Amigo imaginário

Sempre fui uma criança levada, ficava brincando durante horas e horas, me divertia com meus brinquedos e amigos imaginários, meus pais demonstravam um amor imenso por mim, nunca detinham minha imaginação.

Um dos meus amigos imaginários se chamava Morfeu, ele sempre esteve comigo desde minhas primeiras lembranças. Na verdade, sempre achei que Morfeu era real, mas meus pais insistiam que se tratava apenas da minha imaginação e que quando eu quisesse que ele fosse embora, bastava fechar meus olhos.

Tudo se revelou quando completei oito anos de idade, no meu aniversário meus pais tinham preparado uma festa incrível, em que haviam convidado todos meus familiares e colegas de escola. Estava ansiosa que eles chegassem logo para que nós pudéssemos brincar.

Aos poucos meus familiares chegaram, mas estava ficando tarde e nenhum dos meus colegas apareceu. Fiquei triste quando percebi que não iriam aparecer, então corri para casa da árvore em nosso quintal. Lá estava Morfeu, que me consolou ao cantar parabéns, ele era meu único amigo, apesar de todos falarem que ele não era real. Morfeu era real para mim.

- Não chore estou aqui, como sempre estive - ele afirmou ao me ver triste.

- Como não vou chorar, ninguém aqui gosta de mim. Queria ir embora.

- Pode vir comigo, se assim desejar.

- Mas para onde iríamos? - questionei sem entender nada

- Pro meu mundo - ele sorriu para mim - O mundo dos sonhos.

- Como eu poderia ir com você, minha família notaria na mesma hora minha ausência.

- Se eu lhe prometer que eles ainda a terão aqui, você vem comigo?

- Como isso seria possível? Como poderia estar em dois lugares ao mesmo tempo?

- O seu corpo continuará aqui, vivo e saudável com seus pais. Mas sua mente, você irá comigo. No meu mundo o corpo humano não é necessário.

Mesmo sem entender exatamente o que ele estava falando, só queria sair daquela situação. Então, inocentemente, aceitei ir com ele, afinal, só tinha oito anos, não sabia a gravidade do que estava prestes a fazer. Nisso Morfeu tocou em minha testa e senti que não estava mais em meu corpo, então, automaticamente, ele me teletransportou a sua realidade.

No início, nos primeiros anos tudo parecia tão mágico, Morfeu deixava qualquer situação perfeita, me divertia muito. Mas, aos poucos, comecei a notar que não era a única pessoa que Morfeu havia levado ao seu mundo.

O intrigante era ver que algumas dessas pessoas não pareciam estar felizes por estar ali. Então quando Morfeu se ausentava, aproveitava para tentar me comunicar com os demais.

Me aproximei de um garoto, aparentemente bem mais velho que eu e o questionei:

- Por que está triste?

- E pode alguém ser feliz estando preso? - O garoto angustiado me respondeu

- Como assim preso?

Antes que ele pudesse me responder, Morfeu reapareceu me impedindo de ouvir a resposta que esperava.

Um tempo depois, comecei a perguntar a Morfeu se poderia voltar ao meu corpo, para visitar meus pais, mas ele sempre mudava de assunto ou inventava uma desculpa. Mas não demorou muito para Morfeu se afastar novamente, para que assim eu tivesse outra oportunidade de escutar a resposta daquele garoto angustiado.

Assim que o encontrei o disse-lhe:

- Não quero parecer repetitiva, mas você não me respondeu naquela ocasião, como assim está preso?

- Todos nós estamos presos, será que ainda não conseguiu ver que Morfeu nos mantém aqui? - respondeu ele em um tom irônico.

- Isso não pode ser real.

- Do mesmo modo que esse lugar também não deveria ser, não é mesmo? Já estou aqui há quinze anos.

Depois de ter tido essa conversa, comecei a entrar em pânico, pois percebi que já estava ali também há muitos anos!

Quando Morfeu voltou, o pedi mais uma vez:

- Morfeu, estou com saudades dos meus pais. Por favor, me deixe vê-los!

Morfeu que, pela primeira vez me mostrou sua outra face.

- Mas por que faria isso? Eles não sentem a sua falta, para eles você nunca partiu.

- Por que faz isso conosco, por que nos mantém presos? - respondi assustada ao modo como ele se dirigiu a mim.

- Vocês que decidiram vir comigo, nunca falei que poderiam voltar.

Após isso, Morfeu passou a se ausentar por um período maior, pois não tinha mais que sustentar minha ilusão que estava tudo bem.

Comecei a me reunir mais com os outros que estavam presos a mais tempo. Até que tive uma ideia. Se estávamos num mundo no qual Morfeu governava com sua imaginação, poderíamos usar isso ao nosso favor. Começamos a testar a nossa própria imaginação no mundo dos sonhos, e passamos a nos admirar com o que éramos capazes de fazer, do poder que tínhamos naquele lugar.

Depois que treinamos por um bom período em segredo, arquitetamos nosso plano contra Morfeu. Quando ele reapareceu, o surpreendemos e usamos o seu próprio poder para o prender em definitivo em seu mundo. Por sermos inúmeros, juntamos o poder que tínhamos para voltarmos a nossa realidade.

Me vi finalmente em meu corpo, mas percebi que tinha alguma coisa errada. Ali me encontrava sozinha em um quarto presa a uma camisa de força. Comecei a chamar por ajuda, que alguém viesse. Então um médico com dois seguranças no quarto.

O médico me encarou com um semblante de surpresa.

- Olá! Acalme-se, está tudo bem!

- Por que estou aqui? Por que estou presa a uma camisa de força?

- É incrível, parece tão consciente depois de tanto tempo - respondeu ele admirado.

- Como assim? Por favor, me responda por que estou aqui?

- Você não dizia uma palavra há nove anos. Tinha movimentos totalmente involuntários, seus pais não tiveram outra opção a não ser interná-la aqui.

- Mas seja o que for que tenha acontecido comigo, estou bem agora, por favor, me deixe sair daqui! Quero ver minha família!

- Creio que isso não seja possível, você sofre de um raro e grave transtorno psiquiátrico, você não sabe discernir o que é real e o que é sua imaginação!

- Como assim? Acabou de dizer que não falo uma palavra há nove anos!

- Sim, minha cara! Mas seus pais me passaram todas as informações necessárias de como você sempre teve uma imaginação mais fértil do que as demais crianças e agora, depois de nove anos, teve o primeiro sinal de sanidade. Sinto muito, mas isso não é o suficiente para poder sair daqui. Bom e sobre seus pais, faz mais de dois anos que eles não aparecem aqui para te visitar!

Assim já se passaram mais cinco anos, nesse tempo percebi que, por mais que eu implore, nunca me deixarão sair.

Minha família não me procurou mais, estou esquecida por todos que um dia amei.

Desde então comecei a perder minha sanidade, pensando em quantas pessoas Morfeu já condenou a esse exílio.

Lena Gomes
Enviado por Lena Gomes em 30/03/2024
Código do texto: T8030859
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