TERROR E MORTES NO RECANTO DAS LETRAS!!!!!!

Assinava W.T. Rioland desde 1976, ano de seu primeiro poema impresso na Gazeta de Pindamonhangaba, São Paulo. Nome verdadeiro era Wilsonaldo Tabares Riolando Moura. Achava o nome feioso. W.T. Rioland soava melhor, parecia autor estrangeiro!!! Para os pais era o Wilsinho. Para os amigos era o Naldo. Pra esposa, Catarina, era o Naldinho. Escrevia poesias e contos sobre a natureza. O velho professor de Língua Portuguesa e Literatura era um sonhador. Coisas bonitas e rimas pobres mas para ele era uma coisa do outro mundo. Editou um livro com as vinte melhores poesias. Foi duro selecionar vinte. Foi duro vender os livros na pracinha da matriz. O próprio autor armava sua banca na pracinha, perto do coreto. Domingo depois da missa das oito horas. Da tiragem de quinhentos exemplares vendera quarenta. -"Povo matuto do interior pouco dá valor a poesia e as coisas belas da vida!!! Esses jornais pingando sangue com reportagens de assassinatos vendem milhares!!!" Repetia aos amigos do bar do Gordo, entre uma gelada e uma sinuca, só som de João Mineiro Marciano. Vieram os dois filhos e a compra do apartamento na capital. Cidade grande. Vida nova. Os filhos cresceram. O professor passou a usar óculos. Duro foi largar a velha máquina de escrever Olivetti e usar o computador. O professor virou aluno de computação. A diabetes chegou junto da aposentadoria. Vieram os netos. Adorava contar histórias para os pequenos Raul e Kauê. -" Vozinho, meu amigo escreve contos no Recanto das Letras. Sua cara!!! Que tal publicar suas histórias???" Disse o neto, Raul, de doze anos. O professor nem deu bola. Dias depois, navegando na madrugada, decidiu ver do que se tratava o Recanto. Página aberta. Ajeitou os óculos. Um suspiro. -" Caracoles...que massa!! Quantos contos!!!" Leu uns vinte contos e uma dezena de poesias. Adorou os cordéis. Estava encantado!!! Contou a novidade a esposa e aos filhos. Todos o incentivaram a publicar suas poesias e contos. Uma semana. Enfim fez o cadastro. Sentiu orgulho. Caprichou no perfil. Escolheu uma bela foto. -" O Brasil vai me conhecer!!!" Primeiro conto publicado. Uma trilogia sobre um romance, envolvendo três amigas: Vitória, Vanessa e Viviane. Publicou cinco poesias. -" Vamos ver as leituras!!!" Ficou chocado. -"Apenas seis leituras!!! Caos. Muito pouco pra um artista das canetas!!" Resolveu dar nomes sofisticados às poesias e contos. -" O reino encantado de dona Carmem, a formiguinha, nos campos de arroz na China de Mao!! Muito bom. Sou demais. Todo escritor se acha um gênio e realmente o somos!!!" Leu o conto pra esposa, mais interessada em não deixar o bolo de aipim queimar no forno! O conto teve quatro leituras. O professor desanimou. -" Fim!!!! Desisto de escrever coisas belas!! Meu pai amado!" Tinha sobre o guarda roupas uma caixa com sulfites amareladas, cheinha de poesias originais. -" Melhor deixar a caixa no seu lugar!!!" Ponderou. Nem os filhos leram seus contos. Tinha publicado vinte contos e trinta poesias. Apenas dois comentários em seu novo conto. -" Cecília Davila disse que é bom. Só isso!??!!! Ao menos comentou. João Batista Stabile disse que o conto inova!! Tudo bem, João." Desligou o computador. Era meia noite. A casa silenciosa. Abriu a geladeira e bebeu água gelada. A esposa roncava. -" Jamais escreverei sobre terror. A vida assusta por si mesma. A realidade fala por si!!!" O sono demorava a vir. -" Contos de terror recebem duzentas, trezentas leituras!!!" Rezou o terço e adormeceu. Sonhou com lobisomem e fantasma. No dia seguinte, o neto pediu pra assistir um filme de zumbis com ele. Era a moda nas escolas. O garoto o clivava de perguntas sobre zumbis e mortos vivos, lobisomens e fantasmas. Os olhos do menino brilhavam. O professor lembrou-se das lendas que seus pais contavam, a beira do fogão a lenha. Ele, quando menino, morria de medo de saci e mula sem cabeça, velho do saco e fantasmas. Dois dias se passaram. Meia noite. Ele sentou-se a frente da tela e do teclado do computador. O conto foi ganhando forma. Seu primeiro conto de terror. Caprichou nas tintas e sustos. O título apenas já metia medo. Um longo conto. FIM. Ele ficou admirado com o tamanho do conto. Leu de novo a fim de achar erros. Editou e viu, espantado, que já tinha sete leituras. -" Oxente!! Mal publiquei e sete curiosos leram!!! Meu pai... que rapidez!!!" Quatro comentários em um minuto. Convites e elogios. -" Até o João Anatalino comentou!!!! Esse é fera." Abriu um sorriso. Dormiu feliz. Novo dia e caminhada no parque. Os filhos em visita. -" Belo conto pai. Adorei!! Eu li, dessa vez!" O professor estava feliz. Uma olhada no celular. Cento e vinte leituras e sexto lugar entre os mais lidos da semana. Divulgou o conto no Face e WhatsApp. Ganhou aplausos no grupo da família. Terceiro dia e o primeiro lugar veio com quase trezentas leituras. -" Vou tirar foto da tela. Isso é demais da conta!!!" Escreveu um último conto, onde matava as protagonistas de sua antiga trilogia: Viviane, Vanessa e Vitória, num acidente de carro. A partir desse dia, W.T. Rioland matou a poesia e se dedicou exclusivamente aos contos de terror. F I M.... agora é fim mesmo!!!!

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 24/10/2019
Reeditado em 25/10/2019
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