Conheça o criador
Sempre quis conversar com você diretamente, sem utilizar metáforas ou desvios. Eu tenho família, pago contas mensais, crio meu filho nesse mundo cada vez mais difícil, cada vez mais caro.
Diferente da maioria eu não me contento somente com o embotamento da televisão e da avalanche de merda que se tornou nossa música.
Sem ganhar um centavo, na mais pura paixão quando tenho momentos de tranquilidade eu crio, alimento e construo pesadelos.
Quando a dúvida e a suspeita se tornam fortes, quando o arrepio se forma na coluna e a perplexidade é tangível tenho a convicção de uma boa obra.
Você precisa disso, você necessita de alguém que lhe mostre que o mundo nem sempre é bom. Que várias vezes as coisas não saem da melhor forma.
Bons criadores de pesadelos evitam mortes.
O medo mais forte é o disseminado. Quantas vezes lhe disseram para não andar sozinha em locais mal iluminados, não caminhar com o pagamento no bolso, não se encher de comidas pesadas noite adentro, não se entupir de drogas.
A república do não é instaurada pelo medo.
Nossos pais, nossa família, nossos amigos são disseminadores não conscientes do Horror. Mesmo os achando um porre provavelmente você só está vivo ou viva pelos conselhos e sermões não solicitados.
Afinal, se você é branco está em perigo, se é negro está em perigo, se é mulher está em perigo.
Há perigo de sobra para asiáticos, crianças, católicos, evangélicos, judeus e protestantes.
Dia desses li sobre um sujeito que gostava de estuprar brutalmente velhinhas e estrangular com o sutiã.
Não se pode evitar o estupro sendo velha hoje em dia, nem homem, nem bebê...
O medo nos movimenta, você se acha alguém sem medo? Ninguém é Murdock, temos medo de demonstrar o que sentimos, temos medo de como falamos e para quem falamos.
Construo pesadelos e nunca ficarei sem matéria prima. Sempre haverá uma caneta, um lápis, um teclado, página ou tela.
Sempre haverá uma mente, um enigma.
Um quebra cabeça horrendo.
Uma dona de casa serve o almoço em seu vestido perfeito. Na mesa os convidados sorriem mostrando dentes perfeitos. Elogiam o molho de carne e ela sorri em seu quadro de Rockwell. Dão falta do pequeno cachorro que mordia os calcanhares perfeitos da perfeita Amélia. Antes de todos chegarem ela torcia para a receita dar certo, olhando os pratos cheios na mesa veio a certeza de que havia cozinhado bem o cão.
Perto dali um homem transtornado convicto em sua fé recupera com sangue tudo o que havia emprestado. Sua lógica insana desafia a policial que o caça, que tece um cenário aterrador. A nova igreja da cidade sempre criará um novo monstro.
E o culto acontece toda noite.
Talvez isso, essa declaração, essa carta de amor à criação seja uma introdução de um livro nunca escrito.
Talvez seja um desabafo de alguém que todos os dias pensa em desistir mas se lembra do prazer de ver a caneta criando um mundo na folha branca.
Alguém eufórico que deseja afetar as pessoas. Que não quer passar apagado como aquele pesadelo que montou.
Aquele em que o sujeito queria destruir sua identidade e se torna nada.
Permita que eu encha um momento do seu dia de desconfiança, de imprevisibilidade, de caos.
Aqui sou o Rei no reino das páginas, governante das linhas, sentenciando personagens ao tormento, ao delírio, à vida, sentenciando-os à morte!
Muito prazer, sou um criador de pesadelos.