A CRIPTA


Cavalheiros, sinto dizer que a cripta estava aberta. Alberto teve a audácia de penetrar nas sombras funestas do cemitério e me levou junto em sua empreitada. Haviam dezenas de ouriços na areia da praia e mesmo que quisesse era difícil evitar esmaga-los. As lapides levantadas a tempos pelos indígenas locais localizavam-se no sul da praia, próximo de uma rede de cipós e palmeiras altíssimas que se entrelaçavam. Os juncos cobriam o terreno, junto a videiras venenosas e estranhas hortaliças secas.
- Algo está diferente Henrique. Veja, a cova está aberta.
Meus olhos redesenharam o ambiente, dando vida a fragmentos da minha memória. – Ela não devia estar aberta... – Respondi indiscretamente.
Pisei em um caco de vidro. O sangue esguichou nas pedras e na areia e logo coagulou. O caco penetrou cerca de três centímetros no meu pé, não era tão significante, mas desencadeou uma dor excruciante. Alerto me deu um tapa no ombro e pediu para ter cuidado. Não sabia naquele momento, mas era um aviso.
- Será que descobriram o corpo.
- Impossível. – Disse. – Como poderiam se ela não tinha família.
- Quem sabe não levantou do túmulo.
- Está louco! – Gritei. Os mortos não voltam a vida.
A cripta me pareceu tão profunda e escura, senti um calafrio na nuca e em seguida arrepiei-me com a brisa gélida.
- Deveríamos voltar, ninguém conseguira associar o corpo a nós.
- Você não sabe como a polícia é esperta.
- E daí, estaremos bem longe daqui se descobrirem.
Enquanto discutíamos, vi de relance algo passando por trás de Alberto, esgueirando por suas pernas.
- Viu aquilo.
Alberto achou que estivesse pregando uma peça.
Caminhamos até a boca da cripta. O necrófago pungia de putrefação, pedaços de ossos, vermes, baratas, minhocas e insetos rastejavam pela lapide sem nome até o buraco. Passei a mão na testa, limpando o suor e me atrevi a avançar. Alberto empurrou-me para trás e tomou a dianteira de novo. Estava para anoitecer e o crepúsculo vermelho-alaranjado cobria o horizonte e as árvores. A penumbra sobre o buraco era nefasta, parecia que algo nos observava, algo com grandes olhos azuis.
Alberto aproximou-se do buraco com os olhos abertos e ligou a lanterna. A cova estava vazia como pensamos.
- Eu sabia, alguém a tirou daqui.
Alberto desviou o olhar da cripta por um segundo e foi o tempo necessário para que uma sombra surgisse arquejando-se por trás do seu pescoço. – Alberto, tem alguma coisa atrás de você...
Mesmo antes de poder avisa-lo, algo lhe puxou para dentro da cova. Ouvi o som estalante de ossos esfacelando, e pingos de sangue voaram ao meu rosto, em seguida uma mão descanada avançou das sombras na minha direção, contudo aquela era a mão de Alberto, reconhecia muito bem seu anel no dedo indicador. Então, seu braço voltou a escuridão e sumiu de minha vista, cai no chão perplexo de desnorteado. Alberto não teve chance nem de gritar. Uma mancha esbranquiçada ergueu-se da escuridão, florescendo. Levantei e corri o máximo que pude, a noite incorporava minha imagem, tentando engoli-me junto do escuro. – Deus, perdoa-me... não sabíamos que ela tinha morrido.
Cheguei na calçada momentos depois, bastante ofegante. Olhei para a rua e só me lembro de uma luz ofuscante atingir-me com força. Receio cavalheiros, que não encontraram mais um corpo, pois a cova está aberta e ela vaga esperando me encontrar, esperando tomar de mim aquilo que tomei dela... a vida.

 
Vinícius N Neto
Enviado por Vinícius N Neto em 03/02/2018
Reeditado em 03/02/2018
Código do texto: T6244144
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