O LAGO SINISTRO

"Por causa da rosa, a erva daninha acaba sendo regada."

- Provérbio Árabe

Uma voz doce e macia invadiu o quarto do pequeno David, despertando-o de um sono profundo. Ele ficou deitado na cama com os olhos abertos enxergando a penumbra do ambiente, esperando para ouvir novamente a voz que imaginara ser a da sua mãe.

Nada aconteceu!

Concluiu que era tudo fruto de um sonho. Fechou os olhos e voltou a dormir. Quando pegava no sono, a voz novamente tocou seu ouvido, chamando-lhe.

“David, venha cá”.

Pulou da cama assustado e foi até o quarto da mãe. Abriu a porta devagarzinho, fazendo-a ranger, acendeu a luz e perguntou-lhe:

- Me chamou?

A mãe acordou irritada.

- Moleque, isso é hora de me acordar?

Olhou para o relógio e gritou enraivecida.

-Duas horas da manhã! Volte para cama, já!

David acatou a ordem e voltou para o quarto. Sentia o frio do chão tocar-lhe os pés. No meio do caminho, percebeu que a porta da sala estava aberta e resolveu fechá-la. Pensara, por um instante, na voz. Estava um pouco confuso, sentiu medo. Foi muito real!

Deu uma espiada no quintal escuro. Não estava tão escuro assim, pois havia uma lua cheia minimizando o negrume da noite. Um vento fraco conseguia balançar as roupas do varal. O cheiro de eucalipto era delicioso naquele horário e uma orquestra de pequenos insetos tocava nos palcos da mata.

Olhou mais para baixo e viu o lago. Ele refletia a imagem da lua e estava imponente naquela noite, ofuscando e transformando em escuridão tudo que havia em seu redor. Sentiu vontade de nadar, como fizera em todo mês de dezembro.

De repente, ele percebeu algo que cintilava na borda do lago. Apertou mais os olhos, inclinou a cabeça para fora da casa e se deteve naquela imagem incógnita. Parecia uma figura humana. Uma mulher de vestido azul que flutuava no ar!

Tentou fechar a porta, mas ficou sem forças. Sentiu-se atraído em sair lá fora. Maldita curiosidade!

A mulher começou a chama-lo. “David, venha cá”.

O garoto não resistiu e foi em direção ao lago. Aquela voz era macia, hipnotizante. Doce como um som que sai de uma flauta. Não lhe incutiu medo algum.

David caminhava cautelosamente, calculando suas pegadas. Qualquer inconveniente, era só virar de costas e correr para dentro. Quando estava se aproximando da borda do lago, a mulher desapareceu. Ele resolveu se beliscar, mas não era um sonho. Chegou ao lago.

Estava silencioso, nenhum sinal de alma viva. Abaixou-se e ficou na posição de cócoras brincando com a água fresca. A distração foi interrompida porque uma pequena pedra foi lançada no meio do lago, fazendo com que David se levantasse e olhasse para o outro lado da margem.

A imagem da mulher estava novamente lá, mas não cintilava como antes. Ela carregava um embrulho nos braços. O garoto conseguiu enxergar o que era: um Playstation 4. O objeto era o seu maior sonho de consumo, uma vontade fora do comum, porém a sua família não tinha condições alguma de lhe comprar um.

A desconhecida colocou o pacote de Playstation 4 ao chão e sumiu mata adentro. David tinha a chance agora de ter um vídeo game. Era só nadar até o outro lado, pegar o embrulho, nadar novamente e correr para dentro. Concluíra que era simples.

Pulou na água e começou a nadar. No meio do lago, sentiu uma leve mordida em suas coxas. Começou a nadar mais rápido batendo suas pernas freneticamente. Outra mordida foi sentida, mas no pé. O desespero lhe tomou conta. Antes de chegar a margem, uma série de mordidas o puxava violentamente para as profundezas do lago. O garoto começou a perder as forças, debatia-se em vão tentando se livrar dos milhares de agressores. Antes de perder a consciência, viu a mulher sorrindo e dando-lhe tchau.

No dia seguinte, um velho pescador da vila bate na porta da casa de David. Uma senhora atende.

- Bom dia, senhora.

- Bom dia.

- A senhora, por acaso, tem um garoto de mais ou menos dez anos?

- Sim, por que?

- E ele está ai com vocês?

- Sim.

- Gostaria de falar com ele.

A mãe chamou por David e ele não apareceu. Foi até o quarto e entrou em desespero.

- O que o senhor fez com meu filho?

- Senhora, escuta, pode me acompanhar, por favor. Precisamos averiguar algo que ocorreu ontem em nosso lago.

A mãe entrou em aflição. Sentiu em seu coração materno que algo havia acontecido com seu filho. Chegou rápido ao lago que o pescador havia indicado. Tinha um pequeno grupo de pessoas e algo coberto com uma lona azul. Todos estavam quietos, incrédulos com o que haviam visto.

O velho pescador desenrolou trêmulo a lona e um esqueleto de uma criança ficou à mostra. Sem titubear e com muita cautela perguntou à pobre mãe.

- Dona, reconhece essas roupas?

A mãe começou a gritar e chorar desesperadamente. Alguns parentes correu e amparou a infeliz.

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Conta-se que toda noite de lua cheia, as pessoas que moram próximo ao lago escutam alguém nadando por lá à meia noite. Será a alma do garoto presa nas entranhas...do lago?

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