Ascensão

- E o que você me diz disso? - Indagou Mariana, exibindo uma cópia da reportagem sobre a abdução dos pais de Emmanuel. O garoto ergueu os sobrolhos ao ver o papel.

- Nossa. Já descobriu o meu terrível segredo? Acho que vou ter que falar com os meus pais para me mudar novamente de colégio - declarou num tom relaxado.

Mariana encarou-o assombrada.

- Você não nega?

- Negar o quê? - Emmanuel cruzou os braços. - Meus pais não gostam muito de falar sobre essa história, mas nunca disseram que a tinham inventado.

- E você não acha isso muita coincidência? - Inquiriu Mariana.

Emmanuel deu de ombros.

- O que eu acho não vem ao caso. Venho fazendo exames desde quando era bebê, e nenhum deles revelou que sou um alienígena disfarçado de ser humano.

- Eu não te acusei de ser um - disse Mariana em tom conciliador. - Embora você seja muito talentoso...

- E esse seria um sinal de que tenho poderes ocultos? - Riu baixinho o garoto.

- Seria uma boa explicação - justificou-se Mariana, meio arrependida de ter levantado o assunto.

- Vamos lá, eu não sou bom em tudo - minimizou Emmanuel. - E sobre as mudanças contínuas de colégio, meu pai é representante comercial. Dependendo da demanda, a matriz costuma nos trocar de estado uma ou duas vezes por ano.

- Puxa, isso deve causar uma bagunça na sua cabeça - ponderou Mariana.

Emmanuel sorriu.

- Minha mãe se acostumou a me ensinar em casa desde pequeno... mas ela acha que tenho que me matricular as escolas dos lugares onde ficamos, para que eu... me socialize.

- Ah, então é isso: socialização! - Mariana encarou-o com uma expressão arguta.

- Tem as suas vantagens, naturalmente - redarguiu Emmanuel, colocando as mãos de Mariana entre as dele. - Eu poder conhecer você, por exemplo.

- Desde que não esteja planejando me abduzir, tudo bem - disse ela sorrindo.

* * *

Dez anos se passaram. Mariana, agora casada e mãe de dois filhos, mal lembrava do seu namorico com Emmanuel, que desaparecera da cidade no fim do ano letivo. Foi então que ouviu seu nome ser pronunciado enquanto fazia compras num supermercado local. Ao virar-se para ver quem a chamara, deparou-se com um rosto que lhe pareceu familiar.

- Não lembra mais de mim, Mariana? - Indagou o homem, sorridente.

- Você é o... - Mariana apontou o dedo para ele.

- Emmanuel. Fomos colegas no ensino médio! - Identificou-se ele.

- Sim, Emmanuel! - Mariana abriu um sorriso e estendeu a mão para ele, que a apertou. - Você desapareceu...

- Quase que literalmente - admitiu ele com uma careta. - Deve lembrar que meu pai era representante comercial, vivíamos trocando de cidade e estado. Eu nunca parei mais de um ano no mesmo lugar...

- Sim, creio que sim - ela fez um aceno de cabeça. - Mas e agora, onde está morando? Aqui na cidade?

- Não, não - ele fez um gesto negativo. - Estou só de passagem; vim dar uma palestra no Clube de Empreendedores. Amanhã à noite volto para a capital.

- Pena! Mas uma palestra sobre o quê? No quê você trabalha?

- Eu sou astronauta - Emmanuel sorriu. - Não da agência espacial, mas de uma empresa privada. Já fiz duas viagens à estação espacial internacional.

- Que coisa incrível! - Admirou-se ela. - Muita coincidência você ter seguido carreira justamente numa profissão que lhe permite ir ao espaço...

O sorriso de Emmanuel ampliou-se.

- Se você ainda lembra da história dos meus pais, poderia dizer que só estou tentando ficar em contato com as minhas origens - declarou ele com uma piscadela.

- [28-09-2023]