A PEDRA DO LETREIRO

      Foi há muito tempo. Eu era uma criança que morava na zona rural de uma cidadezinha do interior do Ceará. Na época, meu pai possuía uma pequena mercearia, simples, mas aconchegante; que era o principal ponto de encontro dos moradores da região. Aos sábados à noite, sempre era comum meu pai fazer uma rifa – uma espécie de disputa com cartas de baralho, que durava a noite toda. Os vencedores podiam receber tanto em dinheiro como em carne de carneiro, cabra, galinha ou até mesmo em outros alimentos como feijão, arroz, enfim, o mais importante não era o prêmio disputado, e sim, a diversão, que era sempre garantida.
      Ainda lembro como era formado o jogo: todos ficavam ao redor de uma mesa, sendo iluminados por uma lâmpada à gás, que meu pai havia comprado especialmente para tal ocasião. Enquanto alguém dava as cartas naquela nuvem de fumaça, provocada pelos cigarros, vários causos eram contados para atrair a atenção e até mesmo provocar algumas gargalhadas dos participantes, que aproveitavam bem aquele intervalo antes que começasse outra partida.
      Eu achava tudo aquilo divertido: a casa cheia, pessoas alegres, e eu, como todo garoto curioso, não via a hora de começarem a contar as histórias. Pegava sempre meu banquinho e me sentava no cantinho da sala, atento a tudo o que falavam. Naquela noite, quem se destacou foi seu João Guilherme, vaqueiro com mais de trinta anos de profissão – na época ele devia ter uns sessenta de idade. Suas característica eram de um sujeito alto, magro, porém não fraco – o que lhe dava uma certa imponência – ,uma pessoa séria e de poucas palavras, mas que sabia se expressar muito bem quando necessário. Talvez por isso quando resolvia contar algo, todos paravam para ouvi-lo. E foi o que aconteceu naquela noite.
      - Vocês já devem ter ouvido muitas histórias sobre a Pedra do Letreiro e todos aqueles símbolos em suas rochas. Algumas até podem ser verdadeiras, mas todos creem que a maioria não passa de folclore – comentou seu João Guilherme. – pois, saibam que o que vou contar hoje, não é fruto da minha imaginação ou qualquer devaneio de um velho vaqueiro com um pouco de álcool na cabeça. Se bem que não peço nenhuma credibilidade quanto à veracidade dos fatos. Até eu, as vezes, fico me perguntando se aquilo realmente aconteceu.
      Era uma noite de sábado, exatamente como esta. Por volta das sete horas, enquanto eu caminhava nos arredores da casa, percebi que a porteira do curral estava aberta. Imediatamente corri para fechá-la, ao mesmo tempo em que olhava e fazia a contagem para ver se estava faltando algum animal. Todos estavam lá, menos uma: a novilha Estrela. Com certeza teria aproveitado a oportunidade para escapar. Arisca, como era, seria difícil encontrá-la pela manhã, pois o tempo seria seu grande aliado na fuga.
      Não pensei duas vezes antes de selar o cavalo e mergulhar na total escuridão. Levava comigo uma lanterna para iluminar o caminho. A noite parecia cada vez mais soturna: eram árvores sinistras que ficavam ao lado da estrada e que eu nunca as havia notado, mesmo vivendo naquela área durante anos. Meus ouvidos também eram bombardeados por sons nunca antes percebidos. Algumas vezes pareciam corujas, outras, não; poderia ser algum outro pássaro noturno, mas com um modo de cantar totalmente estranho naquele lugar. Confesso que cheguei a me arrepiar por várias vezes por conta da atmosfera medonha que se formava . Segui em frente, o foco da lanterna parecia nervoso, iluminando pontos distintos até parar em algo que me fez tomar um grande susto.

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      Eram os já comentados por todos nós, símbolos da Pedra do Letreiro. Pela primeira vez eu parei para tentar encontrar alguma mensagem secreta ou algo parecido. Fiquei alguns segundos, talvez minutos, não sei. Tudo era muito confuso em relação ao tempo. Olhava tudo em volta, com certo receio. Sentia-me cercado e vigiado por algo desconhecido. Talvez fosse o início de um delírio, provocado pelo excesso de bebida aliado ao aspecto sinistro do local. Foi quando, ao olhar mais uma vez, senti gelar a minha espinha, diante do então revelado. Alguns símbolos se destacavam, como se estivessem iluminados por uma luz misteriosa. E eu vi.

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A mensagem estava clara: “Vá embora daqui!”
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      Imediatamente subi no meu cavalo e saí em disparada, sem olhar para trás. Durante minha fuga, tive a impressão de ouvir galopes, que me seguiam e que se aproximavam cada vez mais. O medo era meu único aliado, mas um aliado que me mantinha vivo. Vivo para seguir correndo e correndo até o cavalo não aguentar mais. Paramos, pois não ouvia mais nenhum barulho atrás de mim. Tanto o animal quanto eu estávamos exaustos quando, ao levantar a cabeça, percebi que estava em frente a minha casa.
      Ainda muito cansado e com certa dificuldade, desci do cavalo e fui caminhando lentamente em direção ao curral para ver se os animais estavam bem. Tudo tranquilo, todos estavam lá. Até mesmo a novilha Estrela.
Rogério Rodrigues
Enviado por Rogério Rodrigues em 06/05/2016
Reeditado em 31/07/2016
Código do texto: T5626792
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