Vozes - O assassino do telefone - Parte II

Os dias foram passando e aquela voz não saia da minha cabeça. As mesmas frases ecoando na minha mente estava me deixando louco. Aquela coisa não apareceu mais ao meu lado, no entanto, eu ainda o ouvia correndo no corredor. Talvez tudo aquilo tenha sido um novo surto e provavelmente a minha mente deve estar confundindo realidade com ilusão. Eu desde que entrei nesta empresa trabalho sob pressão, não física, mas mental. Trabalhar com telemarketing não é algo fácil, não recomendo para ninguém.

Três dias após o meu despertar triunfal conheci o psiquiatra. Era por volta das 3 da tarde. Um cara de estatura média, um pouco magro, com um sorriso deveras convidativo e um olhar era afiado. Naquele dia eu apenas conversei com ele durante alguns minutos, porém, foi o suficiente para ele perceber o quanto eu estava estressado. Ele via as minhas falhas e eu me sentia engolido por sua observação. Me senti vulnerável. Após nossa conversa ele foi conversar com o médico responsável por mim naquele hospital e marcou a minha primeira consulta. Fiquei mais três dias fazendo uma bateria de exames e me deram alta com um atestado me mantendo mais alguns dias em casa.

Duas semanas após a minha alta e tomando doses fortes de antidepressivos eu voltei a trabalhar.

__ Estava tão bom ficar em casa__ retruquei suspirando profundamente enquanto entrava na empresa.

Foi de fato intrigante o tanto de pessoas que vieram conversar comigo. Pessoas que eu conheci no treinamento e até mesmo algumas que eu não tinha muita amizade. Todos preocupados com a minha saúde. Bom pelo menos conseguimos fazer boas amizades aqui. Talvez seja por que está todo mundo na mesma merda. Após a essa calorosa recepção eu procurei um computador que estivesse disponível, coloquei a minha garrafa d’água em cima da PA (é o local aonde atendemos, no caso me refiro à mesa do computador) arrumei a espuminha que fica no headset e o caninho para que o cliente me ouça melhor. Faço login no computador e abro os programas. Só de início ficam aberto 7 programas (incluindo o sistema principal para receber as ligações). Entretanto, chego a usar mais de 12 programas. Cada tipo de programa tem uma função e na maioria das vezes utilizo todos de uma vez, argumento e faço toda a fraseologia, isso tudo tentando ficar dentro do tempo de até 7 minutos.

__Vamos lá, você consegue! __ Falei em voz baixa enquanto tentava tomar coragem para apertar a opção disponível. Até que sem opção eu cliquei e em seguida já caiu uma ligação.

__Olá boa tarde, eu sou o representante Thiago, com quem eu falo?

__Thamires __respondeu com uma voz alterada.

__Boa tarde Thamires em que posso ajuda-la? __pergunto já sabendo que será um atendimento complicado e arrependido por ter colocado disponível. Ouço enfim a cliente gritar em meu ouvido o quanto ela está insatisfeita com o serviço.

__A minha internet não está funcionando! essa merda está dando problemas o tempo todo, vocês acham que eu estou de brincadeira? Eu pago a minha conta de forma correta e nunca tenho o serviço funcionando, essa merda de empresa está de gozação com a minha cara!

__Senhora eu peço desculpas em nome da empresa, eu farei o máximo possível para resolver o seu problema...

Minha cabeça latejava enquanto ela gritava comigo, eu sei que ela tinha razão. O serviço não está funcionando direito, só que, a culpa não é do atendente. Você sabe quantos atendente tem em cada central? Você ser obrigado a passar certos tipos de informações na qual você não quer e ouvir ameaças dói demais, no entanto, é mais comum do que se imagina.

__Duvido! __ exclamou em tom de deboche __ Nenhum dos atendentes conseguiram, já veio até mesmo técnico aqui e nada foi resolvido. Se você não der jeito no meu problema eu cancelo. Tá me ouvindo? EU CANCELO ESTÁ MERDA! ah se eu pudesse eu ia acabar com a raça de vocês, seus ladrões de merda.

__Senhora, eu compreendo a sua insatisfação, mas por favor mantenha o contesto da ligação, senão serei obrigado a encerrar a ligação__ Falo enquanto tento tomar o meu remédio, pois já estava com as mãos tremendo.

__Desligar na minha cara? Como se você fosse homem pra isso! Vai lá desliga pra você ver se eu não te processo. Seu merdinha vagabundo. Eu que pago o teu salário, então tem que fazer o que eu mando. Você vai resolver o meu problema, senão...

__Senão o que? __ A indago cortando sua fala sem perceber.

__O que? __perguntou ela com um tom confuso.

__Senão o que senhora? O que a senhora irá fazer? __retruquei novamente, deixando a raiva me consumir.

__Você deve se sentir grande coisa, me respondendo assim, porque você não vai se fu...

Eu já não a ouvia mais, a ligação começou a ficar com estática e eu não conseguia organizar os meus pensamentos. Aos poucos uma voz distorcida apareceu na ligação dizendo:

__Mate ela! Pessoas assim não merecem viver...

A cliente gritava comigo, mas eu só ouvia a estática e a voz que repetia a mesma frase. Ficava cada vez mais forte a ponto de me fazer ficar zonzo e como se eu entrasse em um transe respondi a ela:

__Senhora, porque você não morre?

__O... que? Você ficou louco? Que tipo de classe de atendente você é.

__Você se acha tanto assim para ter direito à vida? Pessoas como você deveria morrer.

Ecoava então novamente aquela voz distorcida e dessa vez a cliente pode ouvir também. Só que dessa vez ficava dizendo repetidamente “morra”.

A cliente desligou o telefone, entretanto, como o sistema tem retorno automático ele ficou ligando o tempo todo para ela. Eu apenas fiquei olhando para a tela com uma sensação vazia, meus lábios tremiam e eu não sentia que era eu, tinha algo de errado. Eu não sou assim, sou?

A cliente atendeu novamente, dessa com uma voz perturbada.

__Para de me ligar, eu vou processar essa empresa e você junto, seu monstro, quem deveria morrer é você, pessoas como você não deveriam existir...

Ela então simplesmente parou de falar e por algum motivo começou a respirar apressadamente. Podia se ouvir choro ao fundo. Depois de quase um minuto assim ela simplesmente gritou e eu despertei do meu transe. Ouvia seus pedidos de socorro, de terror. Então comecei a gritar no telefone a chamando.

__Senhora? Thamires, está tudo bem? Me responda.

Então tudo ficou em silêncio, ao fundo eu ouvia sons de passos pesados e apressados e por fim uma voz me respondeu antes da ligação cair com um.

__Menos um agora...

Eu fiquei desesperado, tentei ligar para a cliente várias vezes, mas o telefone dava fora de área, então solicitei para a supervisão chamar a polícia. De início eles não entenderam, me olharam com uma cara de “o que esse cara tá arrumando?” Eu insisti novamente e ele finalmente chamaram. Como eu tinha o endereço da cliente no cadastro conseguimos passar todos os dados e uma viatura foi enviada para a casa dela.

__Meu deus... Já na minha primeira ligação acontece isso?

Conversei com a supervisora que tentou insistir que eu ficasse, mas como? Eu não tinha condições de continuar... Eu entrei na ligação com medo e agora eu estava apavorado.

Fui para casa e me deitei. Não sei por quanto tempo eu dormi, porém, não foi o suficiente para tirar aquela sensação ruim. Nem mesmo os remédios ajudaram.

Algumas horas depois do ocorrido soube que passou no noticiário que uma mulher de 43 anos conhecida por Thamires Sanches Vieira foi encontrada morta em sua casa. ela tinha vários arranhões pelo rosto e corpo. As piores aparentemente estavam nas costas e o fio do telefone estava enrolado em seu pescoço. No dia seguinte fui chamado a delegacia para depor o acontecido. Soube que eles solicitaram um mandato e ouviram a ligação. Me colocaram em uma sala e começaram a me perguntar:

__ Olá Thiago, meu nome e Renan e essa é minha parceira Aline, nós pedimos total cooperação com esse caso da senhora Thamires. Como você foi o último a falar com ela precisamos do seu depoimento! você pode me contar com detalhes o que aconteceu?

__Sim, pelo menos o que eu me lembro.

Esse policial tinha uma cara séria, provavelmente já tinha mais de 50 anos. De pele negra e com um corpo robusto demais para sua idade. Parecia que já passou por tantos casos, que eu não me assustaria se ele me visse como culpado. E eu acho que eu sou, mas ao mesmo tempo eu pensava em como isso era possível? Eu estava tão longe dela, então como seria a minha culpa?

Comecei então a contar o que se passou na ligação até antes da estática e aí eu travei. Lembrei-me daquela voz falando comigo enquanto a cliente terminava de me ameaçar. Conversei com os policiais durante horas e em certa hora do interrogatório o policial jogou a informação do que aconteceu na ligação. Provavelmente uma isca para ver se eu caia.

__ O início foi “normal”. No decorrer da ligação a cliente começa a te ofender e depois de um tempo só ouvimos a voz dela, você não respondia mais, no entanto foi intrigante o que ela fala antes de desligar. Você lembra disso, não lembra?

Eu abaixei a cabeça e concordei.

__O que você falou para ela, para que ela ficasse tão surpresa e respondesse daquele jeito?

Fiquei intrigado com o que o policial perguntou... Seria realmente uma isca, ou eles não têm a informação?

__Não ouviram o que eu falei na gravação? Perguntei hesitante.

__A ultima coisa que você falou na ligação, pelo menos de forma audível foi quanto você a indagou sobre o que ela iria fazer caso você desligasse o telefone. Não se preocupe, não acredito que você é o culpado, pelo menos não agora, mas é irrefutável o acontecido na ligação. Há muitas pontas soltas nesta história, principalmente depois quando você retorna à ligação. O que ela diz é deveras interessante...

__Desculpe__ falei com a cabeça ainda baixa __ eu acabei de voltar e já estou estressado. Por mais que eu esteja tomando remédios eu acabei perdendo a paciência.

__Olha garoto, sinceramente até eu ficaria irritado com aquela mulher, mas tome cuidado com o que fala.

Levantei novamente a cabeça, ainda com receio. O policial me olhava e tentava achar alguma brecha no meu comportamento, que apesar de esquisito foi considerado como normal para alguém que está passando por essa situação.

No fim acabei não contando o que aconteceu de fato. Eu queria contar, mas algo me segurava e todas as vezes que eu queria falar eu sentia um nó na garganta. Após mais algumas horas eu fui dispensado e fui para casa. Fiquei de atestado médico por mais três dias, todavia, sabia que teria que voltar a trabalhar. Se eu soubesse o que aconteceria a seguir nunca teria voltado, pois a senhora Thamires não foi a única...

Continua...

Layla Vimorat
Enviado por Layla Vimorat em 30/10/2019
Reeditado em 21/06/2020
Código do texto: T6782690
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