Doce Solidão

A chama do cigarro chega até os meus dedos, indicando que sua vida útil já chegou ao fim. Deixo aquela guimba no cinzeiro e tento me erguer da cadeira, mas o cansaço não permite.

Sentado no escuro da sala, vejo a chuva cair lá fora e, pela primeira vez, reparo como é calmante o seu som. O frio se apossa de mim e eu não faço nada para que ele saia.

Não consigo enxergá-la, mas sei que a solidão está sentada ao meu lado. Desde que me entreguei a ela, nunca mais vivi sozinho. Irônico, não? Pois é, há alguns meses ela vem sendo a única companhia que tenho. Nunca faça isso. Nunca se entregue àquilo que não conhece, por que tenho certeza que irá se arrepender.

A solidão é ciumenta, tanto que por causa dela, perdi todos meus amigos. Ah, amigos. Como sinto saudades disso. Eu tinha amigos! Pessoas que me amavam e que sempre estavam do meu lado. Eu podia rir ou chorar que eles estariam ali comigo.

Eu os perdi. Caí nas garras da tristeza e deixei que o cigarro e o uísque comandassem minha pobre vida. Tinha esperança de ter amigos novamente, mas não passou de uma faísca querendo virar incêndio. Não foi pra frente. Não deu certo.

Hoje estou aqui triste, mas o que importa é que estou com ela. A adorável solidão. Aquela visita que chega quando você menos espera e nunca vai embora. Aquela que depois de arrancar tudo que você tem, continua ali fingindo que te ama. Sei que ela quer me destruir — mais? —, e sei também que quem olhar nos meus olhos, irá perceber que estou sendo devorado, de pouco a pouco.

A solidão me apresentou a tristeza, outra grande amiga minha. E hoje é o dia que eu irei conhecer o famoso suicídio. Fiquei com medo dele para falar a verdade, mas elas disseram que ele é legal e único. Assim espero.

Meu sorriso é tão forçado que chega doer minha alma quando o faço. Saudades felicidade. Saudades sentir aquele suor transpirando de mim quando eu dava boas gargalhadas, daquelas de perder o fôlego.

Finalmente me ergui daquela cadeira e cá estou na varanda do meu apartamento, sentindo a chuva abusar do meu corpo. Sentado no muro de proteção com minhas amigas eu converso. Engraçado é que os vizinhos me olham como se eu fosse louco, parece que eles não enxergam com quem tanto falo.

“Ele está lá embaixo” disseram elas. Então eu ri, finalmente irei conhecer o suicídio. Foi então que pulei ao encontro dele.

Em queda livre, me sinto como a chama de um cigarro. Sempre me aproximando do toco. Sei que quando chegar até ele, causará dor em alguém. Mas não há quem sinta isso por mim, então quando eu chegar até o chão, a dor será somente minha e do suicídio.

Pela primeira vez em meses senti que a felicidade estava ali, caindo junto comigo. Então sorri, sorri de verdade, por que naquele momento eu realmente estava sendo feliz.

Assim que cheguei ao chão, abracei o suicídio com todas minhas forças e senti minha alma sendo levada. Meu corpo ficará para a podridão, um presente para laçar a nossa amizade verdadeira.

Ricardo Coutins
Enviado por Ricardo Coutins em 13/05/2014
Reeditado em 14/06/2015
Código do texto: T4805482
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