O Oráculo

No dia anterior, eu olhei os olhos do meu gato branco. E os olhos eram dois riscos verticais. Olhei os do meu gato preto, e eram duas bolotas negras, com as pupilas dilatadas ao extremo. Eu me arrepiei feito gato. Mas os gatos mantinham sua indiferença felina. Gatos, gatos, gatos, gatos... a noite todos os gatos são demônios. E há bruxos soltos por aí, sim. Algo de ruim estava prestes a acontecer. Um temporal eterno estava prestes a começar. O céu se pintava de cor de rosa preguiçoso. A noite brigava com o dia. Um pernilongo zumbiu rente ao meu ouvido. Eu lhe matei em um gesto instintivo. As palmas de minhas mãos mancharam-se do sangue do mosquito. O desenho formado pelo inseto esmagado me amedrontou: um olho! Como se alguém me vigiasse. As cigarras cantavam e os postes se acendiam aos poucos. O calor era inquietante. E as mariposas namoravam as lâmpadas num frenesi. Eu, então, lancei o spray de veneno para matar os outros pernilongos e fechei as cortinas. O breu se fez.

Era 13 de outubro. Sexta-feira. Eu me sentia só e carente. Era aniversário daquele que eu amei e não me esqueci até hoje. Então, revirei os poemas e os contos de terror para relembrá-lo. Não eram contos de terror, eram contos de amor disfarçados. Se ele soubesse... a TV ligada na novela das seis, e o tempo lá fora de repente mudou, anárquico se fantasiou de relâmpagos e raios. Os deuses estavam em festa. Trovões aceleravam meu coração. Minha ansiedade dançava no ritmo dos barulhos. Até que a chuva, enfim, caiu. Serena. Gota por Gota. Eu olhava a chuva pela janela. Sempre fui apaixonado por tempestades, pela liquidez das chuvas, pela efemeridade dos raios. Tudo tão sentimental, tão voraz e tão fugaz. Um raio, então, caiu no meu quintal. E eu senti a força da natureza percorrer todas as minhas células. Meu corpo se contorceu com o choque que eu levei e meu ouvido zumbia em desespero, enquanto eu, jogado no chão, apenas rangia os dentes sem força. O zumbido do pernilongo havia sido apenas um prelúdio.

A energia elétrica havia acabado. Só o que iluminava o mundo eram os relâmpagos, como flashes de fotografia. Por isso, acendi algumas velas. Ainda estava zonzo com o raio que caiu bem no meu quintal. As chamas dançavam ao sabor da brisa que penetrava pela janela. E eu pingava cera quente na palma da minha mão. A sensação era incrível. Depois comecei a passar os dedos rapidamente pelo fogo, permitindo-me queimar até. A dor era o suprassumo do prazer. Esse masoquismo não estava em mim antes. A chuva cessara, e o clima ficou abafado. Um calor úmido. O silêncio era provocativo, tedioso e inquietante. As nuvens se dissolveram depois da chuva, e uma lua pálida e tímida despontava no céu. Aquela lua me provocava e eu precisava fugir de mim. Eu não sabia o que estava fazendo, mas peguei algumas navalhas e enfiei debaixo das minhas unhas, depois empurrei uma por uma. Eu uivava de dor e gozava de prazer.

E nesse meu quintal, sempre houve uma amendoeira. E lá moravam morcegos. Eles bebiam a água com açúcar dos beija-flores. Deveriam beber sangue. E então, assim eu fiz: rasguei meus punhos e enchi o recipiente com meu sangue, lambuzando as flores de plásticos. Os morcegos a partir de hoje sempre teriam um banquete. Passei a tratar deles como se fossem meus filhos. Mas os beija-flores me abandonaram. Apáticos e desviados esses colibris. Eles me enojavam; desprezaram as flores que um dia os alimentaram. Ingratos! Eu também descobri como era bom arrancar os próprios cabelos e me cortar. E quando a pele já estava bem ferida, eu gostava de muito álcool e tudo o que a fizesse arder. Bebia-o assim puro e límpido como água. Matava minha sede de embriaguez e dor. Quanto mais dor, melhor. O zumbido me perturbava e me deixava desesperado. Eu esquentava o álcool até uma certa temperatura, até uma quentura que ele não evaporasse como amores de juventude. E então eu pingava ele quase fervendo nos meus ouvidos. E assim me regozijava. Além disso eu queimava meus dedos no ferro de passar roupa e os sentia fritar; o cheiro era divino, e depois arrancava a pele das bolhas oriundas das queimaduras; essa era a melhor parte. Eu sorria. E assim prossegui, me machucando até o dia 13 de maio, uma sexta-feira, quando morri pela vigésima quinta vez. O dia do meu aniversário.

Meus gatos haviam morrido todos, assim de repente, e há quem dissesse que os matei para fazer rituais. Calúnia! Eles me previam o futuro. Eles previram que eu enlouqueceria por falta de um alguém. Previram uma tempestade que não passaria nunca. E agora eu não tinha mais nenhum oráculo. Talvez aquele raio tenha me deixado louco. Talvez a chuva estivesse repleta de álcool e eu estivesse ébrio. O zumbido nos ouvidos nunca mais me abandonou. Eu tornei-me surdo. Eu já estava acostumado. Meu coração era pesado e grande como eu. Cheguei a pensar que ele fosse inchado e não coubesse no meu peito. Mas sempre calei meus pensamentos. E agora também sei calar meus sentimentos: provoco dores. Sou adepto do altruísmo, e me firo para não ferir os outros. Enquanto eu fumo, eu me queimo com a ponta acesa dos cigarros e depois engulo ainda acesa a bimba daquilo que me causa câncer. Nesse dia 13 de maio imaginei que você me mandou uma mensagem, e eu chorei. Eu chorei mesmo sem ter a lido, eu chorei de alívio por não poder a ler. Eu chorei por não mais ter olhos, por ter os arrancados de mim mesmo com minhas próprias mãos. Por ter me cegado com minhas próprias unhas. Por ser, agora, cego. E agora quem me ver por aí, cego mascando chicletes, nem imagina que eu eternizei nossos momentos na memória e fugi dos sentidos. Mas não dos sentimentos; maldita pieguice. Cego, surdo e mudo. Apaixonado e louco. Um dia eu voltaria a falar, a ouvir e a enxergar... Um dia? Louco!