"o filho amaldiçoado"

“O filho amaldiçoado”

N´um lugarejo aqui perto do meu rancho, umas duas léguas – doze km – conhecido como Barrocão; terras com umas baixadas férteis, de primeira qualidade, farturão... muita água; toda plantação ali fluía maravilhosamente. Produzia de tudo e a colheita certamente era farta: milho, feijão, cana-de-açúcar, mandioca, café, hortaliças e outras culturas. Clima maravilhoso para a criação de gado de corte; clima quente. Um céu azul tão brilhante durante o dia e a noite, salpicado de estrelas, um encantamento; daqueles que dá vontade de pegar o violão, de frente para uma fogueira e dedilhar Zé Ramalho, Fágner e tantos outros que iluminaram muitas vidas; deixava saudade... Lá na baixada – vale enorme – a sede da fazenda mais rica e maior da região; do lado direito da casa, uma frondosa gameleira, tão grande que cinco homens não conseguiriam abraça-la. Cercada por currais, casebres, seleiros – no pátio de chão batido, bem varrido, onde servia para secar o café em grãos, diversas criações: galinhas, cocás, perus, gansos e patos nadando majestosos n´um lago abaixo da sede, que além de enfeitar o espelho d´agua com variadas plumagens, tinham a incumbência de oxigenar a água para garantir vida aos peixes; uma pocilga muito grande com muitos capados prontos para serem negociados, sem raças definidas, mas gordos, bem gordos, no ponto; cruzados de várias procedências – era de costume deixar pelo menos dois dos capados para a despesa; uma tropa com muitos cavalos de serviço para a lida da fazenda e para o laser – de raça pura mesmo só um, os demais, comuns, mestiços, além dos muares; mas o forte da fazenda era criação de gado de corte, mas tinha umas vaquinhas de leite também. Um pátio grande todo cercado com lascas de aroeira – quem já viu um, sabe do que estou dizendo.

Naqueles tempos, as paradas existiam para tropeiros e lá era uma delas. Pagavam pelo poso – incluía: cama, banho, comida ( geralmente – feijão ou fava ( tipo de feijão grande e tem que saber fazer, senão, deixa amargar ), arroz de pilão, macarrão, ovo caipira ou costelinha de porco caipira, sem faltar a pimenta-malagueta e a farinha ), cafezinho também e, dessa forma com a despensa farta, iam se ajeitando...

O proprietário da fazenda era conhecido como Sr. João da Baixa; com idade mais erada, sistemático e de fala mansa, tinha uma mania de coçar o ouvido – não escolhia lugar – metia o dedão e choc choc, não estava nem aí; a esposa, dona Antônia, semi-analfabeta, humilde até não poder mais; a família era seu maior orgulho e tesouro. Mãe de quatro filhos, sendo que um deles – Feliciano - morava na fazenda, os outros na cidade. Rapaz intrigante com pouco estudo, amigos, não possuía. Estatura mediana, atarracado, tez morena, olhar distante e sombrio. Sempre só, ficava nos cantos, calado, vez por outra, balbuciava algumas palavras em tom não audível. Um esquisitão de uns vinte e oito anos. Não fazia nada... O pai, por ter condições financeiras razoáveis, sempre abastecera a casa daquilo que era necessário; dentro dos padrões de vida naquela época, na vida do campo; não lhes faltava nada. Quando necessitava comprar alguma coisa, que faltasse na despensa, iam até um comercinho há uns oito km e comprava; voltava no mesmo tempo, pois não suportava o calor, barulho e aquela gente desobrigada de trabalho.

O filho – Feliciano – muitas das vezes, vagava pelos pastos da fazenda por horas, até cansar. Quando batia a sede, caminhava em direção ao riacho lá na baixa de lá e refrescava-se. Descia o barranco e após beber, ficava ali, vendo as borboletas multicores por cima do barro úmido e vermelho, ora matando a sede, ora refrescando. Depois subia pelo “trio” que o gado passava quando ia beber; assentava n´um toco seco de uma aroeira centenária – tombada e transformada em carvão – que dera muita sombra ali há muito tempo atrás. Ficava ali... pensamento vago, desconectado da realidade da vida; passava o tempo... Bem a tardezinha, na “boquinha” da noite, aparecia nos arredores da casa, sempre de cabeça baixa.

Janta pronta e na mesa, dona Antônia saía até a varanda e chamava o filho para jantar. O marido, seu João da Baixa, não tardava, chegava para a “boia” como de costume, pontualmente.

No canto da sala, um lavatório branco, pequeno e simples, limpíssimo. Acima, uma toalha de uma brancura que impressionava; o sabão, de coada – feito com soda, sebo e cinza; formato de uma bola, liso e cheiro forte, muito forte. Na outra extremidade da sala, também no canto, um pote grande, que ali já estava há muito tempo e servira essa família por muitos anos. Em cima, tapando a boca dele, um prato esmaltado branco, um forro de amorim – parecia engomado - da mesma cor e um copo de alumínio tão lustrado que refletia sua imagem nele; impressionava. Lembrava as coisinhas da vovó; são inexplicáveis, sabes como...

A cozinha, ah! A cozinha... melhor parte da casa, lá era bem espaçosa, com um fogão a lenha bem grande e no canto direito, lá no fundo; recoberto por um cimento queimado vermelho, sempre limpo. Em cima no alto, de uma parede a outra, em diagonal, um cano de ferro com linguiça, carne de porco e toucinho, pendurados recebendo fumaça do fogão para com o tempo ir defumando. A chaminé lá fora cuspia fumaça sem nenhuma cerimônia. Do lado da parede, uma fornalha onde depositava as cinzas. Perto da mesa de pau ferro, antiga, uma prateleira de madeira pau d´arco, madeira essa tirada ali na fazenda, na época da lua boa, para não carunchar e nem apodrecer facilmente. No outro canto, um banco de uns dois metros de cumprimento de Jacarandá, também bem antigo, um presente que seu João ganhou do pai quando casou. Um fogão a gás, que não servia para nada; nunca era ligado – só enfeitava. A geladeira, antiguinha, marrom, necessitava trocar as borrachas da porta, a pressão já não existia mais. A porta ficava fechada devido uma borracha de câmara de pneu de bicicleta que prendia na lateral. O que mais impressionava era o brilho do vasilhame na prateleira.

Após o jantar, seu João, religiosamente levantava-se e partia para a varanda ouvir no radinho “a hora do Brasil” as notícias e aproveitava para fazer um cigarrinho de palha da marca “sabiá” e ficava ali... pitando... ah! E coçando o ouvido. Vez por outra, tirava umas cochiladas, assentado na sua cadeirinha com as pernas cruzadas.

Dona Antônia, recolhia as louças para lavar, não deixava para o outro dia; dizia: “e se chegar alguém aqui, vê tudo sujo, vai achar que sou uma dona de casa porca. Eu não!” E do lado de fora da cozinha, no tanque, cumpria sua obrigação diária. Tinha ajudante em casa, mas na cozinha não aceitava ninguém mexendo. Falava: “Na minha cozinha n´um deixo ninguém mexer. E João também é muito sistemático; se ele vê alguma coisa diferente, n´um come e fica de bico”!

O Feliciano, após o jantar, sempre calado ia em direção ao quarto e lá deitava olhando para o teto; como se aguardasse alguma coisa. Ficava ali por um bom tempo... Mais tarde, levantava-se – a casa já fechada, seus pais dormindo; deitavam cedo e acordavam mais cedo ainda. Ali na varanda, passava a perna na rede, balançando, ficava espreitando as coisas da noite; como se desse uma boa noite a ele, a corujinha de guarda no alto do poste cantava... Balançando de um lado para o outro, dormia... às vezes, não!

Ao despertar com o cantar do galo crista de serra, notas agudas e ritmadas, já com a barra do dia cismando em nascer; aquele cheirinho doce da roça, dava início a um novo dia... e com todo o movimento agitado na fazenda, peões na lida e a rotina em franca atividade. Na chaminé da sede, já se via a fumaça branca anunciando que o café estava pronto e servido a mesa.

Seu João da Baixa, queixa com a mulher que não dormira bem a noite. Reclamando de uma dor no peito que incomodava e estava deixando-o preocupado. Dona Antônia, avexada, diz logo ao marido: “arruma aí que nós vamos prá cidade fazer uma consulta com o doutor”! Seu João como era “turrão”, diz: “ ah, isso n´um é nada. Vou tomar uma nosnuscada e logo vai passar”! E a manhã vai se desenrolando normalmente e Seu João sai para acompanhar os peões na lida com o gado.

Lá para as onze horas, chegam a sede os peões carregando o patrão, desacordado. Ofegantes e gritando pela patroa em tom bem alto: “Dona Antônia... Dona Antônia...”! Tirando Seu João do cavalo “mão branca – sua montaria de estimação”. Em seguida sai na varanda dona Antônia apavorada perguntando:” que barulho é esse; o que está acontecendo”! Os peões já com Seu João nos braços, responde:” é o patrão! Passou mal e desmaiou! Dona Antônia apavorada diante da situação; pernas trêmulas, boca seca; chama o filho que não responde. Naquele sufoco, um peão dá a idéia de leva-lo para a cidade. A patroa pede então para um dos peões chamar o vizinho – Seu Paulo; vizinho já há muito tempo e que tinha carro para leva-lo ao hospital, já que só Seu João sabia dirigir em casa. Prontamente o vizinho atendeu, chegando rapidamente. Momento em que colocam Seu João no banco de trás do carro e dona Antônia com ele. Não demora muito e chegam ao hospital... No pronto socorro, fora atendido urgentemente pois o caso dele era grave; levando-o para a uti ( unidade de tratamento intensivo ). Minutos se passaram quando o médico compareceu na sala de espera e deu a infeliz e fatídica notícia a dona Antônia: “a senhora é o que do moço”! Com a voz embargada, como se adivinhasse o que ouviria: “sou mulher dele, doutor”! O doutor com o semblante fechado e chateado assina a sentença: “sinto muito; fizemos tudo que era possível mas infelizmente não conseguimos”! Dona Antônia já em prantos, com toda aquela humildade que lhe era peculiar, sem acreditar, pergunta: “ doutor meu velho morreu”! O doutor apenas responde com um aceno de cabeça... e dona Antônia amolece o corpo e cai ao chão; momento em que o doutor segura-a e coloca-a sentada no banco. Pede a uma funcionária local para cuidar dela e sai para a uti.

O mundo roda na cabeça da dona Antônia... e o que fazer sem seu “velho”... cabisbaixa ainda pela notícia inesperada, fica ali acolhida pela funcionária do hospital por instantes e, em seguida, chega uma cunhada com o marido que ficaram sabendo do acontecido, não se sabe como e, juntas choram a perda repentina do ente querido. A cunhada pergunta o que tinha acontecido e dona Antônia narra como aconteceu na fazenda. Após terem conversado, o cunhado arisca o diagnóstico: “deve ter sido enfarte”! E ele estava certo. Como não podiam ficar ali, pois não voltaria a vida do seu João da Baixa; o cunhado resolve resolver as coisas: o traslado do corpo, o funeral em si e etc...

Mais tarde, na sede da associação de produtores rurais do comércio, o corpo já estava sendo velado, onde a família, amigos, funcionários e conhecidos, puderam fazer suas últimas homenagens. No final da tarde, lá para às dezesete horas, foi encaminhado para o sepultamento.

A primeira semana após a morte do esteio da família, foi muito difícil. Dona Antônia, mesmo que tenha tido o apoio dos filhos – os que moravam na cidade – foi muito complicado mesmo. Ficava acamada, chorosa, enquanto os filhos resolviam as coisas e tomavam conta da casa. Não se pode esquecer de uma vizinha, moradora de uma pequena gleba de terra, dona Maria que sempre esteve do seu lado. Ajudava nos afazeres da casa e tudo mais... A preocupação maior de dona Antônia, era com o filho Feliciano, agora quase não aparecia na casa; lá pelas tantas aparecia para dormir... comia nas casas de vizinhos e as vezes passava o dia sem comer, ou comia frutos no mato.

A medida que o tempo passava, as coisas se encaminhavam... o rapaz cada vez pior... agora não conversava com ninguém. Todos os dias a tarde, arreava o cavalo castanhão e partia para o comércio; direto na venda de seu Ulisses; última venda da única rua. Ali, ficava bebendo até o comerciante pedir para que fosse para casa; isso já tarde da noite. O animal coitado, amarrado na árvore com fome e sede a tarde e a noite inteira.

Ao chegar em casa, retirava a sela, o bacheiro ( manta usada entre o lombo do cavalo e a sela ) e a cabeçada ( rédea e o cabresto ), soltando-o na manga. Não dava-lhe nem um banho. A mãe esperava toda noite o filho voltar; ia dormir só depois que chegava. Assim que ele entrava na sala, a mãe dizia ao filho: “ô meu filho; cê tá estragano sua saúde... seu Ulisses mandou avisar que cê fica lá toda noite bebeno! Para com isso!” Isso repetiu várias vezes. O filho com olhar distante e gestos irritados, fecha a cara e dá uma resposta mal criada a mãe. Dona Antônia, “simprona” como sempre, coração bom e sem maldade, queria somente o bem do filho. Aproveitou para cobrar do filho que não estava certo deixar o animal amarrado o dia e a noite toda com fome e sede, quase todos os dias. O filho agora já muito nervoso, vira-se para a mãe e diz: “ eu faço até com você! Imagina com cavalo!” A mãe decepcionada em ouvir aquela barbaridade, já chorando, fala para o filho que Deus não estava ouvindo aquilo e que ele precisava buscar a Deus. O filho então, agora fora de si, sai até a varanda e pega a sela e vem em direção a sala e mostrando a mãe diz que vai mostrar como se faz. E infelizmente, parte em direção da mãe que tenta sair e logo é alcançado pelo filho que aquela altura parecia esta “possuído”. Empurra a mãe, vindo a cair no chão e ele aproveita e joga a sela nas costas da mãe e assenta. Um verdadeiro absurdo... Coisa do “demo”; do “encardido”. A mãe sem acreditar naquilo, desabafa: “cê é um demônio; isso não é de Deus não! Isso é coisa daquele chifrudo; cê vai pagar por isso; coitado do cê!”

Dona Antônia, já não conversa com o filho há meses. Evita o contato com o filho; trancando até a porta do quarto ao dormir. Ele passa o dia inteiro fora... não se sabe para onde vai, com quem está.

Os irmãos ficaram sabendo da covardia que fez com a mãe e queriam entrega-lo para a polícia, mas a mãe não deixou dizendo que ele não estava com a cabeça boa. Os filhos queriam levá-la para a cidade, mas ela não aceitou; dizendo que ali é que era seu lugar.

Passam dias, meses... a fazenda já não era a mesma. Por questões financeiras, dona Antônia teve que dispensar funcionários e ficou apenas com um – o mais antigo. Nota-se que o rebanho diminuíra dia-a-dia; Feliciano vem vendendo o gado para manter seus vícios. A bebedeira agora era diária e mais intensa; arranjando até confusões no comércio.

Certo dia, ele não saiu de casa. Levantou lá pelas dez horas e foi até a cozinha tomar água. A mãe lá estava e ele nem sequer olhou para seu lado. Em contra partida, dona Antônia, permanece calada e sem expressão alguma. Toma a água, deixa o copo sobre a mesa e sai em direção ao quarto. Deita-se novamente e ouvi-se gemidos... Dona Antônia, fica preocupada com aqueles gemidos mas não se manifesta, aguardando um pedido de socorro para prestar ajuda. O dia transcorre e ele na gemedeira; bem feito! E toma gemedeira a noite inteira...

Dois dias depois, já não aguentando mais as dores, pede a mãe algum remédio para parar a dor que estava sentindo há uma semana. O coração de mãe dói e ela imediatamente pega em cima da prateleira um vidro de dipirona, põe umas quarenta gotas no copo com água e leva para ele no quarto. Estava imundo o quarto e ele, mas a mãe não quis dá palpite. Entregou o remédio e saiu. Ainda ouvia-se por minutos seu gemido que mais tarde cessou – o remédio fez efeito e ele dormiu... a mãe espia da porta e vê o filho numa suadeira... cabelão grande despenteado, todo sujo, parecia um bicho...

Os dias foram passando e Feliciano continuava com a dor, só aumentava e a dipirona, não fazia mais efeito. Uma noite, sua mãe diz a ele para procurar um médico e prontamente diz que não iria não! E foi ficando...

Passados dias, a mãe foi espiar no quarto porque já era duas da tarde e o filho não tinha acordado. Ela achou estranho; ele estava muito quieto. Aproximou e chamou-o! Ele não responde e então ela decide tocar nele... o corpo estava frio; ela sacode ele sem resposta. Sai gritando casa a fora e sai no pátio chamando o peão. Ele escuta e vem correndo, perguntando: “o que foi dona Antônia!” Ela desesperada, aponta para dentro e diz: “Feliciano, vai lá!” Ele entra correndo até o quarto e constata seu óbito. Imediatamente fala para a mãe que já sabia, mas não queria acreditar. Tomadas as providências cabíveis para o sepultamento... Houve o velório, mas não pôde ser sepultado junto com pai por ter pouco tempo de enterrado. Dias, semanas passam...

Passados uns dois meses, chega o senhor Quincas “coveiro”, na fazenda de dona Antônia, montado no burrinho “passa tempo”, trazendo notícias acerca do túmulo do filho. Dona Antônia como sempre faz com todos que chegam na sua casa, convida-o para entrar. Tão logo “desapeia” do animal, cumprimenta-a e vai logo falando: ”dona Antonha, o que vim fazer é sério. Quando eu contar, a sinhora não vai creditar!” Dona Antônia agora curiosa, responde: “pois então o “sinhor” fala!” Ele solicita um copo d´agua antes de contar, por estar ofegante e boca seca, senão molhar a palavra, nem conseguiria contar.

Após beber a água, começa a dizer: ”a sinhora pricisa ver o túmulo do seu fio! Tá tudo virado; parece que alguma coisa quebrou tudo e tirou a caxão de dento e o corpo sumiu de lá. Ninguém viu nada, perguntei até seu Zé que mora coladin lá, n´um deu conta não!” Dona Antônia espantada, pede esclarecimento: “mas o que aconteceu seu quinca!” Ele respondendo: “ n´um sei d.Antonha, n´um sei. O que o povo tá falano é que a “coisa” ruim vei buscar ele!” A mãe chateada: “conversa, seu quinca, conversa. Isso é maldade do povo!” E isso virou um blá,blá,blá... O povo só falava no acontecido. O coveiro emenda a conversa: “ eu pidi pro pedreiro cunsertá o tumulo, mas ninguém qué chegar perto. Fala qui isso é coisa do demoim!” Mais uma vez, d.Antônia recrimina com um balançar de cabeça.

Depois de passado algum tempo, vem a fazenda um morador do lugarejo chamar dona Antônia para atender um telefonema. Imediatamente ela pede ao funcionário para leva-la até lá e partem em direção ao comércio. Chegando lá de frente ao orelhão, ela fica ali, parada, sem saber o que fazer. Dona Clara, que atendera o telefone diz a ela: “d.Antônia, o moço disligou, falou que vai ligar agorinha prá senhora!” D. Antônia acena a cabeça concordando. Aproveita e há um bate-papo entre as duas...

Minutos depois, o telefone chama... D. Antônia atende: “alô, alô!” Naturalmente era a pessoa que havia ligado antes: “ alô! D.Antônia! Meu nome é Carlos, sou dono de um hotel aqui em Montes Claros e preciso falar com a senhora. A senhora tem um filho que chama Feliciano! D. Antônia sem entender, responde: “tinha... meu filho morreu tem quase um ano!” O moço retoma a conversa: “como morreu! Eu conversei com ele pessoalmente aqui no meu estabelecimento. Tava vivinho! D. Antônia, retruca: “ isso é brincadeira, n´um é!” Ele responde: “não! Ele ficou hospedado aqui e deu informações da senhora, mãe dele. Ele é um rapaz baixo, calado, não gosta muito de conversa!” A mãe com o coração disparado, diz: “n´um tem condição. Ele morreu!” Ele continua: “a ficha dele tá aqui preenchida com a letra dele. Esse telefone, eu peguei na ficha dele. Ele que pôs. Quando tava indo embora, pediu para ligar para a senhora pagar a conta, que estava sem dinheiro. Se a senhora quiser, pode vir aqui ver, está a disposição!” D. Antônia, sem acreditar naquilo, pede o endereço e o telefone, dizendo enviar um filho lá ver. E a conversa encerra...

Assim que pôde, contou ao filho mais velho o que aconteceu e pediu para ir até lá; imediatamente foi constatar pessoalmente. Tão logo achado o endereço, conversou com o moço e certificou do narrado a mãe. Quando o irmão viu a letra na ficha, ficou impressionado! Era a letra do irmão falecido sim. “Mas como pode!”, diz ele. Conversou também com uma arrumadeira sobre as características do hóspede e para sua surpresa, as informações batiam perfeitamente. Pediu ao comerciante para tirar uma cópia para levar para a mãe. Despediu e partiu de volta...

Mais que depressa, foi até a mãe... chegando na fazenda, não tomou nem água... contou a mãe o que vira no hotel e o que conversou com quem esteve com ele. Tirou da bolsa a cópia da ficha entregando para a mãe dizendo: “mãe, olha isso! A senhora lembra da letra de Feliciano!” A mãe responde: “ claro; não vou esquecer nunca!” E impressionantemente põe a mão na boca sem acreditar, dizendo: “meu Deus! É dele mesmo!” Os dois ficaram ali, atônitos... um olhando para o outro sem acreditar no que estavam vendo... no que estavam tratando... COMO PODE ISSO! UM MORTO HOSPEDAR N´UM HOTEL!

E muitas outras ligações ocorreram, de cidades diferentes... Outros contatos foram feitos; todos certificados pelo irmão e constatadas as informações... COMO PODE ISSO! UM MORTO HOSPEDAR N´UM HOTEL! Isso continuou por muito tempo... Depois de um certo tempo, cessou... Será que isso foi coisa do “encardido”. Cobrando pelo que fez com a mãe! Muita gente conhece essa história e “bate o pé” que é verdade, aconteceu mesmo.

Tirem suas próprias conclusões... E óh, quando deparar com um homem: estatura mediana, atarracado, tez morena, olhar distante e sombrio. Sempre só, ficando nos cantos, calado, vez por outra, balbuciando algumas palavras em tom não audível. Um esquisitão de uns vinte e oito anos; cuidado! Pode ser FELICIANO.