O sobrado

Cidade pequena; poucos acontecimentos consideráveis... Um deles, sem dúvida, marcou-me enormemente. Até então não vira algo tão fantasticamente assustador. Eu morava em frente a um sobrado antigo; na verdade, ali havia sido uma sobreposta muito elegante, mas já não tinha o mesmo brilho, trazendo uma aparência morta. Embaixo, apenas paredes pintadas de preto e (o mais estranho) uma escada caracol também pintada de preto que dava para a porta e que levava a algum lugar desconhecido. Meus pais, muito curiosos, tiveram a ideia de visitar o local, ainda que sua fama fosse ruim. Dizia-se tratar de um lugar mal assombrado. Ainda assim, eles quiseram investigar melhor sobre o local, como se fossem caça-fantasmas. Pediram-me que ficasse lá embaixo, caso algo acontecesse. E aconteceu mesmo. Cinco minutos depois, eu ouço gritos de pavor e ao tentar subir para salvá-los, a porta se fecha. O desespero foi inevitável e o choro também. E aos poucos várias pessoas foram se aproximando com olhares de piedade por já saberem do que se tratava. Explicaram-me que jamais os veria de novo, pois quem ali subia, não retornava; o que aumentou a minha tristeza. Dias depois, sem me conformar com a situação, vi que a porta estava aberta e antes que pudesse pensar em subir, vi um vizinho que abraçara a ideia antes de mim partindo para o mesmo abismo de obscuridade. Gritei da minha janela para que não fizesse aquilo. Ele me olhou com aparência deprimida, subiu as escadas e, obviamente, não retornou. O mistério continuava, à medida que minhas dúvidas cresciam. Queria respostas; queria meus pais de volta; em vão. Até que outro vizinho bateu-me à porta. Ele me propôs algo inesperado. Disse que descobriria o tal mistério e que posteriormente me contaria. Eu lembrei a ele que quem fosse para aquele plano, não mais voltaria e ele surpreendeu-me com sua resposta: “_Já não tenho porque ficar, entende? Meus dias andam monótonos e sinto que minha missão aqui já está praticamente cumprida; na verdade, essa é a última parte dela. Farei isso por você.” Sem saber o que dizer, eu o abracei e pedi que tomasse cuidado. Ele riu um sorriso triste e partiu com seus amigos para aquela “aventura”. Fui com eles até a porta do tal sobrado, como quem se despede das visitas e ao vê-los subir aquelas escadas, meu coração batia acelerado. Dois minutos depois, eu só ouvia barulhos de coisas sendo quebradas e dali a pouco uma mão surge e joga com toda força uma espécie de amuleto. Ao tocar o chão, o objeto se despedaça e algo de dentro dele aparece diante de mim. Não tinha forma; apenas cor (roxo) e um cheiro insuportável. Aquela força tentou me pegar, mas eu desviei e saí correndo. Eu corria, corria.... E aquilo crescendo atrás de mim, tentando me levar consigo. A sensação era indescritivelmente apavorante. Felizmente, chegando ao final da cidade, notei que aquela força foi diminuindo até desaparecer. Alívio. Um ano depois, já noutra cidade, enquanto esperava para ser atendida num salão de beleza, notei que havia alguns panfletos sobre outros salões. E qual foi o meu choque ao descobrir o endereço de um deles: o sobrado. Arrepiada, fiz o sinal da cruz e larguei o papel ali mesmo.

Tom Cafeh
Enviado por Tom Cafeh em 30/11/2018
Reeditado em 24/01/2020
Código do texto: T6515746
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