O Rato da Privada

Era noite fria e erma, a escuridão se estendia no corredor longo, estreito e vazio. Na parede do quarto apertado um feixe da luz que vinha do banheiro e quebrava a escuridão. Tocava a parede fazendo o desenho da porta, ruídos estranhos surgiam de lá, eu mal podia dormir naquela suíte estranha, mórbida e mofada. Os ruídos incoerentes e aterradores surgiam sempre na noite. Algumas vezes eu me dirigi ao banheiro durante a noite e uma visão grotesca me aparecia aos olhos. Porém naquela noite... Foi a pior delas!

Arrepios ensandecidos aquilo me causava, certa noite eu estava atordoado e sofrendo de um de meus transtornos de insônia. Um transtorno que me tirava o melhor do humor e me fazia sentir um caótico torpor, barulhos estranhos de algo a rastejar, me fazia agonizar, foi ai que aquele feixe da luz débil e amarelada cruzou-me o olhar enquanto a porta que levava ao banheiro se abria.

Um leve susto súbito me fez contrair os músculos, eu aproveitei a deixa, levantei-me vagarosamente enquanto ouvia um estranho grunhido que vinha de lá. Assombrado eu arqueei o corpo ao entrar, aquele barulho estranho estava lá, uma cauda grotesca e horrenda estendia-se escorregando da privada, se debatia languidamente. Aquela coisa aquosa e sem cor, desprovida de uma textura natural que se adequasse a qualquer ser vivo era incrédula aos meus olhos.

Aquilo se debatia em busca de uma saída talvez, a cada novo enfermo gemido agonizante eu me afastava um passo, aquela coisa tornava-se enorme a cada estagnado minuto. Pude ver a elevação que produzia fazendo a tampa plástica erguer-se e a porcelana do vaso rachar-se aos poucos. A cauda que me causava desgaste mental e fisiológico exibia protuberâncias que me lembravam pelos grossos e molhados. O vaso estava rachando-se cada vez mais, o encanamento estava estourando e eu via a água esguichar molhando e encharcando todo o lugar.

Eu já não sentia minhas pernas trêmulas naquele ponto onde eu havia encontrado tamanha monstruosidade. Aquilo me aterrorizou de maneira tal que de minha boca um único grito de terror foi calado e paralisado, minha mente frenética e atordoada só poderia estar criando tamanha abominação que vinha das entranhas de um esgoto fétido e maligno! Meu testemunho brutal, aquilo se ergueu estilhaçando o vaso em um frenesi de força desconhecida e sobre-humana.

Assustei-me por completo, aquela figura humanoide coberta por um odor contaminado e fétido fez com que meu nostril se tornasse debilmente infectado e irritado por um fedor que com certeza vinha da pior latrina mundana. Aquele fedor horrendo quase me fez desperceber desestrutura corporal daquela criatura demoníaca que se assemelhava a uma ratazana doente, a um animal condenado ao sofrimento.

O pior de tudo eram os sons atordoantes que aquela coisa produzia, eram gritos infernais e gemidos dolorosos que assassinavam os tímpanos de qualquer alma humana. Os olhos negros aquosos fitaram-me pela primeira vez, eu contemplei aquelas garras afiadas e descamadas que possuíam um aspecto sujo e viscoso. Aqueles pelos enormes, o odor infernal que a cada minuto tornava-se insuportável!

Olhei para o teto atordoado, aquela coisa estava inerte e a putrefação estava nela. Coisa asquerosa e inumana. Temendo meu futuro eu corri até a porta, a monstruosa garra dianteira atacou-me rasgando-me a camisa e atingindo minhas costas. Um transe tomou conta de mim por um momento, àqueles movimentos débeis deveriam me dar alguma vantagem, eu não podia pensar logicamente em tal momento.

A única coisa que eu desejava era salvar minha vida daquele lugar escabroso, tirar os olhos daquela visão asquerosa, salvar-me! Eu passei pela porta e ao sair na plena escuridão tateei em busca da maçaneta e tranquei aquela criatura no banheiro clamando para que ela morresse ali. A água invadia todo o quarto escuro, eu me negava a crer naquilo, mas aquele grunhido como um choro latente e inóspito ainda está ali e eu sei que vai vir me pegar.

Eu temo pela minha vida neste vil lugar, onde desconheço a saída. Aquela ratazana monstruosa destrói agora a porta e grita como um ser humano. Nunca eu antes vi uma força como essa, está perto meu fim agora e eu penso em correr até uma lanceta que desconheço também a altura. A noite lá fora é inóspita e criaturas profanas rondam eternamente este lugar. Sei que minha vida, que não vale muito, corre grave perigo e se eu não for agora minha morte será a pior que eu jamais poderia imaginar, sinto agora a água fétida que é jorrada do que antes foi o vaso encostar-se a meus pés. Preciso ir ou morrerei aqui!

Júlia Trevas
Enviado por Júlia Trevas em 06/02/2018
Reeditado em 06/02/2018
Código do texto: T6246323
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