A Casa Velha #2

2013

Enfim decidimos terminar a conversa em outro lugar, pedi a conta ao garçom e nos dirigimos ao caixa para pagar:

- Então vocês já haviam visitado a casa anteriormente? - Perguntou Clara pensando em algo que não queria me dizer.

- Como eu disse, até o portão somente.

Ela se posicionou e entregou o cartão de crédito para o rapaz do outro lado do balcão, eu não tive reação contrária, afinal ela sabia da minha situação financeira:

- E porque decidiram que iriam entrar no lugar? - Disse em tom de indignação.

- Olha Clara, não é como se eu estivesse realmente no controle da situação, éramos crianças, eu não saberia te dizer o que realmente nos motivou àquilo. - Por mais que eu tivesse a tal resposta que ela queria, não faria sentido falar agora. - E nada que eu dissesse agora para você iria mudar o fato! Foi burrice entrar naquele lugar, porém ao mesmo tempo foi inocência nossa, nunca imaginaríamos, nem sequer hoje, que um lugar aparentemente abandonado, fosse lar de algo inexplicável!

Ela pareceu chocada:

- Não acredito de verdade que algo inexplicável tenha acontecido naquela casa. - Disse pegando de volta o cartão e guardando na bolsa, desviando a atenção alguns segundos.

- Não vou discutir isso com você. - E realmente não iria, ela provavelmente havia passado por muita terapia para se convencer de que o que aconteceu naquela casa tinha uma explicação lógica. - Porém você voltou por algum motivo.

- Sim. - Afirmou ela. - Eu voltei porque algo ainda me instiga.

- Não só a você, e nós decidimos fazer algo a respeito disso.

Capítulo 2 - A estrada de noite.

- 2001 -

Alguns dias se passaram, e outro assunto não existia mais em nossas conversas. A casa velha fazia parte do nosso dia-a-dia, dos nossos pensamentos e o mais importante, dos nossos planos:

- Vai dar certo! Eu prometo! - Eu insisti para todos. - Sexta-feira meus pais vão sair, e só voltam domingo! Algum tipo de viagem deles, e nesse dia vocês falam que vão dormir lá em casa!

- Mas e se minha mãe pedir para falar com a sua? - Perguntou Rafael.

- Já pensei nisso! Minha prima Bruna vai dormir na minha casa sexta.

Estava tudo planejado, na noite de sexta feira iriamos todos nos reunir em casa, e umas 20 horas ou até antes iriamos todos até a casa.

Felipe (nosso amigo mais velho, aquele que havia me apresentado a Clara) nos ajudou a convencer os pais dela a deixar ela dormir supostamente na casa da Bruna, fazendo assim com que Clara viesse conosco.

Na manha de sexta feira, na escola, foi quando Clara confirmou:

- Não sei que mágica vocês fizeram, e também não entendi o porque da mãe da Bruna ter ajudado a gente, mas conseguimos! Vou "dormir" na sua casa hoje. - Disse ela com um sorriso radiante e encantador.

- A mãe da Bruna é gente fina. - Era mentira, a mãe da Bruna havia apoiado porque ela sabia que eu gostava da Clara, e sabia que era uma ótima oportunidade de algo bom acontecer.

Definitivamente Clara foi minha primeira paixão, e seria incrível tê-la presente na nossa aventura até a casa velha.

Passamos o dia na escola ansiosos para a grande noite, nos despedimos ao meio dia e marcamos de todos se encontrarem na minha casa as 18 horas, quando meus pais enfim viajariam:

- Eu peguei uma lanterna emprestada com o Thiago da sala C. - Disse meu irmão Gabriel no caminho de casa.

- Boa ideia! Eu realmente não tinha me ligado nisso, seria legal se pegássemos os walk talk do tio Claudio!

E assim foi, passamos rapidamente na casa do nosso tio e inventamos qualquer desculpa esfarrapada para pegar os walk talks; Nossa família era muita unida e confiavam bastante que não iríamos estragar nada:

- Pena ele só ter três, lembro dele ter comprado dois pares. - Comentei com Gabriel.

- Pois é, bom quando todos chegarem nós dividimos certinho, foi uma ótima ideia a nossa!

E assim foi, passamos a tarde fingindo para nossos pais que nos comportaríamos:

- Nada de se entupir de besteiras e incomodares os vizinhos, estou confiando em vocês! - Disse nossa mãe pouco antes de sair.

- Ainda não sei como conseguiram nos convencer de não chamar a vó de vocês... Bom, que seja, é um voto de confiança, afinal já são dois rapazes. - Disse nosso pai.

Se despediram e saíram com o carro por volta das 17 horas.

Eu e Gabriel corremos para os quartos e pegamos nossas mochilas, colocamos garrafinhas de água, duas lanternas, duas blusas e descemos para esperar o pessoal, enquanto esperávamos configuramos os três walk talks para se comunicarem entre si:

- Bom, acho que é isso. Botão A, B e C.

Gabriel sorriu:

- Estou ansioso maninho, vai ser como quando brincamos de investigação e de heróis, porém agora é de verdade!

Gabriel nunca havia demonstrado muitos traços de felicidade, era deslocado, quieto, por muito incompreendido, porém nos dávamos muito bem, e eu estava feliz de vê-lo empolgado.

Não demorou muito e o interfone tocou, dei um sinal com os olhos para Gabriel abrir o portão, e logo ele Luis, Rafael, Felipe e Lucas entraram na casa, cada um com sua respectiva mochila:

- Eu trouxe uns amendoins, chocolate e uma lanterna. - Disse Rafael abrindo a mochila.

- Bem, com isso são três lanternas já! - Comentei.

Lucas abriu a mochila e disse:

- E eu trouxe uma câmera, pra gente registrar o momento de alguma forma!

Estranhei aquilo, na nossa época de criança não era como hoje em dia, as câmeras necessitavam filme, e o filme custava caro para nós:

- Quem te deu filme? - Perguntei.

- Se eu te contar vou ter que te matar! - E todos riram da piada e eu me contentei e parar por ali.

- Eu não trouxe nada demais, apenas blusa. - Comentaram Luis e Felipe.

- Bom, que horas as meninas chegam? - Perguntou Rafael.

- Umas 19 ou 20h, fiquei sabendo que a Giullia vem também, confere Paulo? - Perguntou Luis.

- Ninguém me falou nada, a Bruna disse algo?

Giullia era a melhor amiga de Bruna, praticamente inseparáveis, ambas eram do mesmo colégio que nós, assim como Clara e todos os meninos.

Eu e Giullia já fomos muito próximos antes da Clara aparecer, porém de umas semanas pra cá nos distanciamos mais, talvez pelo fato da minha amizade com a Clara estar dando certo demais:

- Bom, a Bruna vindo pra mim já ta bom. - Comentou Lucas, que tinha uma queda por ela.

E não demorou muito para as meninas chegarem, estávamos jogando video game quando a campainha tocou e Gabriel foi abrir o portão para elas.

Estavam lindas, elas definitivamente não estavam vestidas como pessoas que estavam prestes a entrar em uma casa abandonada:

- Tanta maquiagem para serem assombradas? - Riu Lucas se aproximando da Bruna e dando uma cutucada nela, que ficou corada.

- Você já nos viu feia alguma vez por acaso? - Disse Giullia, que sempre fora vaidosa, e sabia que era bonita.

- Só todos os dias. - Disse Gabriel e todos rimos.

E arrumamos os últimos preparativos e partimos em direção a casa.

Lucas e Felipe iam na frente com as bicicletas para se certificarem que estava tudo bem e que realmente a casa estava abandonada:

- Olha, pega esse walktalk e nos falamos através deles, o alcance é muito bom, pra falar comigo vocês seguram o botão A e só soltem para ouvir eu falar. - Entreguei o Walktalk B para Lucas.

Ambos pegaram as bicicletas e partiram na frente rapidamente, logo sumindo do nosso campo de visão:

- E qual o plano? - Rafael perguntou se dirigindo a mim enquanto todos caminhavam para uma rua alternativa, longe da casa de todos, a caminho da casa velha.

- Bom, é simples. Quando chegarmos pulamos o portão e nos dividimos em grupos de três para explorar, três grupos de três para ser mais exato.

- Já sei, é o número de walk talk que você tem? - Perguntou Luis.

- Exato, os grupos serão balanceados, uma menina por grupo, e um de cada função também.

- Função? - Perguntou Clara.

- É... Deixa pra lá. - Falei envergonhado, me sentindo muito infantil.

- Entendo... Deixe-me adivinhar. - Disse Rafael, sempre sagaz. - Grupo A seremos Eu, você e a Clara?

Rafael me conhecia muito bem, e havia acertado. Afinal Rafael já tinha namorada e ele e Clara se davam muito bem, ele sabia que Clara não ficaria envergonhada perto dele.

Também sabia que eu confiava nele mais do que em qualquer outro, e que me sentia seguro próximo dele, e por fim estaríamos balanceados o bastante ali:

- E o time B? - Desafiei Rafael a acertar.

- Bom... Gabriel, Lucas e Bruna? - Chutou Rafael, e acertou novamente.

Era simples, Lucas gostava da Bruna, e a Bruna era um pouco mais velha, com seus 13 anos, e por ser nossa parente e responsável, deixaria Gabriel com ela.

Não que Gabriel precisa-se de alguém para cuidar dele, pelo contrário, porém eu não me sentia mal de não ficar junto dele ele estando com a Bruna:

- Acertou, e por fim o time C com Giullia, Luis e Felipe. - A razão obvia, Luis era interessado na Giullia, e Felipe não se importaria em ficar com eles, era muito amigo de Luis para se importar e torcia pelo sucesso do colega.

Estávamos naquela grande subida em frente a praça quando o walk talk tocou, e eu atendi:

- Estou ouvindo.

- Eai mano, chegamos aqui! - Disse Lucas ofegante. - Tudo muito escuro, tive que ligar a lanterna que o Gabriel me emprestou já, aparentemente tudo limpo!

Lembro de ter refletido naquele momento, eles estavam na estrada de terra, no portão da casa, e já era necessária a lanterna?

Engoli seco e respondi:

- Ainda estamos aqui no bairro, naquela subida, incrível como sem bicicleta tudo é muito mais longe! Quando estivermos chegando ligo de novo.

- Câmbio. - Disse Lucas rindo. - Sempre quis falar isso.

E desligou e continuamos andando.

Quando estávamos no topo da subida, foi possível ter uma noção da escuridão quando estrássemos na estrada em direção a casa, com o término da luz dos postes da rua, tudo se tornava um breu eterno, a escuridão era forte, forte como nunca imaginávamos, nós que somos criados em lugares com eletricidade. Continuamos andando.

Entramos na estrada beirando a cerca de madeira, dei uma olhadela para o Rafael e desacelerei o passo, forçando Clara a fazer o mesmo, até nos distanciarmos um pouco do resto do grupo, que passou a frente, entendendo a situação:

- Você está unicamente linda hoje. - Sorri para ela.

- E você sempre muito poeta. - E me beijou no rosto, me fazendo corar extremamente.

Clara era meiga, porém extremamente corajosa. Me fascinava a forma como ela agia sem medo perante a situações que me deixavam sem ter o que falar, Felipe disse que ela era assim apenas comigo, que cortava os outros meninos imediatamente:

- Deixo você me abraçar se estiver com medo. - Disse dando um sorriso malicioso.

- Deixa é? Eu que não vou deixar você me abraçar quando estiver com medo! E certamente irá ficar! - E riu, de um forma doce, não de uma forma sarcástica.

Dei um sorriso embaraçado:

- Claro que eu estou brincando, não pretendo desgrudar de você essa noite. - Disse ela pegando na minha mão.

- E eu não pretendo desgrudar de você na minha vida... - Disse bem baixo, porém ela havia me ouvido, se aproximou de mim colocando a cabeça no meu ombro.

E assim fomos andando até metade da estrada:

- Ali. - Apontou Rafael. - A estradinha de terra que da para a casa!

Realmente, de bicicleta parecia que a casa velha era muito próxima da nossa, bobagem. A pé nós tivemos a real dimensão da distância, que era muita, eu diria três a quatro quilômetros de distância.

Liguei o walk talk:

- Tata? - Era como chamávamos o Lucas, os mais próximos.

Estranhamente não obtivemos resposta, e todos olharam intrigados entre si, naquela estrada escura.

Clara apertou levemente minha mão, e eu tentei novamente:

- Tata? - E novamente sem resposta.

- Tenta uma terceira vez, o tira teima. - Disse Luis.

Eu tentei uma terceira vez, e como eu esperava, sem resposta.

Paramos de caminhar todos, nos olhando entre si, eu percebi aquele leve medo chegando àquela roda de amigos, parados em meio ao breu, na estrada de noite.

Pedro Kakaz
Enviado por Pedro Kakaz em 26/09/2013
Código do texto: T4498587
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