Morte Violenta

Capítulo de um dos meus livros "Diabolismo" postado para leitura no Clube de Autores como Frank P Andrew.

Célia Arruda, mesmo depois do funesto incidente dentro da Igreja da Catedral da Sé no centro da cidade de São Paulo, um pouco mais de dois anos antes da data atual, o incidente que tinha acabado com a vida da sua protegida, a prostituta Ada, não desistiu da vida desregrada que levava. Ao contrário, cada dia que passava se afundava mais e mais na prostituição e no vício. Entretanto, o dinheiro, desde há muito não era mais pro-blema algum para ela. Tinha ganhado e ainda ganhava os tubos com o meretrício. A essa altura da vida, ela era a maior cafetina da grande ABCD paulista, era a magnata; era a mais extraordiná-ria aliciadora de jovens da capital do estado de São Paulo. Sem muitas dificuldades, Célia localizava nas casas noturnas dos bairros mais airosos, mulheres dispostas a trabalhar (se prostitu-ir) para ela e por ela, com promessas de altos “lucros”, apresen-tando indubitáveis provas disso. Em pouco tempo, e isso acon-teceu logo após o incidente na igreja na Praça da Sé, conseguiu arrebanhar pelo menos cinco dúzias das mais jovens e belas mu-lheres das noites paulistanas. Com elas nas mãos, passou a ex-plorar numa espetacular escala o comércio do sexo com as mere-trizes contratadas, exatamente como fizeram com ela no início da sua vida impudicícia, entretanto, na época atual, ela o fazia de forma bem mais organizada e ainda mais profissional.

Sempre apresentava suas “mariposas” aos clientes elegante-mente trajadas. Há de se explicar melhor a coisa; bem trajadas não, digamos, e isso era certo de que sim, ricamente vestidas, magnificamente maquiadas e enfeitadas com lindas joias; tudo falso é claro, mas sem deixar de serem ostentosas e, por conse-guinte, apenas os magnatas de as várias “castas” tinham poder econômico suficientemente alto para tal extravagância sexual. A essa altura da vida, ela, a poderosa Célia Arruda, não mais fazia trottoir nas ruas, não depois do grandessíssimo susto na Praça da Sé dentro da igreja. Agora, ela possuía uma mansão para lá de luxuosa no bairro nobre do Morumbi, donde ficavam alojadas permanentemente as suas meretrizes, é ninguém, ninguém mes-mo em hipótese alguma podia profanar a mansão, para ela, o seu santuário Sagrado: nem ela mesma deveria conspurca-lo.

Os encontros, todos, sem exceção, eram agendados por tele-fone ou ainda pessoalmente na mansão, para depois, as “donze-las”, irem para qualquer lugar que fosse para transar. Como pri-meira e principal regra imposta por ela logo de cara as iniciantes, era de que, nenhum homem, nunca, de maneira alguma, deveria pôr os pés na mansão para ir para a cama com alguém nos quar-tos onde todas elas viviam num luxo só. O tempo passou ligeiro e, a cada dia, Célia, com os altíssimos valores cobrados pelos alugueis (serviços) das vadias, ficava cada vez mais e mais rica. Apesar disso, fora-lhe impossível conseguir largar os seus pró-prios vícios. O seu próprio “Inferno” na Terra. Nem mesmo com sua ida a igreja quase diariamente para orar e pedir perdão à Virgem Santíssima pelo descomedimento que fizera a quem, hoje, ela aprendera a amar em silêncio e a sua pobre mãezinha tão maltratada por ela.

Certo dia conheceu um rapaz, um novo cliente da agora famosíssima casa de acompanhantes denominada de “O Quar-tzo Rosa”, dois ou três anos mais jovem do que ela, simpaticís-simo, muito bom de papo e de cama, daí aconteceu quilo que, ao seu primo confessara de que nunca aconteceria com ela: amar alguém mais. Gostou dele e tentou amá-lo para esquecer-se das antigas e tristes lembranças: das amargas lembranças do dia en-solarado e quente, daquele lindo sábado dentro do carro do Pau-lo na frente do sobrado cor-de-rosa do primo Ci. Mas tudo não passou de um terrível erro, mais um grotesco erro em sua inútil e pecaminosa vida.

O garotão, não passava de um playboy metido a besta, um filhinho de papai rico; um capitalista poderosíssimo dono das três maiores fazendas de gado de Goiás, mas um rufião de pri-meiríssima categoria, um aproveitador de mulheres sem nenhum escrúpulo. Isso era fato, e bem sabido por todos na época, me-nos por ela, pela Celia Arruda. Aproveitando-se dela; dela e do seu dinheiro por um bom tempo, mesmo sem ter a mínima ne-cessidade da sua grana, o que não aconteceu quando ela era a gostosa meretriz do João Pinto e do safado negão surrado por ela, começou a acontecer depois de ter-se transformado numa “prostituta” experiente. Aos poucos, viciando-a ainda mais, Re-ginaldo, esse era o seu nome, obrigava-a depois do sexo e de surrá-la violentamente, e isto acontecia quase sempre, a consu-mir a força outro tipo de droga, uma das que ela nunca quisera fazer o seu uso, o maldito do crack. Depois de fumá-lo e afunda-la na inconsciência, sair por aí comprando coisas fúteis, ou gas-tando o dinheiro da Célia às pencas com as gostosas e espertas damas-da-noite da incrível e aterradora vida noturna da cidade de São Paulo. Desse modo a vida da Célia caminhava lentamen-te aos trambolhões a destruição; para a sua própria morte agen-dada pelo rufião do Reginaldo. Um belo dia, um daqueles dias que. . . bem vejamos. . . um daqueles dias que, quando nos le-vantamos da cama pela manhã bem cedo sem consumarmos o sono na sua total plenitude, dizemos a nós mesmos numa auto-critica vexante:

— “É hoje! Hoje vai ser o dia “D”, hoje será o dia de tomar coragem. Não vou ser mais covarde, vou enfrentar a vida de peito aberto”.

Com esse pensamento em mente e, bem claro por sinal, Célia Arruda rumou para a agência bancária onde tinha depositada toda a sua fortuna a fim de encerrar a conta e transferi-la para outro banco; outra agência. Uma agência que o Reginaldo, nem por decreto presidencial ficasse sabendo qual fosse. Tinha se cansado daquele vigarista, tinha se arrependido de ter dado mais um infeliz e desditoso passo e, esse passo, fora o pior de todos que dera na sua pecaminosa vida sem nenhum propósito a não ser a do vício e, o de a sorte de tornar-se uma milionária.

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De repente:

— Oi Paulo! Você também por aqui na fila?

— Opa, opa, opa, mas que surpresa mais agradável, é você mesma, Célia? — Paulo fingiu contentamento ao vê-la, porém lá no fundo do peito, mesmo após tantos anos passados sem pou-sar os olhos nela, ainda havia nele o resquício de um “maldito” amor, porém nos instantes de surpresa, desejou de ter a satisfa-ção de vê-la cair morta aos seus próprios pés. — Nossa, mas que prazer enorme. Estou felicíssimo em vê-la novamente, Célia! — Paulo tinha-a visto entrar na agência bancária não tão airosa como sabia que ela se apresentava nos anos de faculdade minu-tos antes de ela ir falar com ele.

— Está me estranhando, amigão? Sou eu sim, não repara em mim, não, não, por favor, hoje estou me sentindo um lixo huma-no. — Sem previamente tê-lo programado, Célia, desgostosa da vida, era mais do que certo de que, naqueles minutos de aflição, sem mais delongas, confessaria todos seus “pecados” ao amigo de infância: o Paulo da Costa Neto. E, isso era mais do que im-perativo perpetrar, que em verdade faze-lo-iria. . . sim.

Envergonhada, Célia tentava ocultar o seu rosto com uma das mãos sem tirar os escuros e enormes óculos que usava para que ninguém reparasse os vincos da face nem nos hematomas arroxeados em torno dos olhos. As pregas da pele no geral eram precoces e bem vistas, produzidas pelas drogas, principalmente as últimas, as causadas pelo obrigado consumo abusivo do crack, pelas bebidas, pelas longas noites sem dormir, aumentado e muito, pelas sovas violentíssimas recebidas por aquele escroto mau-caráter, o seu último namorado: o cafajeste do Reginaldo.

Célia imaginou, de que, quando ele se visse sem centavos, pelo menos de os seus centavos tão “arduamente” conseguidos a deixaria em paz e desapareceria da sua vida para sempre. Bem, era justamente por esse motivo que resolveu transferir toda a sua fortuna de banco. Paulo percebeu de imediato o que ela ten-tava esconder dele e de qualquer outra pessoa. Agora sim, con-seguia vê-la como realmente ela era; ela e sua profunda infelici-dade, mas não como a sua mente imaginava e, de que gostaria que fosse ou de que, tivesse sido alguns anos atrás: a sua tão doce e imaculada Celia Arruda antes de envolver-se com o ami-go em comum, o cáften do João Pinto. De esperar seu anjo tão “amado”, a sua flor-de-cerejeira virar fruto maduro para poder “saboreá-lo” com doçura.

Célia na certeza de que não fora seguida pelo namorado cafa-jeste, revirava toda a agência bancária com suspicácia de olhos metidos trás os óculos escuros pousados sob seu nariz inchado pelas violentas pancadas recebidas a noite anterior. Não queria ter nenhuma dúvida, de que, em realidade, não fora seguida. Saber ao certo isso, era-lhe imperativo. Esse fato seria a sua vida ou a sua tão apregoada morte precoce. . .?!

A agência escolhida a dedo o, International Bank off Miami no centro comercial da cidade de São Paulo situava-se pertinho do MASP e, era de um luxo exagerado. Transpunha três andares de pura beleza arquitetônica. O primeiro, ou melhor, o térreo, servia para atender os clientes comuns de cada dia de caixas especiais para depósitos, pagamentos e recebimentos de contas diversas e, os boxes de as diversas gerências dos clientes menos importantes como os aposentados. Havia vinte caixas ao todo e, todas elas viradas de frente para as portas da entrada da agência. Oito colunas revestidas em mármore azulado imitando as nu-vens do céu dispostas em linha reta sustentavam a construção de os andares a cima. O portal, todo em vidro trabalhado com jatos areia, apresentava belos desenhos atinentes ao comércio e a indústria, com quatro portas giratórias em vidro marrom-glacê, com os mesmos motivos entalhados nelas que, permitam a en-trada dos clientes depois de serem avaliados pelos detectores de metais e pelos olhos de águia dos seguranças contratados pelo banco em questão.

O primeiro andar estava destinado às gerências executivas e aos diversos seguimentos empresariais especiais, oferecidos pelo banco, mas também a dos caixas dos clientes exclusivos, com um elevador, usado apenas pelos portadores de deficiências físi-cas, idosos, grávidas ou com crianças de colo ao lado das esca-das, a sua direita. Regalia especial para os grandes empreendedo-res. E, finalmente, o segundo andar. Andar destinado a sala da contabilidade, a sala de recursos de Relações Humanas, os ba-nheiros dos funcionários, o almoxarifado, vestiários, sala para as reuniões internas entre agências, e outra para as sessões de vide-oconferências via Internet entre as agências afiliadas ou para as negociações internacionais, o refeitório e, outras salas que não vem aqui ao caso. O teto todo em gesso trabalhado a mão apre-sentava desenhos modernistas em alto relevo e, as paredes eram moldadas no mais puro granito de piso em mármore cinza.

— O que foi que sucedeu com você, nossa, Célia, aonde foi parar toda aquela beleza, toda a jovialidade, toda a sua pompa de princesa? — Paulo fazia as perguntas à toa tão somente por perguntar, pois desde o encontro com o amigo João Pinto, o “fiel” amigo em comum, ficara sabendo de como Célia havia se tornado uma tremenda prostituta desvirtuado por completo sua vida.

— Pois é Paulo, agora: quero dizer; depois de tanto tempo posso contar tudo o ocorrido comigo a você. . . foram as drogas as bebidas e a porra da prostituição. Assim como, recentemente, um mal-afortunado caso amoroso dos infernos! Nessa merda, hoje estou dando o seu fim. E é justamente por isso que estou nesta agência bancária. — Célia ia soltando a língua sem esfor-çar-se muito em fazê-lo pegando-o de surpresa pela sinceridade e clareza de suas angustiadas palavras, lembrando-se na hora daquele malfadado sábado ensolarado e quente. O dia que ela o dispensara de dentro do seu carro de maneira tão insensível. Antes que Paulo tivesse tempo em perguntar qualquer coisa que fosse, Célia emendou rapidinho de voz roufenha, proporcionado pela terrível angústia que sentia dentro do peito naqueles mo-mentos. — Sabe meu querido Paulo, você nunca poderá imagi-nar o quanto eu me arrependi, nem mesmo. . . — teve de respi-rar fundo para poder continuar com o doído desabafo —, o quanto me arrependo todo o santo dia pelo que eu disse sem querer, ou de tê-lo desejado no nosso encontro na frente da casa do meu primo Ci, e, também momentos antes durante a viagem até a casa dele. Eu já desconfiava do seu amor por mim desde há tempos. Entretanto, tive de fingir, forçada, é claro e, de me fazer de rude daquela maneira com você. Mas por favor, não me pergunte por que cheguei a fazer aquela besteira contigo, nem me condene por isso porque até hoje eu ainda não digeri bem o assunto. Apenas sei de que foi devido a um impulso violento e repentino sentido dentro do meu peito. Foi como. . . ora diacho, foi. . . foi como. . . eu. . . eu. . . caramba. . . ainda nem sei bem de por que. Por certo de que não sei, mesmo! E com sincerida-de, acho de que nunca o irei saber! Nem a mim mesma pude dar-me um alógico esclarecimento. Acredite em mim, Paulo, as mi-nhas palavras são as mais sinceras possíveis! — pondo a mão na boca mal-humorada com a garganta seca, soltava à voz a extre-ma dificuldade. Célia, depois de umedecer a garganta, exageran-do na saliva, continuar pôde com o surpreendente desabafo. — Daquele dia em diante, o sábado quente e ensolarado, lembra-se disso, não é querido Paulo. . . — enquanto tentava a supremo esforço continuar com as explicações, calou-se outra vez, dei-xando no suspense o que pretendeu dizer-lhe: gerara por acaso um dúbio entendimento ao se referir, “querido” Paulo. Teria isso, sido dito com sinceridade? Quem é que poderia sabê-lo? — Prosseguindo, querido Paulo, eu não mais deixei de ir à igreja quase todos os dias para pedir perdão a Nossa Senhora pela maldade que fizera a você — a confissão amargurada saía à cas-cata de lágrimas a lhe dimanar pelo canto dos olhos rolando face abaixo até a boca como pérolas amargas: até mesmo, quiçá fal-sas. Quem mais além da própria Célia Arruda poderia sabê-lo: o próprio Capeta, talvez. . .?!

Se o sofrido do Paulo naquele exato momento estivesse segu-rando a sua mão, sentiria nela um tremelicar como se ela mesma tivesse sido enfurnada, ou melhor, como se ela tivesse saído nua depois de horas encafurnada dentro de um frigorífico. Um frigo-rífico enorme; um daqueles frigoríficos de matadouros.

— Eu desconfiava de que você me amava calado, Paulo. . . — mordendo-se os lábios pelo remorso sentido, continuou com o solilóquio depois de chegar a tirar fios de sangue deles —, mas. . . ouça Paulo, não podia te contar o que eu. . . — tropeçou nervosamente nas suas palavras —, o que eu realmente fazia e ainda faço para viver. Paulo, eu sou uma maldita prostituta sem vergonha e uma viciada irrecuperável! Não queria deixa-lo ma-goado naquela época, eu não podia nem “deveria” de veras, fa-zê-lo. Sentia isso, sim e, não sabia de o porquê, mas sentia-o bem dentro de mim; dentro da minha alma! — interrompendo o assunto mais uma vez, abaixou instintivamente a cabeça e o olhar, dirigindo-o firme ao chão de lajotas de mármore azulado-claro. Depois de muito pensar, erguendo novamente os olhos ainda a ares de tristeza, continuou dizendo: — Veja Paulo, você sempre foi bom demais para mim. . . lembra-se daquele nosso passeio ao; bah. . ., mas que bobagem a minha, nem deveria mais pensar nisso. . . — Célia quis lembrar-lhe o gostoso passeio que fizeram quando ainda jovenzinhos. Depois, levantando um pouquinho mais a cabeça para melhor olhá-lo, continuou: — Deixa esse assunto para lá, é pura besteira minha, esquece o que eu tentei dizer. . . — afiançou resfolgante; não conseguira deixar de fazê-lo. — Paulo foi o mais belo momento de toda a minha vida; soube-o tarde demais, porém, nunca o esqueci, contudo, infelizmente, nunca mais vamos tê-los de volta!

— No zoo? — indagou Paulo azoinado por tanta tagarelice tremendamente desengonçada.

— É sim, Paulo! No zoológico onde fomos com a minha mãe! Quantos anos nós tínhamos? Quatorze? Quinze? — após outro breve intervalo, para ela, muitos séculos passados, com imensa dificuldade tentava respirar forte para recompor-se emo-cionalmente: para encher os pulmões de oxigênio. Feito conse-guido, Célia continuou com o desabafo do seu “Inferno” aqui na Terra. — Eu não merecia você, assim como também não te me-reço ainda hoje! — um forte soluço seguido de um corrimento nasal fluiu até a boca, limpando-o com os dedos de uma das mãos, a que não segurava sua capanga não mais a tiracolo como dantes cruzada ao peito mostrando os seus seios fartos, agora com um montão de documentos ensacados em enormes envelo-pes de papel pardo. — Deixei-me levar por caminhos censurá-veis e tortuosos, caminhos errados mesmo, mas a ninguém devo pôr a culpa por isso, pois fui eu quem escolheu esses caminhos. Eu procurei as más companhias, eu fui fraca de carne e de espí-rito, agora olhe para mim, observe-me atentamente: — dizendo isso com laivo na garganta, foi retirando vagarosamente os ócu-los da face para que Paulo visse no que tinha se transformado. — Um pouco menos de três anos e meio depois daquele nosso último encontro eu pareço uma ancestral, uma mulher imprestá-vel, uma estúpida senil. Estou tão desamparada perdida e só, a não ser, pelas. . . — estancando a voz de vez, pela, até perdera a conta de quantas vezes o fizera, suspirando fundo para valer mais uma vez, deu continuação a toda aquela, para o Paulo mais do que uma chatice —, pelas minhas amigas inseparáveis, as bebidas e as drogas. Nem todo dinheiro que eu ganhei e ainda ganho com a prostituição, e olhe que não é pouco, me conforta mais. Paulo será que. . . tudo poderia ter sido diferente, se eu e você. . . — Célia continuava soluçando e picotando as palavras incontrolavelmente por tempo incalculável, não conseguia raci-ocinar direito, algo de estranho a impedia de fazê-lo. Sentia-se como no dia que ela o dispensara de vez da sua vida. O lindo dia que o levara até a casa do seu primo. O desditoso sábado ensolarado e quente: —, oh, Deus. . . Deus. . .! Paulo se eu na-quele quente, mas lindo sábado. . . — Tirando um lenço da bol-sa limpou os olhos empapados de lágrimas e, tossindo com rou-quidão, livrou-se do muco nasal com estrépito. Retirado o ba-tom discreto que usava nos lábios com o mesmo lenço, continu-ou: — se naquele sábado tivesse deixado você me levar até o Horto Florestal e não para o Bairro do Ipiranga, mesmo sabendo de que eu mentira, pois nunca tive mesmo a intenção de ir para o Horto Florestal. Quem sabe se tivesse me deixado convencer a flertar, ou. . . ainda, oh. . . quem sabe. . . quem sabe até começar um lindo namoro contigo. Ou, ainda talvez. . . quem sabe. . . quem sabe. . . se me entregasse-se despudoradamente a você, ou ainda, até mesmo. . . mais tarde casar! Quem sabe se dessa ma-neira, a minha e, ou. . . ou as “nossas” vidas poderiam ter-se enveredado por outro caminho. . . caminhos totalmente diferen-tes? Quem sabe? Quem sabe? Paulo, será que se eu tivesse con-seguido fazê-lo estaria livre desta minha maldita ruína?

— Ruína!!! . . .

Exclamou Paulo, arrastando com estrema violência a palavra proferida, assustadíssimo. Lembrara-se da linda cabrocha, a Lilia e, do que ela disse quando sentada a sua frente no estranho res-taurante antes de deixar naufragar sua alma dentro do casarão. Fora o quê? Uma ilusão? Um, pesadelo? Quem sabe até nada disso: nada de o Satan Lovers dos infernos! Lembrara-se muito bem, de o que a cabrocha Lilia lhe dissera: — “como pode se desprezar e se torturar tanto assim por alguém que não lhe me-rece, por alguém que vai levá-lo a ruína, e não estou me referin-do a ruína financeira, não deverias. . .”, de coração opresso, Pau-lo reviveu de novo aqueles momentos tortuosos e inseguros. Como a cabrocha Lilia poderia adivinhar de que um dia qualquer num futuro incerto, Paulo ouviria de novo as mesmas palavras ditas pela boca de outra mulher?

Célia sem perceber a tristeza estampada no rosto do amigo, continuou desabafando derreada, cabisbaixa, tristonha, arrasada por completo. Parecia que era imperativo soltar a língua de vez, não podia nem deveria parar, pois se assim procedesse, perderia toda a coragem em fazê-lo novamente. As perguntas repetitivas de “quem” é quem sabe sem as respostas plausíveis esperadas com rancoroso pesar, continuavam aflorado da sua boca, agora não mais com o hálito de orvalho matutino de outrora. O caso do suposto amor pelo Paulo, escondido no fundo d’alma por ela, sem contar a aventura vivida com o rufião do Reginaldo, o seu último caso amoroso, tinha frustrado por completo sua vida. Tinha-a deixado em cacos, em cacos, não; num puro tom cinza-escuro nebuloso.

— Paulo. . . — murmurou Célia sem ter a coragem em levan-tar a cabeça para fixar o olhar novamente no amigo de infância. Continuava atrapalhando-se nas explicações e nas suas pergun-tas sem resposta alguma —, será que eu teria abandonado as drogas se tivesse ficado com você se, desde. . . desde antes de me aproximar do nosso amigo, o safado do João Pinto. Foi nessa ocasião que me tornei uma drogada e uma profissional do sexo? — Célia desabafava num choramingo único. A infeliz da Célia não conseguia mais controlar-se. — Será que poderia chegar a me apaixonar verdadeiramente por você e até chegar a casar e ter lindos filhos? Pois é Paulo, quem é que naqueles tempos po-deria sabê-lo, não é? — Desilusão: outra pausa forçada. — Você não faz menor ideia de como me arrependi em não deixar que me acariciasses dentro do carro no nosso último encontro, mes-mo sabendo de que você desejava fazê-lo com ardor, e a qual-quer custo. Como me arrependi de não ter feito amor com você para experimentar o teu lindo “monumento” escultural, coisa apregoada pelo meu primo Ci aquele mesmo dia no carro antes de pedir que ele fosse para dentro de casa cassa se essa era a minha intenção ao leva-lo para lá. Infelizmente eu tive ciência de tudo isso tarde demais, muito tarde mesmo. Tudo isso não passou de um sonho de verão de uma manhã de sol de um sába-do esplendoroso.

Paulo ouvia-a calado engolindo a seco sem conseguir, mais, pronunciar uma só palavra que fosse, enquanto, pequeninas go-tas de lágrimas surgiam no canto dos seus olhos. Os soluços eram incômodos e, com eles, as lembranças do passado. As lem-branças do malfadado dia no seu carro com ela e o primo Ci. Depois germinaram as lembranças do lugar horrendo. O enorme casarão de floresta imensa e dos lúgubres corredores. Lembrou-se também do estranho restaurante e da jovem cabrocha ou bru-xa, nunca o descobriria. Lembrou-se da placa escrita em Inglês castiço:

Satan Lovers.

Por fim, lembrou-se do portão velho e enferrujado e do feio-so rosto nele enquadrado. Oh, dúvida atroz. Lembrou-se da bel-dade diabólica a quem avocavam de Mestra que o atendera e o desvirginara; lembrou-se do padre depravado deflorando a jo-vem nas escadas diante do altar desnudo e do pentagrama pinta-do no chão, talvez até com sangue humano; lembrou-se do De-mônio e do seu tridente circunvagando vagarosamente suspenso no ar o pentagrama; lembrou-se da enorme espada em sua cabe-ça e ombros e também das esplêndidas Ninfas por ele desvirgi-nadas momentos antes na estranha piscina de hidromassagens de água morna cheia de pétalas de flores. Lembrou, ainda, da pros-tituta deitada dentro do pentagrama, nua, esparramada exposta às vexações de todos. Lembrou-se também das horrendas, bizar-ras e fantásticas criaturas que passaram por ele nos macabros e intermináveis corredores a gritos agonizantes. Lembrou-se do excêntrico ritual e do sexo devasso praticado com a Mestra. Lembrou-se do excêntrico juramento feito ao Diabo. Por fim, se lembrou do Diabo dentro do cubículo malcheiroso: o próprio Inferno! Um pânico irreprimível invadiu o seu ser naqueles mo-mentos. Tremendo o seu frágil e sofrido corpo por inteiro, Paulo chegou até sentir a morte ao seu lado e, o pior de tudo; a sua espreita. . . visualizara mentalmente a Morte viva ao seu lado.

— Paulo. . . — clamou Célia em tom de suspense, novamen-te.

— Estou te ouvindo, continua, continua. . . — balbuciou a muito custo em meio a soluços e fungadas céleres. Sentia-se aterrorizado ao lado da Célia ao vislumbrar em pensamentos de a morte estar por perto dele sem ter a mínima desconfiança de o porquê dessa premonição. Não parava de olhar em sua volta e, para todos os lados, sentia-se receoso: deveras, temia por ele mesmo; mas por quê? Por sua própria vida cheia de incertezas? Por um amor frustrado? Por! . . .

— Paulo, você sabe o que aconteceu ao meu primo? — emendou Célia, em sossego, tinha-se acalmado um pouco.

— O Ci?

— É, ele mesmo.

— Não mesmo, nunca mais eu o vi!

— Ele morreu dias depois de você tê-lo conhecido.

— Como assim? Ele não parecia ser ou estar doente?

— E não estava mesmo! Morreu em sua casa, na sua cama vítima de empalação depois de ser violentado sexualmente.

— Nossa! Que coisa esquisita! E, o, ou, os culpados, a polí-cia chegou a prendê-los?

— Não Paulo! Foi um mistério total, como continua sendo até os dias de hoje. Aparentemente não foi ninguém.

— Pera lá, não foi ninguém, como isso pode acontecer? — perguntou estupefato abrindo exageradamente os olhos claros.

— Pois é Paulo, é isso mesmo o que você acabou de ouvir, a polícia não encontrou sinais de luta ou de nenhum tipo de vio-lência a não ser a bagunça que ele sempre fez com as suas coi-sas. Não encontraram marcas de digitais na casa, só as dele mesmo, e também, não houve outro tipo de vandalismo a não ser o abuso sexual e o da empalação por cima da cama do seu quarto. Nem drogas foram encontradas, além de, nada ter sido roubado ou movido do lugar, mas o mais aterrador foi, que. . . de que, todas as portas e janelas estavam trancadas.

— Bem, ele pode ter se empalado sozinho. . . — gracejou tentando quebrar o gelo daquela horrenda conversa —, desculpe a minha infantilidade Célia, disse isso sem pensar. Sei lá, algum amigo ou alguma amiga poderia ter as chaves —, arrazoou, ago-ra sim, com seriedade no tom de voz.

— Fora de cogitação, Paulo. Mesmo que alguém tivesse as chaves da casa, não poderia ter feito aquilo.

— Mas, por que não? — tentou averiguar rescaldado coçan-do o seu pequeno queixo quadrado de barba ruiva e rala.

— Vamos acompanhar a fila, Paulo, ela já avançou mais um pouquinho — admoestou Célia vendo que as pessoas a sua fren-te se afastavam deles caminhado em direção ao caixa do banco.

— Ah, sim, vamos, vamos. . . — blasonou baixinho, sentia-se aparvalhado com a inacreditável história sobre a morte do Ci.

— Escuta Paulo, ninguém poderia ter entrado no sobrado porque todas as portas e janelas estavam fechadas a chave. . . — confessou Célia com o coração em pedaços e, na maior aflição ao relembrar o terrível acontecimento —, inclusive com todas as travas de segurança acionadas por dentro da casa. Para poderem entrar, os bombeiros e a polícia tiveram que arrombar a porta.

— Caramba. . . isso sim é que deve ter sido mesmo assusta-dor!

— Pois é Paulo, eu que o diga, passei um tremendo susto dentro da casa do Ci logo depois de dispensar você aquele dia de maneira tão rude.

— Que susto? — perguntou do seu jeitão de olhos arregala-dos e testa franzida. Todo o seu nervosismo havia se esfumado menos a ideia de a morte estar ao seu lado: de estar rondando bem juntinho, cercando-o fazendo força para expulsar de dentro de Si alguma coisa: claro. . . a sua. . . vida. . .

— Talvez você não me acredite, mas eu fui estuprada dentro da casa do meu primo por um espírito ou um fantasma, que sei eu?

— Como isso é possível de acontecer?

A conversa de os dois, não mais tão jovens assim à espera da sua vez na monotonia da interminável fila rumo à caixa do ban-co ia caminhando como a própria conversa, lenta e tristonha.

Então, de súbito. . .

— Mãos para cima todos vocês!!! . . .

Berrou um homem mascarado e armado até os dentes empur-rando e derrubando as pessoas que ainda permaneciam nas filas dos caixas com a sua submetralhadora nas mãos, agitando-a com tremendo tresvario depois de arrombar uma das portas giratórias da entrada da agência tão rápido que, o segurança ao seu lado, e os demais nas outras portas giratórias, não tiveram tempo em reagir: não tiveram tempo para nada. A surpresa fora total e to-dos eles desmaiaram na hora devido às violentas pancadas dadas com as escopetas e as submetralhadoras em suas cabeças, por ele, e pelos seus comparsas ao tomarem de assalto na maior vio-lência à agência bancária.

— Todos no chão em silêncio. . . isto é um assalto! . . . — ameaçou outro bandido, o que tinha a máscara de diabo e, le-vantando sua submetralhadora, disparou uma longa rajada para o alto.

— Todo mundo deitando no chão, pra jááá!!! . . .— explodiu de voz rouca e grossa um terceiro assaltante, o da máscara de pato, chutando e derrubando o guarda de segurança que se en-contrava em pé entre a multidão no meio das filas totalmente bagunçadas.

Paulo da Costa Neto, olhando para os lados, avistou outros bandidos e, todos eles dirigindo-se para lugares diferentes dentro da agência e, um deles, para o primeiro andar: o andar da Gerên-cia Executiva.

— Célia, deita no chão, rápido! — exigiu Paulo com brusqui-dão, puxando-a pelo cangote para que ela se agachasse com li-geireza.

— Esvaziem todos os caixas. Andem depressa! Ponham todo o dinheiro nestes sacos! — bradou quem parecia ser o chefão da quadrilha para os demais comparsas armados. — Acelerando, vão, vão, vão. . . homens, o tempo nos é contrário. . . ei, vocês aí no chão. . . — dirigindo-se aos clientes e seguranças deitados no gélido piso —, todos bem quietinhos! Andem rápido. . . — o bem alimentado meliante falava atrapalhado e aos berros —, tirem tudo dos bolsos e das bolsas seus babacas. Não se esque-çam de tirar os relógios, os anéis, as pulseiras e os colares ou as correntinhas do pescoço — o malfeitor continuava apregoando em voz alta por detrás da sua máscara de cara de coruja sem demonstrar nenhum arrependimento nas palavras bem pronunci-adas.

— Enfia rápido todos os pertences deles neste saco, cara de tigre, segura ele aqui. . . — o assaltante disse cara de tigre evi-tando pronunciar o nome verdadeiro. Chamara-o pelo tipo de máscara que lhe cobria o rosto —, rápido, rápido. . .

— Abaixa a cabeça aí, idiota, quer que eu lhe enfie uma bala goela a baixo? — ao segurança ameaçou outro facínora. Ele se encontrava à paisana e ousara levantar a cabeça para olhar para cima, para o safado com a máscara cara de coruja.

Bang-Bang-Bang!!! . . .

— Quem foi que atirou? — perguntou o primeiro bandido que entrara na agência, o que tinha a máscara de diabo olhando aturdido para todos os lados.

— Foi o cara de anjo na gerência onde se encontra o cofre-forte, lá em cima — respondeu o da máscara de cara de cavalo, apontando o local com a sua escopeta.

— Pois vá ver o que aconteceu por lá e volte depressa, va-mos sair em menos de três minuto, mas vê se não se esquece de “pelar” o dinheiro do cofre-forte dos safados ricaços no andar de cima.

Tarde demais, um funcionário, fazia tempo que tinha aciona-do o sistema de alarme silencioso alertando a polícia no próprio batalhão via rádio. As viaturas, uma meia-dúzia delas, com frea-das bruscas e manobras espalhafatosas encheram o ar da rua num ruído atroador. Em toda a cercania do banco, sirenes gri-tantes, ensurdecedoras, penetravam nos ouvidos, fazendo com que todos, policiais, transeuntes, clientes do banco dentro dele, e até mesmo os próprios bandidos, por instantes os tapassem com as mãos pela zoeira desmedida oferecida a muita graça e espalhafato pelos donos e senhores de a lei e da ordem.

— Sujou galera, agora cada um está por Si mesmo — disse o bandido da máscara de diabo, assustado pra dedéu pela inespe-rada situação reinante no lado de fora da agência. . . — Saindo, rápido, rápido, entramos numa fria, peguem o que puderem car-regar! Movam-se homens, movam-se e, nem tentem economizar balas! — o bandido da máscara cara de diabo rugia e se movi-mentava feito doido, sem imaginar quantos soldados armados por ventura houvesse do lado de fora da agência.

A tentativa de fuga aconteceu desastrada e infortunada, nun-ca deveriam ter tentado sair da agência atirando feio para todos os lados: se tivessem ficado quietos até poderiam discutir com segurança uma negociação e, com um pouquinho de sorte, nin-guém sairia ferido ou morto. Entretanto, sabe-se lá por que ra-zão essa ação não chegou a acontecer.

Aos trambolhões iam saindo um a um da melhor maneira que pudessem, menos os dois meliantes que ainda permaneciam den-tro da sala da gerência no andar de cima. Na rua, a polícia de-monstrando extrema inépcia, posicionada por detrás das viaturas e nas colunas de granito da luxuosa entrada da agência, ainda que atrapalhados, conseguiram render alguns dos apavorados meliantes que, como baratas tontas tentavam sair correndo aga-chados e em círculos. Dois deles, abaixados rápidos como coris-cos, desviavam-se das balas dos policiais, esgueirando-se no meio dos cestos de lixo feitos de grandes manilhas de concreto colocados na calçada pela prefeitura municipal para facilitar a limpeza urbana, ao tempo que, disparavam suas submetralhado-ras a esmo contra o povão amontoado na rua com várias pessoas caindo mortas ou feridas. Um verdadeiro desastre desnecessário de acontecer.

A intenção dos meliantes era a de criar um caos geral para poderem fugir esgueirando-se no meio da gentalha. No entanto, os policiais tiveram mais sorte. Os dois safados acabaram balea-dos mortalmente e, estendidos no chão, ficaram espalhando o sangue por toda a calçada que, escorrendo do meio-fio para a sarjeta se misturava a água suja da via carroçável despencando com brutal rudeza dentro da imunda boca de lobo do esgoto. A garoa de antes, chuva forte agora, encharcou os patifes inertes no chão com suas máscaras grotescas lavando seus corpos e levando junto com a água da chuva o sórdido sangue dos seus cadáveres.

— Estes dois já eram! . . . — dois policias comentavam em sossego enquanto afastavam as armas de perto dos defuntos com os pés, mirando-os com desprezo.

— Há mais algum de vocês lá dentro?

Com o dedo indicador em riste no rosto de um safado, o ca-pitão da tropa buscando esclarecimentos, perguntou ao bandido preso já com as algemas nos pulsos de mãos para trás defronte a uma das viaturas perfurada de balas. Por muita sorte não explo-diu nem pegou fogo pelas balas disparadas pelos dois meliantes que tentaram escapar do cerco policial misturando-se ao povão.

— Mais dois — disse o canalha sem especificar aonde exa-tamente eles se encontravam. Fato esse, que alguém pagaria com a vida.

— Soldado!

— Sim, senhor, senhor capitão. . .

— Ponha este safado junto com o que já está engaiolado como um “canarinho” no camburão. Depois com mais dois companheiros, guardem os defuntos estendidos na calçada. Não deixem que toquem neles. Nem perto alguém pode chegar até que o médico-legista apareça por lá com a técnico-científica da civil.

— Sim senhor, senhor, capitão! Vamos andando aí, malan-dro. — disse empurrando-o com a escopeta seu costado —, pensou que podia se safar desta, palhaço! — referindo-se a ele pela máscara que ainda usava: a de palhaço.

O Paulo e a Célia novamente em pé, preparavam-se para sair da agência, quando um megafone bramindo alto se fez ouvir a grande bulha.

— Todos aí dentro do banco apoiem as mãos bem separadas nas paredes e abram bastante às pernas. Vocês estão cercados, não tem por onde fugir ponham suas armas no chão e chutem-nas para longe, mas principalmente não façam besteiras quando adentrarmos na agência.

Quem estava com o megafone falava aos berros gesticulando comicamente um dos braços, pois até àquela hora, os policiais não sabiam quem poderiam ser os bandidos delatados pelo com-parsa, nem onde eles pudessem estar, ou, quem sabe, até fingin-do-se de clientes.

Todos os que estavam dentro da agência obedeceram, mas Paulo que tinha nas mãos a sua maleta com um enorme Note-book dentro dela, acenou para os policias tentando abri-la para mostrar-lhes o que era. Contudo, como toda a equipe policial ainda continuavam num total deus-nos-acuda, sem mais nem menos, ouviu-se um grito:

— É uma booomba!!! . . .

Berrou o idiota do primeiro soldado que se preparava para entrar na agência armado até os dentes.

— Atiiirem!!! . . .

Ordenou outro imbecil.

O capitão.

O que se apresentou a seguir foi uma saraivada de balas dis-paradas desde a entrada do banco, estilhaçando os vidros levan-do-os ao encontro do corpo do Paulo perseguindo as balas de diversos calibres disparadas pelas armas dos milicos do lado de fora da agência. Fulminantes impactos jogaram-no com violên-cia de costado contra a parede oposta a ele fazendo com que movimentasse as pernas e os braços em desarmônicos trejeitos. Maleta ao chão; perfurações mil de projéteis metálicos e de mi-lhões de estilhaços de vidro incrustaram-se no corpo, no rosto e nas mãos do cafifento do Paulo da Costa Neto. Ouviu-se uma forte e seca pancada na parede lisa de granito ao chocar-se con-tra ela com o corpo ensanguentado por completo. Se escorando lentamente nela já inerte, escorregava, escorregava e, escorrega-va aos poucos de espádua apoiada a ela borrando-a de um ver-melho pinturesco enodoando-a por aonde ia escorregando e caindo: esse caminho, o corpo do Paulo seguiu até o chão espa-lhando sangue para todos os lados. Por fim, a imobilidade no piso liso da friúra agência bancária. Célia Arruda, desesperada, desvencilhando-se de tudo do que tinha nas mãos, jogou-se por cima do amigo esfacelado, torcido de barriga para cima, aos gri-tos de braços agitados em louca agonia e, grudada a ele, perma-neceu por intermináveis minutos empapando-se com seu sangue. A boca e os olhos do Paulo estavam abertos escorrendo sangue pelos cantos. Estava também o nariz e os ouvidos, assim como o tórax fendido com pedaços de coração a mostra, dilacerado, mas ainda pulsando e esguichando o sumo da vida que, latejan-do aceleradamente, tentava resistir à morte certa que em seguida o abancaria e o levaria pelas mãos a quem o merecesse: para o lugar a ele previamente destinado.

— Vocês mataram meu amigo. Assassinos! Covardes! Atira-ram em um cliente do banco desarmado. Assassinos! Assassinos! Vocês mataram o meu amigo, o meu amor, o meu grande amor! — finalmente Célia Arruda dera-se conta de que o amava de verdade. E esse amor, ela também iria leva-lo para o túmulo, assim como Paulo o levou instantes atrás. Alaridos de ódio al-ternados ao sentimento de amor de dor e de culpa, derrubou física e emocionalmente Célia Arruda.

A polícia, tomando de assalto a agência, revistaram tudo e a todos sem encontrarem arma alguma. O povão apavorado pela sórdida desorganização e violência dos militares, indignados, não sabiam como proceder, contudo, o falatório entre eles roda-va penoso e a solta.

— Eles deveriam averiguar primeiro, ter negociado e não atirado dessa maneira, até poderiam ter matado mais alguns de nós. — era o comentário de um cliente para outro —, a final, o caso não era de jeito nenhum, desesperador. A polícia já tinha o domínio da situação lá fora. Foi falta de tino. . .

— Foi falta de comando. . . — chegou a explicar outro clien-te tremente de medo e de ódio por ação tão precipitada realizada pelos policiais tão mal preparados.

— E verdade amigo, todos nós teremos problemas pelo ato insano cometido pelos militares.

— Certamente! Com toda a certeza nobre cavalheiro, com toda a certeza, mesmo. . . — comentou outro senhor, ele se en-contrava mais adiante limpando o suor da testa com seu lenço de linho azul-escuro.

Os dois bandidos dentro da gerência, no andar de cima, tre-miam apavorados borrados de cocô, O gerente recebera três balaços na testa. Estava sentado na cadeira da sua escrivaninha com a cabeça e os braços caídos por cima dela segurando com possança sua arma a punho fechado. Não conseguira dispará-la uma vez sequer.

Célia, amparada por duas policiais, continuava desmanchan-do-se em choros e berros profusos, enquanto os dois últimos meliantes que permaneceram dentro da sala da gerência eram postos no camburão aos safanões.

— Assassinos! Assassinos! — Célia continuava aos berros em total desespero. — Vocês mataram meu melhor amigo, o meu amor. Assassinos! Assassinos!

Como não parava de espernear e de berrar, o primeiro para-médico que adentrou ao recinto aplicou-lhe alguns sedativos para tentar acalmá-la. O que, depois de minutos intermináveis, em partes, aconteceu, por fim.

Quando toda a tropa já no interior da agência um grunhido desesperado saiu da boca de um sargento, dirigido ao seu capi-tão num impávido colosso pela infortunada confusão que conti-nuava imperando no interior daquela agência bancária.

— Capitão venha ver uma coisa — disse, quando agachando quase ao lado da escancarada maleta do Paulo.

— O que foi sargento? — indagou o capitão pondo-se rapi-damente ao seu lado.

— Olhe capitão, a maleta com o tiroteio se abriu. Veja é um Notebook, não é nenhuma maldita bomba!

— Meu Deus que situação horrorosa! Será que dá para plan-tar uma arma na maleta do moço?

— Sei lá capitão! Veja capitão, acho de que isso será uma tremenda insensatez, eu creio que. . . quero dizer. . . acho que é muita imprudência tentar fazer isso! O caso vai virar uma bosta ainda mais fedida do que já virou! — explicou com meticulosi-dade o sargento, perplexo pelo descaramento do solicitado pelo seu superior. — Pense bem, chefe, a maleta encontra-se aberta, se alguém chegar para mais perto dela e a tocar vai se complicar ainda mais. — Cochichando ao ouvido do chefe, fez observa-ções sobre a besteira que o seu superior desejava cometer.

— Continue agachado comigo sargento, finja que estamos examinando alguma coisa de importância aqui no chão. Você por acaso tem uma segunda arma consigo? — perguntou com austeridade, quase que, intimando o seu subalterno a ele entre-gá-la, se por ventura tivesse outra arma.

— Tenho sim, capitão, e com o número raspado, mas veja lá o que o vai fazer, vai dar uma zebra fodida! O senhor quer es-tragar toda a nossa operação?

— Deixe que eu me preocupe mais tarde com esta bosta. Desde a chegada a esta agência bancária, estragamos tudo, te-mos que nos arriscar, não temos alternativa, passa ela para cá às escondidas. . . depois eu me viro com a corregedoria.

O sargento, tirando a arma do cano alto da sua bota, entre-gou-a ao seu capitão junto com o punhal de assalto tipo baione-ta.

— Vamos aproveitar toda esta maldita confusão. De qual-quer maneira vão tentar nos crucificar, não é mesmo? Matamos um inocente, e por pura sorte, muita sorte mesmo, não matamos mais pessoas.

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— Meu filho. . . — disse a Mestra ao apresentar-se toda jubilosa ao lado do finado Paulo —, já pode levantar-se, agora!

O espírito do Paulo da Costa Neto ia se elevando, separan-do-se do corpo mortal estendido no chão após o chamado da diabólica beldade. A tal Mestra do infernal casarão no Bairro do Itaim Bibi:

O Satan Lovers.

— O que foi que aconteceu comigo? — quando já erguido de olhos desembaçados, o espírito do Paulo perquiriu apavorado —, ah, é a senhora? O que quer de mim desta vez? Isto não é mais um sonho maluco, hein? — disse Paulo surpreso ao vê-la nova-mente linda e alva como da primeira vez que olhara para ela no casarão do Diabo. No arrepiante e aterrador casarão: o enigmá-tico. . .

Satan Lovers.

— Olhe para você ali no chão. . . — comunicou impassível com palavras pausadas, acenando com a cabeça para que Paulo olhasse para o seu próprio corpo estendido no chão frio da agên-cia bancária, rodeado por gente estranha preocupados com o rebuliço ainda reinante por lá.

— Oh, meu Deus! Sou eu! Agora me lembro. A Célia e eu na fila do caixa, o desabafo desesperado dela como se estivesse fazendo uma declaração ou uma confissão à minha pessoa, os bandidos, o assalto, as máscaras horríveis, a cara de. . . de. . . de diabo! O tiroteio. . . — Estagnando sua compadecida voz, sus-pirando fundo, continuou olhando para ele mesmo estirado no chão. A seguir, exclamou incrédulo pelo que via a sua frente: ele mesmo reteso e todo ensanguentado no insensível e álgido piso da agência bancária. — Eu morri. . .?

— Sim Paulo, você está morto, o ocorrido agora pouco era para acontecer mesmo desta maneira. Para você não iria fazer diferença alguma se nos visitasse ou não naquele dia, ou. . . em qualquer outro, ou ainda. . . o que você pretendia fazer por lá. . .

— Então o que aconteceu comigo aquele dia não foi um so-nho? Um terrível pesadelo? — quis em verdade saber.

— Não Paulo. . . tudo aquilo ocorreu mesmo na tua ida. Continuando: o final seria o mesmo; o de este aqui! Tiramos vantagem disso, por certo de que sim, induzindo-o a ir para lá, é claro. Nós tudo sabemos, pois somos oniscientes e sabedores de o que está escrito no rol da vida de todos vocês. . . pobres mor-tais. . . Por isso, como já sabíamos de que você iria mesmo mor-rer do jeitinho que você morreu agorinha pouco; repito, tiramos vantagem disso, pois o que aconteceria, ou melhor, o que já aconteceu, estava escrito no caderninho da sua vida ao nascer-des, era sua sina meu caro Paulo, portanto, aí se encontra o seu corpo, o mesmo que os bichos vão devorar em pouco tempo — apontando para o corpo do Paulo mais uma vez. — Tudo no seu mundo é assim mesmo, querido Paulo. — Matraqueando em rejúbilo intenso, continuou a extrema insensibilidade: — você morreu de verdade, e é por isso mesmo que eu estou aqui. Lem-bra-se do nosso acordo?

— Lembro, sim, mas no acordo não constava que eu deveria morrer, além do mais, vocês me usaram criminosamente, pois como disse há pouco, já sabiam de antemão da minha “desven-tura” — proclamou num endoidecido desespero, oferecendo-se uma pausa para melhor poder pensar, tentar reunir provas para a sua defesa. Estava inconformado por encontra-se morto, e com tamanha violência.

— Vocês me tapearam seus malditos, abusaram da minha inocência! E tem ainda mais. . . nem permitiram que ao menos tivesse uma simples relação sexual com a Célia, mesmo sendo ela uma mulher de vida fácil, quanto mais ficar com ela para sempre, pela. . . — Paulo, interrompeu suas queixas para dar um tempo a fim de ter alguns momentos mais de meditação, tornan-do a falar com extraordinária desesperança —, por toda a eterni-dade! Não, não, é não! Não é justo! Fui ludibriado. . .

— Mas é claro que você não foi querido! Só agimos daquela maneira porque a sua alma já estava prontinha para entrar em disputa. Entretanto, não poderíamos deixar que. . . como pode-rei explicar-lhe isso para que o entendas melhor. Ah, sim, claro, claro; de que Ele a levasse para o seu lado. Tentamos puxa-la para nós e o conseguimos — a jovem Mestra trocou a palavra, Deus, por Ele, com severidade no tom de voz oferecido. — Fi-lho, você se recorda das palavras exatas que nos disse, na ocasi-ão?

— Sim, sim, quero dizer, bem. . . acredito que sim, mas. . . — Paulo parolava com a Mestra tentando dissimular, pensando com isso obter uma escapatória para a infortunada e irreversível situação que se encontrava, porém, sem localizar nada que fosse plausível em sua confusa mente para desfazer sua infeliz sina, prosseguiu preocupadíssimo pelo que via a sua frente: o seu próprio desprezado “ele” mesmo jogado ao chão horrivelmente mutilado e morto. — Mas é claro que eu me lembro! — afirmou irritadiço.

— Você se lembra de que lhe foi perguntado com exagerada insistência se tinha certeza do que desejava fazer pelo menos umas três vezes? — a jovem e linda Mestra continuava insistin-do no específico assunto.

— Sim, sim, disso também me lembro — respondeu em alto e bom-tom, movimentando a cabeça para frente e para trás, con-firmando com o gesto as suas palavras — sim, eu me lembro!

Tornou a repetir.

— Pois então filho, percebestes agora de que propusemos insistentemente o teu arrependimento; propusemos a você para que não prosseguisse com o juramento. Então filho, você pode-ria repetir as palavras para mim exatamente como as disse aque-le dia!

— Exatamente. . .?!

— Sim, é claro, exatamente! Será que ainda pode dizê-las? Não é que isso tenha agora a menor importância, mas. . .

Para poder lembrar-se das palavras exatas, o espírito de Paulo da Costa Neto olhava em sua volta tentando fazer um pouco mais de hora observando frustrado toda a confusão que ainda imperava no interior da agência bancária. Viu os soldados agita-dos mais nervosos que os clientes e os próprios funcionários do banco. Viu pessoas desesperadas correndo de cá para lá. Ouviu gritos histéricos misturados a choros incontroláveis das mulheres e de dois bebês de colo levados por suas mães ao banco. Viu a sua amada, a Célia Arruda, amparada pelas policiais militares aos prantos, que, nem com os sedativos aplicados pôde se acal-mar totalmente.

Viu cobrirem-no com um monte de jornais velhos já borrados com o seu próprio sangue. A seguir, olhou para Célia mais uma vez; agora ele a via com outros olhos, os olhos de uma alma penada e penalizada. Inconformado e arrependido pelo mal que aos dois havia feito, pelo menos assim pensara ele, sem dar-se conta de que, as consequências daquele ato isolado, imaturo e irracional no antro do Mal; na desdita noite fatídica no Bairro do Itaim Bibi dentro do casarão Satan Lovers quase no centro da cidade de São Paulo, seria bem pior do que ele imaginou naque-les sórdidos momentos. Então, puxando fundo da memória repe-tiu:

— Eu quero que Célia seja minha mulher, somente minha e de mais ninguém pela eternidade afo. . . — calou-se abrupta-mente para melhor poder respirar fungando até não poder mais de exaustão. Passados alguns segundos, avançou no assunto —, pois eu a amo muito. . .

— E então, sentiu o drama, meu filho. . .? — interrogou a das Trevas —, deu-se conta, agora? Matutou no que nos disse? “Pela eternidade afora”, proferiu você alto e claro. Teve toda a chance de arrepender-se, não o soube fazer ou na maior das ver-dades não quis fazê-lo. Você poderia ter ido embora do casarão naquela hora sem prestar o juramento, sim, nós iríamos deixá-lo ir de verdade, ou você simplesmente poderia ter dito, por exem-plo: por todas as nossas vidas, e não por toda a eternidade. A eternidade somente vem após a morte, filho, e tão somente para vossas pobres almas. Por isso estou aqui, vim cobrar o nosso trato, o nosso quinhão, em outras palavras, receber o nosso pa-gamento: a tua, agora não tão inocente, mas sim, inconsequente alma.

— Não, não e não! Isso não é justo. . . — contrapôs Paulo tentando defender-se mais uma vez —, continuo achando que vocês me enrolaram. Porque nós nunca ficamos juntos? — refe-rindo-se à Célia e a ele mesmo.

— Muita calma nesta hora, filho, não somos assim, tão. . . — a Mestra ponderava com indisfarçáveis sorrisos finórios; falsos mesmo —, tão maus assim como parecemos. . . — gracejando a seguir irradiando alegria —, em breve você estará ao seu lado, você verá. . . — o hiato que a Mestra chegou a proporcionar-lhe foi bastante longo. . . —, e por toda a eternidade, filho; por toda, mesmo. — Concluiu a exortação num escarnecimento sarcásti-co, junto a risos malévolos às pencas. — Antes que eu me es-queça, querido Paulo; para finalizarmos nossa conversa por aqui, devo esclarecer mais uma coisa para que saibas o que perdestes. . . — comentou a Mestra a boca-pequena a risos acintosos. — Se você no dia do juramento tivesse se arrependido e ido embo-ra sem consumar o ato, para você bastante dúbio, até hoje, ou melhor, até bem antes da sua morte, você teria tido cópulas memoráveis com a sua angelical e odiada Célia Arruda como marido e mulher, e ela teria deixado de ser uma prostituta! Além de. . ., de ter concebido lindos filhos: dois casais de gêmeos. Agora já basta, vamos, querido Paulo, o seu tempo já acabou, não temos mais nada a fazer por aqui, estão nos aguardando num outro lugar.

Frank P Andrew

fpandrew@msn.com

Frank P Andrew
Enviado por Frank P Andrew em 29/08/2023
Código do texto: T7872949
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