O CASTIGO DA FALSIDADE

Naquela casa à beira da estrada uma pobre senhora vivia entre a vida e a morte. Deitada em seu leito; mal respirava e já não ingeria alimentos a não serem colheradas de leite ingeridos com certa dificuldade.

Na família era feito revezamento velando a pobre coitada que tendo uma enfermidade irreversível o que se esperava era que ela desse o último suspiro e descansasse deste mundo. Mas quando todos acreditavam em sua passagem desta para a outra vida, repentinamente ela abria os olhos e tentava balbuciar palavras que ninguém conseguia entender.

Assim já eram passados mais de 40 dias de tanto sofrimento para a enferma e familiares que não conseguiam entender o porquê que ela não descansava já que não havia a mínima chance de recuperação. Dona Néia como era conhecida teimava em manter-se viva. Algo ela queria falar, mas faltavam forças para que pronunciasse algo que alguém pudesse entender. Dona Néia precisava falar, fazia esforço imenso, a voz não saía. Impressionava a família e visitas que procuravam arrancar dela alguma palavra.

Quase 50 dias eram passados. Sobre o leito o que agora se via era apenas um esqueleto humano de couro e ossos. Muitas pessoas deixaram de visitá-la porque passaram a perder noites de sono com pesadelos. Na verdade não havia músculo em seu corpo. O que se via era apenas pele e ossos; seu rosto era uma caveira horrível, assustadora, que teimava em manter-se viva. Parece que não queria mesmo deixar a família.

E o pior estava ainda por vir.

Depois de 50 dias de sofrimento, aquele esqueleto humano começou a balbuciar palavras de fácil compreensão. Queria descansar, mas o que impedia era a necessidade de perdão. Estava chegando a hora, mas sua falta impedia que ela partisse. Estava tão perto quem poderia aliviar seu sofrimento. Era só perdoar que ela partiria.

Acontece que quando jovem Dona Néia havia levantado um terrível falso testemunho contra José Lucas seu cunhado o qual jurou nunca a perdoar devido a inocência da sua acusação. Que ela podia morrer seca que ele nunca lhe perdoaria. E assim os anos se passaram sem esse perdão, até que ela foi acometida de mal súbito, sendo diagnosticado como um mal sem cura. E assim Dona Néia passou a ficar vegetando sobre seu leito rodeado sempre por familiares que se revezavam dando a ela os devidos cuidados. Ela percebendo que estava próxima do fim queria ser por José Lucas perdoada. Mas ele coração duro resignava em perdoá-la. Era uma rixa antiga nunca perdoada. Por várias vezes ela implorou seu pedido de perdão, mas sempre negado por ele.

Dona Néia entrou em estado de coma. O tempo foi passando. De repente ela apresentava melhora. Qual nada. O que ela queria era pedir que alguém chegasse até José Lucas levando seu pedido de perdão.

Mas ele coração duro, enraivecido, ignorava os pedidos; até dizia enormes palavrões, quando a ela se referia. Foram inúmeras tentativas, nas infelizmente todas em vão. E com isso aumentava o sofrimento da família que pedia a José Lucas que amolecesse seu coração. Perdoasse Dona Neia para que tirasse de todos o peso de tanto sofrimento. O pesadelo de Dona Néia, era agora dividido com os familiares que não deixavam de implorar seu pedido de perdão. Era tudo que ela precisava para descansar e ir em paz.

Passa um dia, passa outro, mais um dia e... Nada. Aquele esqueleto humano precisava ser perdoado do falso testemunho outrora levantado. Estava agora diante da morte, enfrentando o terrível desafio do perdão. E conseguia falar apenas estas palavras: José Lucas vem hoje? E parecia até animada. O que Dona Néia pedia não era nada absurdo. Só queria ser perdoada. Ficar livre. Descansar. Mas como diz o ditado: “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura “José Lucas passou a ter pesadelos em sonho com ela implorando seu perdão”“. Agora ele sentia-se encurralado. Precisava se libertar desses pesadelos e só uma condição era favorável a que ele se libertasse. Atender ao pedido de quem tanto lhe implorava. Ele já não mais resistindo resolveu então tomar uma decisão.

Era uma noite de sábado. Intenso verão. Céu estrelado. As famílias já retornavam de seus afazeres diários e se preparavam para passar noite inteira velando a pobre coitada que permanecia inerte sobre seu leito. Nessa noite todos os familiares revezavam ao redor de seu leito como em sinal de despedida. José Lucas já havia anunciado:

- Se o problema dessa mulher for esse, amanhã ela vai descansar. Eu não queria, mas como todos vocês insistem, vou quebrar o juramento. Tudo contra a minha vontade, mas vou perdoar esta infeliz. Pelo menos ela se vai de uma vez.

No domingo pela manhã havia muita expectativa pela chegada de José Lucas para conceder-lhe o pedido efusivamente implorado.

Entre todos enorme suspense. Até a brisa que soprava de mansinho naquele instante havia parado. Silêncio absoluto. Pessoas entreolhavam como que não querendo entender o motivo de tanta calmaria. Ninguém conseguia pronunciar uma só palavra. Algumas pessoas soluçavam. Era um choro silencioso. Todos ficaram estupefatos. Alguns até se confundiam com seu choro. É de tristeza ou alívio. Estava chegando o momento. E para espanto de todos; aquele esqueleto humano prostrado em seu leito não parava de tagarelar:

- Ele vem hoje!

Esboçava sorriso.

Você já imaginou uma caveira sorrindo? E perguntava:

- Ele já chegou? – onde ele está? Quero falar com ele. Preciso do seu perdão. É só isso! Meu Deus! É chegada a hora! Olha ele chegando!...Era uma cena assustadora porque aquele corpo inerte, já um esqueleto humano há muito tempo não falava desse jeito, e agora tagarelando sem parar!

Era a alegria incontida por estar frente à frente com quem há muito tempo não falava e que agora dependia dele para perdoar sua injúria, calúnia e difamação, o falso testemunho que causou por muitos anos tanta discórdia.

José Lucas acabou de chegar. Ficou estático na porta do quarto contemplando aquele corpo estranho, um esqueleto, coisa nunca visto antes em toda sua vida. Aquela mulher antes disposta, robusta, cheia de vida, estava agora reduzida a um amontoado de ossos sobre o leito de uma cama. Lágrimas escorreram de seus olhos; choro, desespero! Pedia a Deus que amolecesse seu coração. Nunca tinha visto coisa igual. Um esqueleto humano olhando-o fito em seus olhos, pronunciando incessantemente o pedido de perdão, ao que ele após uma pausa, ofegante, suava frio, disse a ela com a voz trêmula e pausada.

-Dona Néia se todo esse teu sofrimento é por causa de mim, a falta do meu perdão; estás livre, te perdoo, vá com Deus, descanse em paz!

Apenas acenou com a mão em sinal de despedida, virou-se saindo do quarto, cambaleando, parecia embriagado. Foi contido por familiares aos prantos, sentou-se numa cadeira, deram-lhe água para beber, o abanaram com leque porque parecia faltar-lhe o ar. Não tinha respiração.

Ficou ali alguns instantes até sentir-se em condições de caminhar.

Despediu-se dos familiares, fez algumas recomendações e saiu porta afora sem olhar para traz.

Para os que ficaram a sensação foi de alivio porque tudo havia ali se consumado. Fim do sofrimento.

Foram 55 dias de luta incansável para ouvir de José Lucas apenas uma palavra: perdoo, ou estás perdoada.

Após receber o pedido de perdão Dona Néia estava agora calma, parecia sorrir, estava aliviada, dirigiu a cada um dos presentes seu olhar como de despedida, uma vela foi colocada em sua mão; ela segurou firmemente, fechou os olhos e morreu.

José Lucas que havia saído em direção à cidade de Aparecida D`doeste não tinha caminhado ainda dois quilômetros quando Dona Néia deu o seu último suspiro.

De súbito formou-se enorme redemoinho que avermelhou toda região com poeira, vento soprando forte, parecia querer levar a velha choupana pelos ares. O chão tremia, arvores foram arrancadas, casa destelhadas, mas a velha casa permaneceu ali, de pé, sem nenhum dano, apenas as pessoas gritavam desesperadas.

De repente tudo voltou à calmaria. As pessoas se entreolhavam como não querendo acreditar no que havia acontecido. Alguns ainda gritavam: Credo em cruz; misericórdia! Nunca vi isso em toda minha vida! Após tudo isso, se iniciou os preparativos para o enterro já que Dona Néia definitivamente havia descansado.

O senhor Martim, carpinteiro e vizinho, homem de bom coração já tratou de construir o caixão de madeira fina. Eram tábuas beneficiadas que já estavam guardadas esperando o momento oportuno. Enfim o caixão estava pronto.

Agora se inicia o cortejo fúnebre.

Naquele caixão tinha agora um esqueleto humano que partia para a sua última morada. Quatro alças presas ao caixão foram seguradas por pessoas que diziam não sentir peso algum. Afinal 55 dias de sofrimento aniquilaram o corpo de Dona Néia restando apenas pele e osso.

Como era costume da época a falecida tinha de ser levada à igreja para recomendação e despedida dos familiares.

Algo inexplicável acontecia naquele momento. As pessoas que tranquilamente seguravam as alças do caixão quase foram ao chão com tanto peso naquele momento. Parece que algo estranho impedia sua entrada na casa de Deus. O caixão parecia pesar 10 vezes mais. Coisa impressionante. Assustadora, mesmo. Muitos correram assustados. Poucas pessoas ficaram ali para conduzir o caixão até o altar. Foi preciso oito pessoas para conduzir até o altar. Quatro de cada lado, e fazendo muita força. Impressionante mesmo!

Aquela força estranha que impedia a entrada na igreja rendia comentários. Qual a explicação? Que foi aquilo? O que aconteceu? Mistério, diziam todos!

A saída foi ainda mais impressionante porque aquele peso enorme desapareceu. Era agora muito mais leve que antes da chegada à porta da igreja.

Assim foi conduzido o funeral para o cemitério local ali perto. Fato consumado, todos retornaram para seus lares espalhando o boato do acontecimento que logo ganhou imensa dimensão. A notícia do acontecido logo ganhou força por toda a região. O que ficou para reflexão de tudo isso é que: Nunca devemos julgar alguém pelo visto ou aparência, pois o castigo pode recair sobre nós mesmos.

Antonio Barros de Moura Filho.

Antonio Barros
Enviado por Antonio Barros em 02/08/2015
Reeditado em 08/08/2015
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