Sussurros nas Trevas: Além da Penumbra

Clara fechou a cortina que cobria a janela da sala. A claridade do sol era insuportável para ela, desencadeando dores de cabeça pulsantes que a atormentavam desde a adolescência. Vivia mergulhada na semiescuridão de sua casa.

Seu lar era um espaço compacto e funcional, cada objeto meticulosamente colocado em um lugar específico. Tinha uma aversão profunda à desordem e ao caos, provavelmente um resquício de sua criação em meio ao tumulto de uma casa abarrotada de quinquilharias inúteis.

Pegou o frasco de remédio, percebendo que restavam apenas quatro cápsulas. Precisava mandar manipular mais, mas ao procurar a receita do único analgésico que aliviava suas crises, constatou que estava esgotada.

Suspirou, sentindo a dor latejante aumentar. Imaginar sair de casa sob a luz do sol para enfrentar o trânsito e as pessoas já lhe causava tormento. Mas não havia outra escolha; precisava do remédio. Tremia só de pensar nisso.

Foi até a cozinha, onde o ambiente era mais tolerável, e pegou a chaleira. Mediu exatamente uma xícara grande de água e a colocou no fogo. De um armário, retirou um vidro cheio de folhas variadas de plantas medicinais, todas bem trituradas. Mediu a quantidade e as colocou no fundo da xícara. Assim que as bolhinhas começaram a se formar no fundo da chaleira, desligou o fogo e despejou a água sobre as folhas, tampando com um pires.

Enquanto o chá esfriava, pegou o celular que mantinha sempre no aparador da sala, evitando tê-lo no quarto. Tinha uma desconfiança latente em relação à radiação e aos perigos das tecnologias modernas. Seus temores, de certa forma, ecoavam os de grandes escritores do gênero de terror.

Achou o número do médico e ligou. Não gostava de mensagens escritas. Preferia resolver tudo diretamente, sem margem para mal-entendidos ou duplos sentidos, uma inclinação similar à de personagens de grandes obras de suspense e terror. Tinha uma alma idosa desde sempre, e agora, com os cabelos brancos e as rugas de expressão se tornando mais evidentes, sentia-se realizada.

Conseguiu um horário para o dia seguinte, bem no meio da tarde, entre um paciente e outro, como de costume. Desde a primeira consulta, que durou mais de uma hora, o médico não reservava mais um horário completo para ela, apenas entrevistas rápidas. Ela fingia não perceber, mas isso a magoava profundamente.

Pegou sua xícara e a colocou na mesinha ao lado de sua poltrona favorita, onde se acomodou. Acendeu a luz baixa e amarela do abajur, mergulhando nas páginas de um livro que estava lendo. Ali, nos mistérios da trama, encontrava refúgio, algo que muitos escritores desse gênero exploram.

Às vezes, refletia sobre como sua rotina era monótona e previsível, mas, no fundo, amava essa monotonia. Era uma maneira de se torturar, de negar sua própria natureza intensa e exuberante. Seus pais a haviam criado sem limites, sem regras, sem qualquer cuidado com sua saúde física ou mental, uma dinâmica que essas obras muitas vezes retratam.

Assim que pôde, deixou para trás sua casa e seus habitantes, optando por viver o oposto completo do que havia conhecido. Tinha horror à ideia de se tornar como seus pais. Então, tudo o que permitia a si mesma era viver através dos livros, uma fuga segura e socialmente aceitável.

Dormiu um sono sem sonhos, impregnado de soníferos, e acordou com uma ressaca medicamentosa, quase na hora da consulta. Se arrumou às pressas, colocando, como sempre, os tampões nos ouvidos e os óculos de sol. Só assim se sentia capaz de sair de casa.

A luz era boa, boa demais para ela. Sentia que não merecia a luz, que o sol era intenso demais, brilhante demais, livre demais. No fundo, sabia que não era normal esse sentimento, mas, de forma secreta, orgulhava-se de ter problemas psicológicos e poder culpar seus pais por eles.

A consulta correu como o esperado; o médico a esperava com as receitas prontas e mal deu tempo para um cumprimento. Na farmácia, pôde lamentar suas dores e sofrimentos a uma atendente desavisada enquanto esperava os remédios. Lá se foi boa parte da tarde.

Chegou à praça em frente ao seu prédio e sentou-se em um dos bancos, querendo aproveitar o ar fresco do final de tarde um pouco mais. Observou algumas crianças brincando despreocupadas, tão felizes, suas mães tagarelando, o velho vendedor de pipoca sentado em uma banqueta segurando um radinho no ouvido.

Tudo era tão normal e reconfortante, mas ela sabia que algo estava para acontecer. Ela não sabia exatamente o quê, mas a inquietação persistia, uma sensação profunda de que o mundo estava à beira de uma revelação sombria, algo que poderia ter saído de uma história de suspense e terror.

Voltou para casa e repetiu sua rotina noturna, chá e livro até cansar e ir dormir. Já passava da meia-noite.

Naquela noite, seus sonhos foram inquietantes. Estava em um lugar escuro, um breu absoluto. Podia sentir uma presença, algo espreitando na escuridão. Tentava correr, mas suas pernas estavam pesadas como chumbo. A escuridão parecia viva, pulsante. Uma criatura, algo indescritível, emergiu dela, seus olhos brilhando como brasas.

Ela acordou sobressaltada, suada. A claridade do dia a incomodou, mas algo havia mudado dentro dela. Um desconforto, uma sensação de que algo estava prestes a acontecer. Sentiu um frio na espinha, mas tentou ignorar.

Os dias se passaram, e a sensação de inquietação persistia. Clara tentava voltar à sua rotina, mas algo dentro dela a impelia a mudar, a enfrentar o medo da luz. Em uma manhã, reuniu toda a coragem que tinha, abriu as cortinas e deixou a luz inundar o cômodo.

Com o tempo, ela começou a se adaptar à luz e a enfrentar seus medos. Percebeu que, ao se abrir para o mundo, também estava se abrindo para novas possibilidades e para uma vida mais plena. Aos poucos, sua vida deixou de ser um ciclo monótono e passou a ser uma jornada de descobertas e autoconhecimento.

O desconforto e a sensação de que algo estava prestes a acontecer foram se dissipando à medida que Clara se permitia viver plenamente. Ela descobriu que a verdadeira escuridão estava dentro dela, nos medos que a aprisionavam. E ao enfrentá-los, encontrou a verdadeira luz.

Drapion
Enviado por Drapion em 24/09/2023
Código do texto: T7893386
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