AV. MANOEL DIAS DA SILVA

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Acordo algemado na Av. Manoel Dias da Silva. Dois braços pra cima presos num poste cuja luz se apagou. Pela meia-luz acredito que faltam uns 15 min pras 5 da manhã e começo a gritar. Vejo uma mulher com um guarda-chuva passando do outro lado da rua, ela me olha e acena sorrindo.

Permaneço gritando com força por vários minutos, até ter uma crise de tosse. Estou perdendo a voz, então é melhor parar. Se trata de um mal entendido, com certeza! Em menos de cinco minutos a avenida ficará lotada de carros, ônibus e pessoas aguardando os coletivos nos pontos. Irão me socorrer... Pois é uma cena esdruxula… No mínimo alguém filmará e chamará a polícia, os jornais… Alguém.

Todos passam e me ignoram. Na verdade, pior ainda... Passam por mim SORRINDO, como se eu fosse um velho sentado num banco, alimentando pombos. Eu não consigo mais gritar, apenas choro... Sinto sangue em minha garganta, tenho medo de engasgar. Adormeço de cansaço...

Acordo com um bafo quente nervoso, descompassado em meu rosto. Quando abro os olhos há um cão Pitbull com boca enorme, praticamente encostada em minha face. Eu viro meu rosto de lado e ele passa e rosnar e me cheirar... Eu estico pescoço e tiro forças – Deus sabe lá de onde – para gritar por socorro. Uma multidão passa por mim. As vezes até desviando os pés das minhas pernas pra não tropeçar. No ponto de ônibus em minha frente eu consigo rapidamente contar em minha cabeça mais de quinze pessoas, e todos eles têm a mesma reação quando me veem. Sorriem… E acenam em seguida. O cachorro se enerva com meus berros e me ataca furiosamente...

É um ataque preciso, de cachorro treinado. Diretamente em minha jugular. A dor é muito intensa, porém não dura muito tempo, meu sangue se esvai... me sinto dormente. Meus olhos percebem que meu corpo está sendo chacoalhado e estraçalhado pelo cão em praça pública… e antes de minha vista escurecer por completo; a multidão dá um sonoro “Viva!!”, e depois aplaude a minha morte com toda recepção e alegria que tiveram comigo desde o início daquela linda manhã.

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(Pertencente a série: "[quase] 365 MANEIRAS

DE MORRER")