Laço Rosa de Cetim
(Douglas Moreira)
(Douglas Moreira)
Ele andava perdido pela cidade, ia rápido e mais parecia um robozinho de chumbo a dar passos apressados do que um homem que mal passara da meia-idade. Usava um chapéu negro e redondo enterrado na cabeça, algumas mechas negras caiam por baixo dele. Tinha sobrancelhas grossas, olhos escuros, um bigode preto, e pele branca demais, Tinha um ar por vezes engraçado, outras um pouco confuso. Mas de todos os modos era uma face convidativa e amável, por fim.
A cidade estava cheia, com pessoas a andar pela rua, apressadas. A paisagem preta e branca era tão imutável quanto as feições esculpidas das pessoas. Mas ele não, se destacava na multidão. O seu ar engraçado coloria a cena e a fazia parecer mais tenra.
Até que... contradizendo a todos que ali passavam, ele avistou, lá no fundo, um ser tão singular quanto si. Trajava um vestido rosa claro, uma meia calça branca e... sapatilhas. Ora, que inquietação na alma. Quase morreu de amores.
Uma bailarina, disse ele, despido de qualquer som que a voz pudesse fazer reverberar no ar. Foi apenas um movimento rápido de lábios cinzentos e um gracejar de sobrancelhas em meio às rugas do cenho. Fez um movimento rápido — quase teatral — de cabeça e se pôs a andar tal qual um pinguim. — A roupinha engomada não negava a comparação. — Chegando perto, a bailarina que usava um lacinho rosa em cetim nas mechas, se levantou com o movimento gracioso de um pavão a exibir as penas à fêmea.
A olhou começar o primeiro giro do dia, e naquele momento o sol raiou rosa e com laços de cetim no céu trajado em manto azul de dia a pouco iniciado. Nada podia ser tão genuíno, belo e tão singular quantos os dois ali — ele com cara de bobo e boquiaberto; ela com uma expressão ensaiada e serena de uma jovialidade invejável.
Antes de tocar o pé direito no chão e desarmar os braços em forma de arco, ela o notou, e com certa inocência o encarou como criança a ver um animal do mais fofo pela primeira vez. Com cenho franzido e olhos cintilantes de pura perplexidade, ela traçou um sorriso tecido a surpresa na face pintada de branco.
A boca dele mexeu sem som, mas ela captou algo com “ Oi... U... Arlie... a..lin”
“Que será?” pensou ela. Mas sua expressão então se explodiu em surpresa e ela fez um “Ahhh” com os olhos cintilantes. Também disse algo, muda também.
“Ella” foi o que ele captou em seus movimentos.
Cansados de apenas expressões teatrais eles logo se aproximaram, com movimentos ensaiados e quase dançados, chegaram perto um do outro. Ele esticou os braços a ela, que pegou com um sorriso ansioso na face. Valsaram levemente por sobre o palco de pedra que era o cenário que se encontravam.
O mundo preto e branco era lentamente pintado no rosa-claro do vestido daquela moça. O palácio de pedra, nomeado cidade, se encurvou diante de tal beleza que se transmutava em tons femininos e risos de graça.
Ele a olhou, com a cabeça torta de águia curiosa, e fitou-a fundo nos olhos cinzentos. Como era linda, como podia ser tão única e tão ela... tão.... “MIRELLA”. Foi isso que ouvira, talvez seu nome fosse Mirella. Ele disse o nome, ainda sem voz, mas o disse. Ela assentiu com a cabeça, um tremelicar de empolgação.
Que tenro amor aquele... Surgira tão rápido. Tão inesperado. Tão tênue.
Ele aproximou sua face da dela e sentiu seu cheiro doce, olhou seu corpo a arfar em som mudo, seus movimentos pomposos a exalar tons de rosa, então uma lágrima incolor — como sempre — apareceu como uma joia na borda dos olhos.
Então ele foi até o encontro de seus lábios... molhados, macios, cálidos e doces. Um beijo para a eternidade... mas não havia eternidade qualquer nesta vida efêmera. Os corpos se uniram naquele singelo ato, sentiram a quentura um do outro, o íntimo da língua a se chocar com a outra e o roçar dos narizes pintados.
Foi ai que ele caiu ao chão... Sua expressão ficou vazia e distante. Sua felicidade ensaiada se desfez e ele virou uma máscara de teatro grego.
Ela correu ao chão em seu encontro. Tinha movimentos rápidos e graciosos. Mas uma inquietação nos gestos.
E... Contradizendo qualquer lei do cinema mudo ela foi até ele e gritou com um sotaque russo... ou era francês?
— Charles!!! — puxava a letra R quando falava.
Nada. Seus olhos ainda fitavam o céu vazio, e sua pele branca parecia ainda mais pálida e distante.
— Charles — sacudia-o— Charles Chaplin!!!
Mas ele ficou parado ali, sem qualquer vida ou qualquer coisa daquela existência magnífica que tivera. Seu fortúnio insólito logo se transformara .E por fim, Chaplin... Charles Chaplin...
Morreu de amores por ela
A cidade estava cheia, com pessoas a andar pela rua, apressadas. A paisagem preta e branca era tão imutável quanto as feições esculpidas das pessoas. Mas ele não, se destacava na multidão. O seu ar engraçado coloria a cena e a fazia parecer mais tenra.
Até que... contradizendo a todos que ali passavam, ele avistou, lá no fundo, um ser tão singular quanto si. Trajava um vestido rosa claro, uma meia calça branca e... sapatilhas. Ora, que inquietação na alma. Quase morreu de amores.
Uma bailarina, disse ele, despido de qualquer som que a voz pudesse fazer reverberar no ar. Foi apenas um movimento rápido de lábios cinzentos e um gracejar de sobrancelhas em meio às rugas do cenho. Fez um movimento rápido — quase teatral — de cabeça e se pôs a andar tal qual um pinguim. — A roupinha engomada não negava a comparação. — Chegando perto, a bailarina que usava um lacinho rosa em cetim nas mechas, se levantou com o movimento gracioso de um pavão a exibir as penas à fêmea.
A olhou começar o primeiro giro do dia, e naquele momento o sol raiou rosa e com laços de cetim no céu trajado em manto azul de dia a pouco iniciado. Nada podia ser tão genuíno, belo e tão singular quantos os dois ali — ele com cara de bobo e boquiaberto; ela com uma expressão ensaiada e serena de uma jovialidade invejável.
Antes de tocar o pé direito no chão e desarmar os braços em forma de arco, ela o notou, e com certa inocência o encarou como criança a ver um animal do mais fofo pela primeira vez. Com cenho franzido e olhos cintilantes de pura perplexidade, ela traçou um sorriso tecido a surpresa na face pintada de branco.
A boca dele mexeu sem som, mas ela captou algo com “ Oi... U... Arlie... a..lin”
“Que será?” pensou ela. Mas sua expressão então se explodiu em surpresa e ela fez um “Ahhh” com os olhos cintilantes. Também disse algo, muda também.
“Ella” foi o que ele captou em seus movimentos.
Cansados de apenas expressões teatrais eles logo se aproximaram, com movimentos ensaiados e quase dançados, chegaram perto um do outro. Ele esticou os braços a ela, que pegou com um sorriso ansioso na face. Valsaram levemente por sobre o palco de pedra que era o cenário que se encontravam.
O mundo preto e branco era lentamente pintado no rosa-claro do vestido daquela moça. O palácio de pedra, nomeado cidade, se encurvou diante de tal beleza que se transmutava em tons femininos e risos de graça.
Ele a olhou, com a cabeça torta de águia curiosa, e fitou-a fundo nos olhos cinzentos. Como era linda, como podia ser tão única e tão ela... tão.... “MIRELLA”. Foi isso que ouvira, talvez seu nome fosse Mirella. Ele disse o nome, ainda sem voz, mas o disse. Ela assentiu com a cabeça, um tremelicar de empolgação.
Que tenro amor aquele... Surgira tão rápido. Tão inesperado. Tão tênue.
Ele aproximou sua face da dela e sentiu seu cheiro doce, olhou seu corpo a arfar em som mudo, seus movimentos pomposos a exalar tons de rosa, então uma lágrima incolor — como sempre — apareceu como uma joia na borda dos olhos.
Então ele foi até o encontro de seus lábios... molhados, macios, cálidos e doces. Um beijo para a eternidade... mas não havia eternidade qualquer nesta vida efêmera. Os corpos se uniram naquele singelo ato, sentiram a quentura um do outro, o íntimo da língua a se chocar com a outra e o roçar dos narizes pintados.
Foi ai que ele caiu ao chão... Sua expressão ficou vazia e distante. Sua felicidade ensaiada se desfez e ele virou uma máscara de teatro grego.
Ela correu ao chão em seu encontro. Tinha movimentos rápidos e graciosos. Mas uma inquietação nos gestos.
E... Contradizendo qualquer lei do cinema mudo ela foi até ele e gritou com um sotaque russo... ou era francês?
— Charles!!! — puxava a letra R quando falava.
Nada. Seus olhos ainda fitavam o céu vazio, e sua pele branca parecia ainda mais pálida e distante.
— Charles — sacudia-o— Charles Chaplin!!!
Mas ele ficou parado ali, sem qualquer vida ou qualquer coisa daquela existência magnífica que tivera. Seu fortúnio insólito logo se transformara .E por fim, Chaplin... Charles Chaplin...
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