PASSEIO INSÓLITO

Tinha fascínio pelo tema "cemitérios", mas horror de visitá-los. Talvez para driblar essa covardia, escarnecia das tias velhas que insistiam em convidá-lo para visitar o túmulo familiar a cada Dia de Finados. No seu íntimo, no entanto, recriminava a atitude jocosa que praticava.

Passada a data deliciava-se novamente com as histórias escabrosas que ouvia, pelas aparições que pessoas relatavam, procurava por entrevistas com coveiros e ainda circulava por funerárias e necrotérios. Desenvolvera uma adoração pelo mercado que envolvia aquela indústria da morte. Particularmente pelo encontro de parentes fragilizados versus funcionários dessensibilizados pela convivência diária com o macabro. Seguiam-se os trâmites: morto enterrado e todos de volta às rotinas insignificantes de suas vidas.

Quis testar-se e, resoluto, decidiu que iria romper o horror que sentia e aventurar-se numa visita a um cemitério. Preparou-se para passar uma noite naquele lugar. Encheu uma mochila com itens de que precisava, muniu-se de agasalho, uma lanterna, uma vela e uma caixa de fósforos. Chegou mais cedo ao local para familiarizar-se com as alamedas, enquanto a luz do dia ainda dava as cartas. Próximo do horário de fechamento, já familiarizado, tratou de esconder-se. Moleza!

Na escuridão, passou a caminhar por entre túmulos e jazigos seguindo pelas alamedas que iam e vinham, subiam e desciam. O vigia não o encontraria, pensou, pois tratou de vestir-se com roupas escuras e tinha certeza de que ele dormiria grande parte do seu turno.

Espantosamente não sentia medo de circular por aquele lugar estranhamente silencioso; enojava-o o perfume repugnante de flores murchas deixadas ali.

Quando chegou à capela que havia próxima a uma das entradas, estranhamente sentiu medo pela primeira vez. Benzeu-se e passou ao largo. A noite avançou e ele circulou sem sobressaltos; assustara-se apenas com pios e voos de aves noturnas. Talvez o movimento, numa terra de gente imóvel, soasse como algo assustador.

Já de madrugada resolvera que era hora de retirar-se. Iria rir muito daqueles que contavam ter presenciado coisas inexplicáveis e jurado ver aparições.

Parou aleatoriamente junto de um túmulo e levou seu primeiro susto: um animal, que lhe pareceu um gato escondido na lateral, saiu em disparada. Sentiu os cabelos eriçarem, o coração disparar e um leve arrepio. Tratou de controlar-se o mais que pode. Tirou a vela e a caixa de fósforos da mochila. Acendeu-a. Hora de ir embora, pensou. Deu alguns passos quando sentiu nitidamente algo tocar seu ombro. Em pânico nem tratou de voltar-se para verificar o que era; apenas torceu para que aquele buraco no muro fosse largo o suficiente para cabê-lo.

P. S. Sei que o tema "cemitério" já é bem batido e nem quis ser nada original, mas apenas brincar com a coisa do imponderável e do inexplicável que tanto atormentam nossas mentes e com essa coisa de sublimar o medo escarnecendo dele. O texto não passa disso. Recentemente li uma declaração de um pensador ateu em que ele dizia que acreditamos porque fugimos, muitas vezes, de explicações racionais e que elas estão sempre aí, à nossa volta. A realidade não seria bem mais chata se vivêssemos sempre à cata delas?

Cleo Ferreira
Enviado por Cleo Ferreira em 05/07/2013
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