O rearranjo

Piotr havia sido capturado por acaso, numa das batidas aleatórias feitas pelo Regime em pontos de grande concentração; neste caso, um terminal transoceânico de passageiros. Desde então, ficamos esperando pelo pior. E isso acabou se concretizando meses depois, quando soubemos que, mais do que uma condenação à morte, a sentença era de rearranjo.

Ser submetido ao rearranjo não era apenas cruel: era uma demonstração de força do Regime. Ao fazê-lo, declaravam não somente sua capacidade de matar, mas de transformar um ser humano num objeto, que daí por diante, cumpriria a destinação que seus criadores desejassem. Servia como um alerta e um lembrete para quem ousasse confrontar a ordem estabelecida.

Adicionalmente, o Regime nunca divulgava de imediato a concretização da sentença e o destino final do rearranjado. Isso fazia parte do processo de intimidação e lhe acrescentava uma camada de horror, visto que muitas vezes descobria-se posteriormente que o executado havia sido colocado num local público, à vista de todos, e mesmo assim, ninguém seria capaz de reconhecê-lo como tal.

Mas com Piotr, finalmente descobrimos, o Regime tinha elevado o rearranjo a um novo nível de insulto. Ele havia sido convertido em placas de piso, aplicadas nos corredores do terminal de passageiros onde fora capturado. Como a localização das placas era propositalmente incerta, não havia como saber se, ao passar pelo local, estaríamos pisando em partes do seu corpo.

Durante muito tempo, a solução encontrada foi evitar passar por ali. E num belo dia, explodimos uma bomba no terminal e lhe demos o sepultamento adequado.

[23-04-2017]