O DIABO DO AERO RANCHO...

Alguns anos atrás, não existiam pontes ligando as partes alta e baixa do Aero Rancho, periferia de Campo Grande...
As ruas do bairro não eram asfaltadas. Eram escuras. Cheias de buracos. Quando chovia, a lama que descia do Tijuca, do São Jorge, do Batistão, invadia as casas. Era o caos total...
Naqueles dias, existiam duas passagens, duas passarelas, sobrepujando o córrego Anhanduizinho. Facilitavam a vida de trabalhadores. Dos estudantes que precisavam atravessar o riacho e chegar até a Rodovia onde pegavam ônibus em direção à cidade...
Foi então que apareceu Pantera...
Bandido da pesada...
Fugido de Corumbá. Procurado pela polícia. Traficante de drogas. Quadrilheiro. Raptor de menores...
Folha corrida bem extensa para seus 18 anos...
Como ele mesmo dizia quando queria negociar com a policia: “Sou quase... um menor!”...
Foragido da justiça, o meliante esperava a fumaça baixar para poder voltar para a Cidade Branca. Continuar sua carreira de marginal. Enquanto isso não acontecia, pensava que ficando na capital seria mais fácil se esconder. Uma cidade bem maior, com muitos bairros, onde podia deambular sem ser descoberto...
Para despistar, o meliante tentou achar um serviço, um bico qualquer, com registro em carteira, alguma coisa onde pudesse descolar alguma grana para pagar o quartinho em que morava no Setor VII. O que sobrasse era só para poder comer, enquanto o tempo se encarregava de fazer seus perseguidores o esquecerem...
Não teve sucesso...
Chegou a se matricular num colégio, no Parati. Agressivo como era, acabou sendo expulso. Saiu da escola jurando de morte a diretora...
Sua vida, em Campo Grande, começou a ficar difícil. No entanto, a imaginação ociosa de um marginal sempre arranja uma saída fácil para suas dificuldades...
Numa bela noite de luar, Pantera resolveu dar umas voltas. Precisava visitar um mocó no Tarumã. Queria se abastecer de drogas...
Ao cruzar a passarela sobre o córrego, estreita e mal acabada, esbarrando nos estudantes que iam para o colégio, tropeçando nos trabalhadores que voltavam para suas casas, teve a idéia imbecil que detonaria sua vida. Cobrar pedágio de quem passava por ali: “Dinheiro fácil!”, pensou...
Naquela mesma noite, assaltou um guarda noturno. Tomou seu revólver. Agora, estava armado. Preparado. Sabia que o policiamento da capital era insuficiente e inócuo. Sabia que quando a noite caia, a periferia da cidade ficava abandonada, entregue à sua própria sorte, sem segurança...
Seu próximo passo? Ficar de plantão, depois das onze da noite, na extremidade da passarela, para conhecer seus futuros clientes...
Durante alguns dias estudou o movimento do local...
Quando viu que não correria nenhum risco, preparou-se para agir. Começou sua pilhagem. Usou, pagou...
Cobrava, segundo a cara do freguês ou conforme as pessoas reagiam ao serem abordadas.
Até cinco reais por cabeça...
Deixava em paz as pessoas mais velhas e os deficientes. Às vezes até as ajudava cruzar a passarela...
Mulher? Para que não pagasse o pedágio nem deixasse um relógio (ou qualquer outro bem) penhorado, a infeliz tinha que levantar a saia. Mostrar as coxas. Ou os seios. Deixar que Pantera as acariciasse. Depois, um nojento beijo na boca. “Sem nenhum compromisso!”, zombava. Contam que as mais bem dotadas pela natureza eram sumariamente violentadas. O tarado se divertia...
Homem? Era humilhado. Quando chegava ao meio da passarela, Pantera, antes de recebê-lo com coronhadas e tapas, apontando a arma para sua cabeça, gritava para intimidá-lo: “Anda seu corno. Chifrudo. Pé Rachado. Pé de cabra. Cornélio! Vai passando a grana se não quiser levar um tiro. Chapéu de touro!”...
Não adiantava o povão reclamar para presidente do bairro, dar queixa na polícia, ligar para ‘Povo na TV’, 1-9-0, Federal, nada...
Pantera continuava a bolinar as mulheres e a humilhar os homens...
Tirava uma grana alta e fácil. Com ela, ia sustentando seus vícios: maconha, crack, cocaína.
Sexta-feira, 13, Lua cheia...
Dia de pagamento...
Pantera pensou que ia faturar alto...
Sempre com um sorriso nos lábios, tomou um conhaque num boteco, comeu um tira-gosto, limpou sua arma. Ocupou sua posição. Começou a achacar os pobres moradores do Aero Rancho...
A grana começava a encher seus bolsos...
Até mais ou menos a meia-noite, tudo corria bem...
Daí, as estrelas sumiram do céu...
Um vento frio começou a soprar. Alguns cães passaram a uivar desesperadamente...
Um estranho adentrou na passarela...
Por um momento, uma nuvem escondeu a Lua...
Todo encapotado. Chapéu. Roupa preta. Cachecol enrolado no pescoço. Seus olhos pareciam soltar chispas na escuridão...
Pantera se assustou. Foi logo ameaçando: “Pare aí mesmo seu corno. Tá com a grana chifrudo? Responde cabrona. Tô doidão pra dar um tiro em você, seu pé-de-cabra!”...
O desconhecido continuava a marchar em sua direção...
Lentamente, como se provocando o meliante, aos poucos aquela estranha figura foi chegando até o outro lado da passarela...
Ao se aproximar do traficante, respondeu: “Tá falando comigo, Pantera? Tá me estranhando? Tá me tirando? Não tava me esperando, bundão? Faz tempo que você fica me chamando. Não me deixa mais em paz. Fica enchendo meu saco toda noite. Agora estou aqui. Pode ficar satisfeito. Vim atender seu chamado. Vim buscar você para morar no meu domínio. Você vai comigo, agora. Para o inferno!”...
Desenrolando o cachecol, tirando o chapéu, o desconhecido mostrou sua horrível cara...
Dois olhos grandes, vermelhos...
De fogo...
Seu par de chifres brilhava ao luar...
A língua, rachada ao meio, sulcava a noite. Tinha mãos e pés de cabra...
“Aquilo”, era “aquele” que Pantera, sem querer e sem saber, vivia invocando todo santo dia...
Meia noite...
Os moradores do bairro ficaram assustados com a grande explosão na passarela...
Pantera? Simplesmente desapareceu. Como se houvesse sido sugado por um buraco negro...
Uma fumaça negra, insuportável, fedendo enxofre, tomou conta das redondezas...
Ninguém ousou sair de sua casa para ir conferir o que estava acontecendo...
Nenhum bandido, famoso ou pé-de-chinelo, teve coragem de cobrar pedágio naquela passarela do Aero Rancho depois daquela noite...
Nunca mais...
                                                                         
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