O Apito do Último Guerreiro

Por: Cristóvão Sebastião
 
 
Certa vez em uma tempestade infinita e quase ofuscante pude observar lá, ao além, uma África em que seus dias subsequentes não mais toldavam-se de profundas escuridões; uma África extinguida de homens com corações frios e cuja razão por anos a fio encontrara-se perdida no fundo do mar. Sem manchas nem um único pingo de lágrima sequer molhando a superfície agradável de seus solos. Apenas o reinar de sons de harmonia. Outrossim pude observar o sol do entardecer vagueando como nunca pelo horizonte afora e mesmo até tingindo os imbondeiros mais elevados de um arco-íris cuja cor amarela representava o otimismo, a alegria e sobretudo a luz bela que do norte ao sul, do leste a oeste, tão fantástica e deslumbrantemente sobre todos desprendia graças ao pleno presente.

 Na velocidade da luz rumei para o futuro e retrogradei para o passado mais remoto, para um tempo nunca visto e registrado pelos anais da história. As estrelas ainda brilham lá no alto. Sim, há luar e me vejo contemplando três gaivotas que vagueiam pelos ares, três gaivotas voando livremente naquele céu de cacimbo, de verão, de inverno e de todas as estações climáticas que cobrem o Atlântico desde o amanhecer ao anoitecer.

Um sonho

                Estou encarcerado em meio a um grupo de homens armados até os dentes. Homens disparando kalasnikovs. Aves batendo em retirada. O que vejo é um jovem com pouco mais de quinze anos mas já ensinado a descarregar incontáveis fúrias sobre as balas em cada aperto dos maxilares, em cada ímpeto destemido a favor da desgraça humana. O rapaz disparava loucamente subtraindo as imensas vidas ao redor, subtraindo um pedaço da humanidade inteira. Num instante percebo afinal que tenho a solução, a chave para acabar com tudo naquele mesmo momento. Vozeio vezes sem conta até esvaírem-me as salivas e sou arremetido sem dó nem piedade. Acordo respirando profundamente. As estrelas deixam de brilhar.
           
 
Será que ei de carregar esta culpa para sempre? Quantas vezes em despertares súbitos terei de relembrar este sonho que é como que uma facada no centro de meu peito? Acho que foi mesmo ingratidão de minha parte, pois, se tivesse podido acabar com tudo aquilo em que meus olhos miravam entristecidamente salvaria a África senão o globo todo das mãos de nefastos invasores, homens que lançam paracucas com o polegar ao redor da fogueira e gargalham ininterruptamente diante dos pobres.

Um sonho

            Desta vez parece tudo diferente. Me vejo caminhando sobre as fagulhas do tempo e consigo ver novamente as três gaivotas que tempos atrás nunca sequer deixavam de cruzar o céu azul brilhado com as estrelas, com a luz do sol. Logo descubro que afinal sou um guerreiro valente no corpo de um pequeno herói. Seguro as chaves da liberdade e jogo-as para o mar e ocorre tamanha luz de cegar os olhos. As crianças voltam a sorrir em número absoluto e assistem o retomar do novo luar. Desperto.

Uma vozinha sussurra ao meu ouvido: Tu és o guerreiro Madibao último guerreiro de quem ouvimos falar.
 
 

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Contadores de Histórias
Enviado por Contadores de Histórias em 13/04/2015
Reeditado em 18/05/2015
Código do texto: T5205548
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