VIDA LOUCA

Vida Louca

Lanceiro, o irmão caçula de Kroomt, nasceu prematuro em uma gravidez de risco e aos dois anos foi trazido desfalecido da zona rural para ser atendido pelo famoso João Moraes, em uma época que os farmacêuticos eram audazes e tratavam de quase tudo sem a necessidade de internação hospitalar. O garoto se recuperou de uma forte desidratação e desnutrição, mas era notório o autismo associado a transtornos múltiplos de personalidade. Ele apresentava dificuldade na fala, na escrita e na compreensão de textos e cálculos básicos, esse comportamento e a diferença de idade o distanciava cada vez mais de seus irmãos e Lanceiro conheceu amigos bandidos para conter a solidão.

Certa vez os garotos embriagaram-se depois de consumir um garrafão de cachaça que encontraram em um deposito abandonado na rua de casa, os quatro meninos foram conduzidos pelos familiares quase desmaiados. Os pequenos praticavam pequenos furtos nos arredores (frutas, galinhas, fios de cobre e peças de alumínio), nesse período os irmãos mais velhos se revezavam em guarda na casa para defender a mãe das agressões do pai alcoólatra. Kroomt trabalhava até o meio-dia de sábado e a noite frequentava alguma discoteca para distrair, no domingo ele permanecia em casa para o irmão mais velho poder sair um pouco. Nesse tempo atribulado o Lanceiro ficou solto nas más companhias e a situação foi agravando cada vez mais. Kroomt foi estudar na escola agrícola de São Vicente no regime de internato por três anos, nos quais fez raras visitas ao seu turbulento lar.

O Lanceiro também se matriculou em uma escola agrícola recém-criada no município de São José do Povo, onde os pequenos marginais da região foram agrupados como em um reformatório. Lanceiro deixou a escola no final do ano formado nas artes da quebrada, já cheirava cola de sapateiro, loló, praticava roubos maiores e se envolvia em todo tipo de confusão devido ao seu porte físico. Tempos depois o irmão do meio chegou na praça para resgatar o Lanceiro na mesma roda de usuários e foi recebido com os punhos cerrados, ele aplicou uma tremenda surra nos três amigos de Lanceiro e o trouxe para casa, porém não satisfeito o irmão do meio retornou ao local com um facão e saiu no encalço dos malfeitores em corrida pelas ruas do bairro onde os moradores e o comercio o incentivava a detonar os gangsters.

Quando retornou par casa o Lanceiro havia cortado os pneus de sua bicicleta com uma faca, o irmão inocente se deitou par repousar e foi emboscado pelo Lanceiro no pequeno quarto com ameaças de morte, ele se calou quando sua mãe apareceu na cozinha. Certa vez um amigo encostou uma faca afiada no pescoço de um devedor de drogas e quando a polícia chegou o garoto pediu ao Lanceiro para assumir o crime, que seu pai era advogado e o libertaria da prisão em breve. Ele foi traído e pagou onze meses de prisão na “Mata-grande”, sua velha mãe todos os sábados percorria cerca de dez milhas para visitá-lo com roupas limpas e alimentos. Na entrada do presidio acontecia aquela famigerada revista, inclusive nas partes intimas das pessoas. Durante uma fuga em massa da casa de detenção ele foi perfurado no abdome por um detento que não entendia a sua recusa em participar da rebelião, por pouco não veio a óbito.

Depois de algum tempo recuperado do ferimento ele ganhou a liberdade, porém totalmente transformado na mente e no coração, seu olhar distante e apagado, pensamento divagado e totalmente silencioso. Kroomt cumpriu o ginásio agrícola e fora convocado para servir a pátria no batalhão de infantaria de Cáceres, graças ao bom Deus e sua perseverança galgou em dois anos a graduação de Cabo e Terceiro Sargento. No meio do ano veio visitar sua família e encontrou o Lanceiro sentado no meio da praça com os amigos cheirando cola de sapateiro, imediatamente o colocou a frente no caminho de casa e quando os outros tentaram reagir logo receberam uma boa surra para tirar o choco. Lanceiro foi sabatinado em casa por sua conduta diferente dos irmãos, Kroomt o segurou pelo pescoço para forçá-lo a entender a gravidade do problema, mas Lanceiro entrou em luta corporal confiando em seu grande porte físico, mas não foi páreo para o sargento e se vendo em desvantagem ele desapareceu de casa por dezoito dias.

- Se for para maltratar o seu irmão é melhor nem aparecer por aqui. Disse a mãe indignada.

Em outra ocasião o irmão do meio vinha se deslocando pela rua de casa no final do expediente, de longe avistava seu pai alcoólatra sentado no tronco deitado que servia de assento na porta de casa, na entrada do portão a mãe varria a calçada, tudo calmo até que o Lanceiro saiu de casa e acenou para uma viatura da policia que passava em alta velocidade, assim que a viatura parou o garoto abriu fogo contra os policiais com sua garrucha .22” de dois canos, os homens da lei pararam a viatura e desembarcaram atirando sem parar, o Lanceiro correu para trás e cruzou o quintal da família e depois saltou o primeiro muro de placas para o vizinho e quando tentou saltar o segundo muro para ganhar a liberdade, para sua infelicidade o muro desabou sobre ele. O irmão do meio deteve a investida da policia que por pouco não alvejava seus pais e no dia seguinte o Lanceiro apareceu em casa com as mãos machucadas e um ferimento de raspão na parte interna da coxa e a velha mãe novamente cuidou dele.

Kroomt tornou a visitar a família e no final das férias levou o Lanceiro para a cidade onde trabalhava na fronteira oeste do estado, fez de tudo para enturmá-lo, mas ele permanecia calado e justamente nesses dias aconteceu uma briga na república onde o sargento morava, cerca de sessenta homens de dois pelotões de fuzileiros travaram luta corporal quebrando portas, janelas e móveis no interior da casa. O Lanceiro apenas sorria timidamente assistindo a confusão. No dia seguinte Kroomt o levou para distrair em uma fazenda na região de Casalvasco, foram de ônibus por trezentos quilômetros com pessoas fumando cigarro de palha, transportando ração, galinha e porcos pelo corredor. Na parada final os irmãos solicitaram uma carona para alcançar uma fazenda localizada a catorze quilômetros fora da estrada, porém o dono do caminhão ironizou:

- Antes preciso colher minha produção de cachos de banana.

Kroomt se ofendeu com a proposta do homem que ele sempre ajudava quando o encontrava na cidade e fez uma contraproposta:

- Vou te mostrar que somos filhos de lavradores acostumados na lida, não temos preguiça.

Então os irmãos realizaram o corte das bananas e carregaram o caminhão em menos de uma hora, depois se despediram dispensando a carona e deixando o bugre folgado com a cara no chão de vergonha. Kroomt e Lanceiro cobriram a distância em uma hora e meia, quando indagados pelo amigo fazendeiro o porquê das manchas de nodoa de banana nas roupas, então eles contaram a história. O fazendeiro queria ir até o vizinho para tirar satisfação, mas Kroomt pediu para ficar em paz.

O Bananeiro desviava o olhar sempre que encontrava Kroomt pelas ruas da cidade, no ano seguinte o filho dele veio servir ao Exército justamente como recruta do pelotão de Kroomt, no entanto o garoto somente elogia o instrutor na presença de seu pai, Kroomt visitou muitas fazendas para conhecer as famílias dos soldados, porém em uma delas não ultrapassou o batente da porta,