SINISTRO DEMAIS
 

Joana continuou deitada, enquanto observava Teresa perambular pelo corredor de olhos fechados. — Teresa... — Sussurrou bocejando.
Havia um cheiro estranho, algo azedo e forte... que logo Joana identificou como querosene. — Teresa... — Chamou novamente erguendo o cobertor.
— Precisamos deixar que os mistérios continuem em segredo... — Falou Teresa, apontando para o final do corredor.
— O que? — Perguntou Joana assustada.
Teresa avançou, seguindo pelo corredor. Uma brisa gelada pairava pela janela aberta, resfriando todo o quarto. Joana tremelicou quando tocou o pé no acoalho frio. Ela franziu a testa ainda sonolenta e aos poucos foi se debruçando pelo edredom até conseguir levantar completamente da cama.
— Teresa, o que aconteceu. Que cheiro é esse.
— Tem muitos homens aqui dentro irmãzinha. Eles querem vestir vermelho, querem que vista vermelho com eles enquanto dançam. — Respondeu Teresa fora do seu campo de visão, com uma voz rouca e um pouco diferente.
— Pai... — Gritou paralisada.
— Mãe...
Mas ninguém a respondeu. Joana caminhou até porta do quarto... cada passo com um pouco de relutância. As vezes Joana deixava a luz do quarto acesa, mas não o fez aquela noite, teve coragem suficiente para enfrentar um de seus medos. Ainda assim não desligou o abajur até que estivesse segura.
Enquanto se aproximava da porta, notou uma sombra próxima da janela, uma silhueta contorcendo-se aos movimentos da cortina. Ela ascendeu a luz, apertando o interruptor com veemência. — Você não a matou. — Ouviu um gemido ressoando por todo o quarto como um sino de igreja.
Ao virar deparou-se com o rosto de Teresa, imobilizado a centímetros do seu.
— Querem que coloque fogo em você. — Ouviu a voz de Teresa, mas sua boca não se moveu.
— Teresa. — Respondeu segurando seu ombro molhado.
— Eles encheram meu ventre de cinzas e me pediram para colocar fogo de novo.
A voz de Teresa chacoalhava dentro de sua cabeça, enquanto a entreolhava.
— Joana acorda. Está tendo um pesadelo.
Teresa acelerou a respiração, e então começou a gritar, usando o máximo de suas cordas vocais, ela gritava num tom alto e infernal, como se estivesse sendo torturada. Joana segurou o rosto de sua irmã com força, até que Teresa convulsionou. Atrás delas, havia um espelho redondo pendurado no corredor. Joana fitou seu reflexo em pânico, enquanto tentava segurar sua irmã. — Para Teresa, para por favor.
Um sorriso formou-se no espelho, um sorriso largo e enfadonho, como aqueles do comercial de pasta de dente Colgate, contudo algo estava errado, ela não estava sorrindo, ainda assim, seu reflexo mostrava uma expressão diferente...
— Só precisa enfia-la na garganta, e depois puxar para fora... — Leu seus lábios no reflexo.
Joana caiu no chão assustada, e pode sentir perfeitamente uma mão fria e áspera roçando seu pescoço. — Não, não, não, não, não... — Gritou fechando os olhos.
Enquanto gritava descontrolada para que tudo parasse, abriu os olhos de relance e Teresa havia desaparecido.
— Um sonho. — Perguntou-se muda.
Ela respirou profundamente quase chorando e se levantou. Joana abriu a porta do quarto até que sentiu um cheiro forte de queimado.
— Irmãzinha, eles colocaram fogo em mim, eles colocaram fogo em mim, eles ficaram olhando enquanto colocavam fogo em mim. — Ouviu a voz de Teresa do fim do corredor.
Teresa estava de costas, com o corpo completamente carbonizado e desnudo no final do corredor.
— Ter... ­— Não conseguiu completar, levando a mão a boca.
Antes que sua voz conseguisse escapar pela garganta, Teresa desapareceu novamente.
— Droga Joana, esta acordada de novo.
— Desculpa pai, eu...
— Eu? — Perguntou Alex aborrecido.
— Vou voltar para quarto.
— Precisa acordar cedo, se não dormir vai ficar com sono já disse isso um milhão de vezes.
Ela sabia o que tinha visto, mas faziam tantos anos que Teresa havia se suicidado sonambula.
— Pai, posso deixar a luz acesa.
Alex engasgou um não e fez que sim com a cabeça. Ele queria dizer não, mas sabia que mesmo se o fizesse ela ligaria a luz uma hora ou outra, ou até mesmo acabaria saindo do quarto.
— Se lembra dela ainda papai.
— Não quero falar sobre sua irmã, querida, vá dormir agora por favor.
— Porque ela se matou?
Alex desviou o olhar aflito.
— Filha, por favor só durma.
Joana voltou a cama lentamente. Quando Alex saiu, alguma coisa deitou-se ao seu lado. Ela não quis olhar, apenas continuou virada para o lado oposto segurando a respiração.
— Joana... as vozes deles me pediram para ajudá-la.
— Teresa, por favor, por favor, por favor, por favor... por favor...
— Não tenha medo irmãzinha. Tudo ficou mais claro para mim depois que me abriram ao meio. Tudo... sinta, é tão bom poder sentir o gosto da morte. — Respondeu a voz de Teresa, sussurrando baixinho em sua orelha e em seguida envolvendo Joana em um abraço macio.
Joana começou a chorar.
— Eu só quero que pare Teresa. Pare por favor.
— Vai descobrir as coisas secretas que existem além da carne... assim como eu descobri no fogo. Ceda ao fogo e deixe queimar, eles gostam quando você está queimando. Eles dão risada enquanto está queimando.
— Porque está fazendo isso comigo?
— Porque eu quero que você se mate.
 
Vinícius N Neto
Enviado por Vinícius N Neto em 21/08/2018
Reeditado em 22/08/2018
Código do texto: T6426098
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