Dor de Sangue
(Jéssica Stewart)

Estou viva. Felizmente? Não. É assim que ele me quer.
Mãos, quentes e ásperas, entrelaçam-se em meu pescoço. Acariciam
o local como forma de conforto, trazem paz em um momento tão turbulento. Será minha salvação? Seguro uma lágrima que começa a se formar.
Não pode saber que ainda vivo.
O mesmo ser que me amparava, lança suas garras sobre mim.
Sufoca-me sofregamente. Sinto minha pulsação se esvair aos poucos...
Meu cérebro começa a palpitar de forma desordenada.
Unhas imensas lesionam minha pele desejosamente. Dor. O cheiro de
ferrugem me golpeia, nauseia-me. Sangue. O líquido espesso escorre
febril por minha derme de forma invasiva. Queima à medida que entra em contato com a superfície cutânea. Há veneno diluído em minhas veias.
A consciência tenta me abandonar, contudo, agarro-me ao último resquício de lucidez. As mãos se soltam, mas o local danificado continua a latejar e a me castigar cada vez mais.
"Abra os olhos" sussurra, instigante, em meus ouvidos. Não! Consigo me controlar.
Um golpe me atinge no tórax. Sinto estalos em meu interior, indicando que algo ali foi quebrado. Há sangue escorrendo por minha boca que goteja, lentamente de encontro ao chão. Provavelmente, um órgão foi perfurado. Meus pulmões parecem não funcionar. Respirar é como me afogar cada vez mais na dor, que me dilacera paulatinamente. Sinto o desejo de apalpar o local, de me sentir intacta e sã... No entanto, minhas mãos estão atadas acima da cabeça, pendendo-me aoteto. Quero tossir, expelir todo o fluido, porém estou fraca demais para manifestar qualquer ação. Não há como resistir. Começo a me entregar à dor e a desejar que minha morte se antecipe.
Um momento de alívio surge repentinamente. Nada ocorre. Nada
sinto. Toda a dor que antes me assolava, desapareceu como uma
passageira brisa invernal.
Por que eu?
Sinto algo frio em meus pés. Um líquido denso envolve o membro no
mesmo lugar. Uma dor excruciante me atinge e logo percebo que meus dedos estão sendo cortados, mas não emito qualquer som. Não posso transparecer meus sinais vitais. Mordo a língua. Libero mais sangue. Tento resistir com um único desejo em mente: não deixá-lo me usar, seja para o que for. Minha morte será minha libertação e minha vingança.
Por que eu?
Há uma goteira que cai aflitivamente em minha testa. Labaredas
lambem a sola dos meus pés, que não encostam no chão. O suor ensopa minhas roupas maltratadas.
"Abra os olhos" diz novamente. Não!
Por que eu?
Uma risada insólita invade o ambiente, e um calafrio percorre
toda a extensão de minha coluna cervical, atingindo os membros
inferiores.
Outro golpe me atinge, dessa vez nas costas. Perco o ar
instantaneamente. Sinto-me tonta, a ponto de desmaiar a qualquer
momento. Meu sistema nervoso havia sido danificado, ou era mera
ilusão? A dor aumenta progressivamente, e logo constato que o veneno começou a dar sinais.
Arfo em desespero, evidenciando à meu torturador que ainda vivia.
Percebo a felicidade no ritmo de seu andar, que logo se transforma em uma canção antiga que me lembra os tempos de criança. 
Há um cheiro peculiar no local, como uma mistura entre gás
carbônico e corpos em putrefação. Quero tossir, mas meus pulmões não respondem, forçando-me a inalar aquele ar impuro que me enfraquece cada vez mais. O calor se torna insuportável, enquanto o suor é liberado cada vez mais do meu corpo.
Por que eu?
"Abra os olhos". Jamais. "Abra os olhos, abra os olhos, abra os
olhos, abra os olhos...". A fala se transforma em um mantra. Reverbera em minha mente. Estou cansada, exausta... Não quero mais retardar o inevitável. Perdi o jogo, e com isso se vai a minha esperança em morrer em paz. Meu último desejo fora negado, minha alma escravizada.
Suspiro, exasperada. Não há saída, não há... Por que eu?
Abro os olhos.
Vejo, através de uma visão turva, o rosto que outrora dissera me
amar. Sorri com olhos ardentes, dentes a mostra. Uma mistura de figura grotesca, o rosto rasgado por cicatrizes, trajada de negro, com doces memórias da infância. Meu pai.
Solto um grito de horror que rasga minha garganta. Libero
lágrimas de dor que me sufocam cada vez mais. Não consigo respirar... 
Não consigo se quer pensar.
O ambiente está em chamas.
Vejo meu pai a sorrir por entre as labaredas ávidas para consumir
qualquer coisa.
Meu corpo se incendeia.
Fecho os olhos e espero a consciência me abandonar.

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Contadores de Histórias
Enviado por Contadores de Histórias em 30/10/2014
Reeditado em 23/11/2014
Código do texto: T5017535
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