formou um monte de terra, vamos subir e sair daqui. Me ajuda merda.

Guilherme mandou o irmão subir e tentar se agarrar a beirada que se formou no desmoronamento de terra. Gabriel, ainda fora de si, subiu no ombro do irmão e conseguiu sair da tumba.

—Me puxa agora caralho, rápido. Disse Guilherme.

Gabriel, que eram bem mais fraco que o irmão, sorveu energias do seu âmago e conseguiu tira-lo daquele lugar terrível. Com a noite “a todo vapor” e a lanterninha ligada, os irmãos correram muito.

—Vamos, rápido, rápido.

Quando conseguiram sair da floresta notaram que a luz de uma das janelas traseiras da escola, que tinha vista para o parque, estava acessa.

O parque estava pobremente iluminado e ainda vazio. Naquela altura, já deveria ser uma 19h30.

—Vamos para dentro do colégio, deve ter alguém lá. Olha a luz ligada. Disse Guilherme enquanto corriam.

Os meninos, a mil por hora, quase derrubaram a porta de acesso traseiro da instituição, que estava aberta. Dentro do recinto a diretora estava sentada em um balcão conferindo o que parecia ser currículos escolares. A senhora, já com seus 65 anos, deu um pulo da cadeira e arremessou para o alto a papelada.

—Meu Deus meninos, quase me mataram. Por que estão sujos? Isso é sangue? Estão machucados? Caíram dos brinquedos? Falou Elizabeth, assustada e com mão contra o peito.

Os meninos choravam copiosamente. Era um misto de terror e alívio. Por terem encontrado alguém conhecido.

—Falem garotos, estou aflita. Murmurou a diretora, que já estava tremendo.

Em meio a soluços e muito choro, o mais velho proferiu:

—Estávamos brincando no parque. E sentimos um cheiro de podre. Achamos que seria uma aventura investigar. Caímos em um buraco e lá tá cheio de gente morta.

—Calma meu jovem, do que estão falando?

—Tem um buraco na mata, e tem gente morta pendurada lá. Disse Guilherme. O irmão mais novo chorava de olhos fechados e agarrado a traseira do outro.

A senhora, perplexa, sentou-se na cadeira para tomar um ar. Tentando absorver toda aquela história. Levantou-se novamente e foi até a janela dá uma olhadela lá fora. Estava nervosa.

—Fiquem calmos, irei ligar para a polícia e para os seus pais. Espero que isso não seja uma brincadeira. Alguém sabe que vocês estão aqui? (Diretora)

—Não, não. Mamãe pensa que estamos na mangueira do nosso vizinho. Ela não queria a gente brincando longe de casa hoje.

*****

Data da matéria: dezessete de fevereiro de 1991

Jornal local: Guilherme castro de Menezes, 10 anos, e seu irmão, Gabriel castro de Menezes, 09 anos, estão desaparecidos desde o último sábado dia oito de fevereiro de 1991. Moradores da comunidade alegaram terem vistos os garotos correndo pela rua no dia do desaparecimento. Mais não souberam precisar o destino das crianças.

A mãe, Jacira Castro, está desolada, disse que os filhos são muito sapecas. E que brincam muito na rua e no parque da escola. A última vez que viu os meninos foi sábado de manhã, antes de ir trabalhar.

A polícia civil iniciou as buscas, pelo bairro e pela mata. Mas até o momento as crianças não foram encontradas. Só este ano, esse é o quinto desaparecimento de pessoas na região. As câmeras do colégio Antônio Vidal, que poderiam ajudar nas investigações, estão queimadas a um mês. Conforme foi informado pela Diretora da Instituição Elizabeth Mendonça Lira. Ela lamenta o ocorrido e informa que toda a comunidade está em oração para que as crianças sejam encontradas e que estejam bem.

Leonardo Castro
Enviado por Leonardo Castro em 09/02/2020
Reeditado em 02/01/2021
Código do texto: T6862266
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