De Volta para os Braços da Morte

A última coisa de que ele se lembrava era uma luz ofuscante e um barulho ensurdecedor. Sentia-se dolorido, sabia que algo estava errado, tentou abrir os olhos mas a luz os fez doerem, resolveu tentar de novo. O quarto era branco, uma televisão com uma moça do tempo sorridente olhava para ele em volume baixo. Ao ver os aparelhos e o cano que ia de uma bolsa de soro até seu braço teve certeza de que encontrava-se em um hospital. Como havia chegado lá ele não se lembrava. A verdade era que não se lembrava de nada.

Bom dia dorminhoco. - uma enfermeira sorridente parecia ter sido a fonte do cumprimento. - Vou chamar o médico e seus pais, eles vão ficar feliz, acabaram de sair para tomar um café.

O médico chegou, um senhor de cabelos grisalhos que aparentava estar nos seus cinquenta anos. Verificou os aparelhos, ouviu os batimentos cardíacos dele e colocou uma luz em seus olhos até que um casal entrou correndo pela sala chorando interrompendo o médico.

Ai meu Deus, Evan, meu filhinho, você acordou, você vai ficar bem. Doutor quando ele vai poder sair? Tenho certeza de o que ele mais quer é ir para casa.

Preciso terminar de examiná-lo - respondeu o homem com o jaleco branco - pelo que vejo os sinais vitais estão bons, vamos fazer outra ressonância do crânio e deixá-lo em observação por dois dias, se tudo estiver bem ele vai receber alta. E agora meu rapaz - disse o médico olhando para o ocupante da cama - você sabe onde está?

Em um hospital…

Muito bem, e você se lembra de como chegou aqui? Não? Tudo bem isso é comum após um trauma. Você pode me dizer o seu nome e a sua idade?

Ee-uu não me lembro. - a mulher que parecia ser a mãe dele arregalou os olhos.

Muito bem, calma, e esse dois você reconhece? - perguntou o médico apontando para a mulher e o homem que estavam no quarto.

Acree-dito que não. Não, não me lembro deles. - a mulher começou a chorar e o homem a abraçou.

- Isso não é incomum acontecer, vamos esperar o resultado da ressonância e deixar o Evan descansar. Depois passo para ver como você está - olhando para o paciente - qualquer coisa é só chamar uma enfermeira e elas entram em contato comigo. Depois disso o médico saiu do quarto e restaram só os três.

Amor, você realmente não se lembra de nada?

Quem são vocês? O que aconteceu?

Oh - soluçou a mulher e olhou para o marido que respondeu

Seu nome é Evan Black, você tem 17 anos e nós somos seus pais Alice e James. Você esteve em um acidente de carro. Havia outra pessoa envolvida, seu carro capotou.

Evan Black.

Isso mesmo - respondeu o homem chamado James.

Dois dias depois Evan Black recebeu alta e foi para casa. A sua memória não tinha voltado ainda e o médico lhe falou que poderia ser uma amnésia temporária, com o tempo sua memória deveria voltar.

Ele se olhava no espelho mas não conseguia reconhecer o rosto que via, as cicatrizes, os cabelos loiros bagunçados e os olhos escuros. - Evan Black - sussurrou, como se isso você despertar sua memória. A ida para casa foi silenciosa. A residência em que o carrou parou era grande, com jardim na frente e um jardineiro. O homem e a mulher, James e Alice, lembrou ele, lhe guiaram até o quarto que disseram ser dele.

Evan Black. 17 anos. Evan Black. Evan Black. O quarto em que estava era espaçoso com uma cama de casal e pôsteres de basquete misturados com bandas de rock pesado, na escrivaninha bagunçada ela podia ver o Mac última geração, foi até a cadeira sentou-se e abriu o laptop, a tela o encarou perguntando a senha, ele ficou encarando de volta, tentou digitar algumas coisas, porém o computador apenas respondia: senha incorreta.

Droga - ele murmurou para si mesmo - nada disso me parece familiar.

Evan continuou a estudar o seu quarto, abriu gavetas, leu o que encontrou dentro mas nada despertava a sua memória. Resolveu então tentar o guarda-roupa, percebeu que as roupas ali dentro eram de marca, os tênis Nike, e um uniforme que parecia de uma escola, depois de uma pesquisa descobriu que eram da Escola Preparatória Alan Turing, a melhor escola do país. Despertou de um transe quando ouviu uma batida na porta.

Querido - disse a mulher que era sua mãe - o jantar está servido.

Ah, ok. Já vou descer.

Quando ele chegou estava tão nervoso que nem reparou muito na casa, mas agora andando pelo corredor, descendo as escadas tinha a certeza de que a família era bem de vida, tudo parecia organizado, imaculado podia-se dizer, as paredes continham quadros com fotos de famílias. Em uma o homem e a mulher no dia do casamento, em outra o homem segurando um bebê, tinha uma com um menino de uns 10 anos com uma bola de basquete nas mãos, pelas semelhanças físicas sabia que deveria ser ele, mas ele nem se lembrava de saber jogar basquete.

Oh você está aí, já estava preocupado que tinha se perdido - disse o homem em tom tentando soar como piada, pai, ele tinha que se lembrar que ele era seu pai. - sua mãe já colocou a mesa, vamos nos sentar?

Ah, Claro, me desculpe.

Os dois seguiram até a sala de jantar que parecia saída de uma revista de design, a mãe apontou um lugar para ele se sentar e começou a falar alegremente:

Fiz o seu prato preferido, lasanha de carne.

Obrigado, parece deliciosa - estava aí uma coisa que ele se lembrava de gostar, estranho…

Então… tudo certo com o seu quarto? Eu tentei não mexer em nada, sabia que você ia voltar para nós.

Sim, obrigado, Alice.

Claro. - ela respondeu meio sentida por ele não a ter chamado de mãe.

E então alguma lembrança rapaz?

Hmm,não, tentei digitar a senha do computador e também não consegui… - e ao ver a expressão dos dois acrescentou rapidamente - mas lembro de amar lasanha… e essa com certeza é a melhor que ja comi.

Bem é um avanço, e quanto ao computador não se preocupe vou levar para o meu técnico desbloquear. E amanhã você já pode ir para escola.

James! É cedo, é melhor deixar o Evan se recuperar um pouco antes…

Só estou falando que talvez seja bom para o menino, ver os amigos, a namorada pode ajudar a trazer as memórias.

Claro, eu vou sim, pode ser bom… - só o que conseguia pensar era: e agora? Namorada? Amigos?

Depois do jantar Evan começou a recolher a mesa para lavar a louça e foi interrompido por Alice:

Você não precisa fazer isso, pode ir descansar…

Não tudo bem, pode deixar, eu limpo tudo.

Depois que ele saiu conseguiu ouvir o homem sussurrar -é talvez tenha saído algo de bom disso afinal, o moleque nunca lavou uma louça na vida.

A escola foi estranha, o prédio parecia mais uma catedral gótica ou algo do tipo. Enquanto ele caminhava todos ficavam encarando, alguns cochichavam e outros sorriam. Em um grupo à frente, três meninos, que pareciam atletas, e duas garotas acenavam e chamavam seu nome. Uma delas a loira correu ao seu encontro o abraçou e deu um beijo.

Amor já estava ficando preocupada, pensei que você não viria hoje, que bom que você já está bem!

Ai parceiro! Pensamos que íamos ter que derrotar os Marmotas sozinhos.

Cara você tá bem? Parece meio tonto…

Eeuu, quem são vocês?

Cara é verdade o boato, o Evan não lembra de nada.

Como assim você não lembra? - perguntou a loira horrorizada, como se disse como alguém poderia me esquecer.

O médico disse que provavelmente é uma amnésia temporária…

Então vamos começar as introduções, eu sou o D.J. o melhor do time e por falar nisso você me deve 200 pratas, aí. - a loira deu uma cotovelada no D.J - não é crime tentar né… mas continuando, o grandão é o Urso, esse morenão é o Mike e essa gata morena a Jenny e claro a loira chata que é a sua namorada a Amy.

Certo, D.J, Urrso?, Mike, Jenny e Amy. Acho que peguei.

E você é o Evan, craque do basquete. Cara falando nisso você se lembra como jogar basquete? Temos jogo amanhã a noite, importante.

Desculpe, não posso jogar ainda, ordem dos médicos.

E o sinal tocou, melhor levar você para sua sala né amor, ainda bem que eu sei todos os seus horários…

Irmão se antes você já ia levar bomba…. Agora que não se lembra de nada quero ver…

Fica quieto agora ele tem álibi… pode culpar o cérebro.

O dia foi tão normal quanto poderia ser para alguém que precisava de ajuda para se localizar na escola, não lembrava o nome dos professores e ainda tinha que encarar os olhares dos outros alunos. Evan sabia que as coisas seriam estranhas e sabia também que ele precisava se lembrar e rápido. O problema era que a sua memória simplesmente havia sumido. Não importava o quanto ele tentava se lembrar, o quanto ele queria se lembrar, era como se seu disco rígido havia sido apagado.

Assim que chegou ao colégio o cara alto e falador chamado D.J. colocou a mão sobre seus ombros e começou a perguntar se ele já estava se lembrando de algo, ele respondeu que não.

Cara que droga deve ser para você! Mas não se preocupe vai voltar, e por falar nisso espero que você ainda se lembre de como jogar basquete porque temos um jogo importante em uma semana, e não se esqueça, bem talvez você devesse anotar, hoje temos treino depois da aula. Não se atrase te vejo depois.

Ah claro. Até.

Droga! Ele não tinha certeza mas alguma coisa dizia que ele não sabia jogar basquete e isso apenas se comprovou no treino quando ele não conseguiu fazer nenhuma cesta, e ainda por cima não se lembrava das regras. Alguns do time ficaram irado pensando que ele estava tirando com a cara deles. O técnico ficou preocupado, afinal de contas Evan era o melhor do time, verdade que ainda tinha que convencer o médico a libera-lo, e o técnico contava com ele para vencer o próximo jogo, o jogo que levaria eles paras as semi finais. D.J. garantiu ao técnico para não se preocupar ele iria fazer o amigo se lembrar de como jogar. Mas Evan não tinha tanta certeza que isso era possível.

Dois dias se passaram até seu pai (pai, ele ainda tinha que se acostumar com isso) trazer seu Mac desbloqueado. Agora as respostas estavam a mão, ele se perguntava se realmente gostaria de saber quem era. É claro que sim, afinal não poderia ser mais humilhante do que no dia anterior. Olhando para o computador com a tela escura pensava se algum dia ele iri se lembrar, pelo menos o computador lhe diria quem ele era. Ele podia ver a sua indecisão refletida na tela, naqueles olhos estranhos que o encarava, inspirou fundo e apertou o botão de ligar. A tela piscou e uma foto dele com o uniforme de basquete e uma bola apareceram como fundo de tela.

Evan começou olhando a pasta de músicas, aparentemente ele gostava de rock, metal e hip-hop, a lista de músicas era enorme e composta por várias bandas que não conhecia, como o cérebro era estranho ele conseguia se lembrar de uma banda chamada Metallica mas não de Red Label Metal. Outra coisa que ele percebeu foi que aparentemente a batida havia mudado seus gostos musicais porque ele deu play em algumas músicas e achou horrível.

Era hora de enfrentar as fotos e haviam tantas que depois de duas horas ele ainda não tinha nem chegado na metade das pastas. Na maioria eram fotos dele em jogos de basquete, algumas em uns shows, tinha dele com os amigos no shopping, na praia e em festas. Uma coisa podia perceber pelas fotos, ele era o que muitos chamam de o rei da escola e isso era uma algo que não entendia.

Haviam se passado dois meses quando chegou em casa sem ninguém notar e ouviu seus pais discutindo sobre ele:

James eu estou falando alguma coisa está errada, nós deveríamos levar ele no médico!

E vamos dizer o quê? Doutor a memória do nosso filho não voltou ainda e além disse ele não ouve música alta no quarto mais, ah ele também parou de ser grosseiro.

A memória dele já deveria ter voltado. - respondeu Alice suplicante.

Alice o médico falou que poderia levar uma semana, um mês ou mais. Você acha que não me preocupo com ele, mas me preocupo sim e para falar a verdade prefiro o nosso filho de agora.

Como você pode falar isso James! E se a perda de memória não for resultado do acidente mas de um tumor? Ontem eu cheguei em casa e ele estava ouvindo Louis Armstrong pelo amor de Deus! - ela falou exaltada.

E daí ele é um adolescente muda de gostos o tempo todo e devo dizer graças a Deus ele esqueceu aquela barulheira.

Mas James não é só isso, e se tiver alguma coisa haver com o Antes do acidente? E me dá um ruim só em pensar naquele pobre garoto em coma…

Shh, Alice já mandei você não falar nisso! Fim de discussão. - interrompeu James já irado.

Nesse instante Evan imaginou que seria prudente se fazer ouvir e começou a tossir e a perguntar se tinha alguém em casa como se tivesse acabado de chegar.

Oi filho estamos aqui. Como foi na escola? - apesar do sorriso no rosto dos pais, era claro o embaraço deles.

Tudo certo sim, vou para meu quarto agora.

Naquele momento ele soube que era de suma importância se lembrar e resolveu começar visitando o outro rapaz envolvido no acidente. Digitando no campo de busca do computador encontrou uma matéria sobre o acidente informando que o outro envolvido era Miguel White,17, ainda internado no hospital Bom Samaritano.

Posso saber aonde você vai rapaz?

Eu… Boa tarde, eu gostaria de saber qual o quarto do Miguel. Miguel White.

Uhum… e você é da família? - a enfermeira na frente dele era grandona, com cabelos pretos e olhos escuros e possuía a aparência de quem está há muito tempo no trabalho. Com um sorriso no lábios Evan respondeu:

Na verdade não senhora, meu nome é Evan Black eu era o motorista no acidente com o Miguel, eu vim aqui para ver se eu poderia visitar ele…

Uhum… você é o garoto que perdeu a memória não é? Já lembra de algo?

Infelizmente ainda não…

Bem o Miguel está em coma, eu não posso permitir estranhos visitando, acho que a mãe dele está no quarto, eu vou verificar se ela permite.

Muito obrigado!

Depois de alguns minutos que mais pareceram horas e enfermeira retornou e o levou até o quarto 212. Quase não era possível distinguir o ser humano na cama, os tubos, faixas e aparelhos quase o cobriam todo. Miguel era moreno e alto, não tão alto quanto Evan e também dava para perceber que ele não era do tipo atlético. A mãe de Miguel era uma senhora magra e baixinha, com olhos profundos provavelmente de tanto chorar e olheiras fundas. Assim que Evan entrou no quarto ela se levantou da poltrona que sentava perto da cama do filho e deu um abraço desajeitado em Evan.

Desculpe querido, você deve achar estranho, soube que você ficou inconsciente por um tempo e também que perdeu a memória, gostaria que meu filhinho já tivesse acordado, você está bem?

Obrigado senhora, estou melhor sim, mas ainda não recobrei a memória, sinto muito, por tudo mesmo, me contaram que eu estava dirigindo e que eu atropelei o seu filho, meus pais me falaram que eu passei mal no volante, mas eu realmente não me lembro.

Deve ser difícil para você não se lembrar de nada da sua vida.

É sim senhora, eu pensei que talvez vindo aqui, não sei, descobriria mais alguma coisa sobre aquela noite, não sei, talvez algo que pudesse fazer a memória voltar.

Sinto muito, não tem muito do que eu falar… eu sei que meu Miguel estava indo para casa, sabe ele trabalha de ajudante de cozinheiro de noite. Meu Miguel vai ser um grande chef.

Tenho certeza que sim. A senhora se importaria de falar um pouco dele?

Claro que não, uma mãe nunca se importa de falar do filho, principalmente como o Miguel, melhor aluno da escola sabe, sempre foi, ele ama estudar e música também, não leva muito jeito com os esportes mas cozinha de um jeito maravilhoso, sempre me ajudando em casa, não se mete em confusão ou com os outros meninos de gangues da escola dele. Ele conseguiu esse trabalho como ajudante de cozinha para poder guardar dinheiro para faculdade, talvez até uma bolsa. Ele vai ser Chef. - as lágrimas começaram a rolar pelo seu rosto, um rosto que parecia dizer a si mesma para acreditar no que estava falando - ó desculpe essa velha boba, mas sinto falta do meu Miguel.

Eu entendo senhora, desculpe-me por perturbar a senhora, é melhor eu ir para casa. - ela nem percebeu ele ir embora.

Quando sua mãe soube onde estivera insistiu para ele não retornar. Depois daquele dia os pensamentos na mente de Evan eram um turbilhão, tentava ser o que um dia foi, mas pensava em tudo que o outro não poderia ser. Aqueles amigos que o rodeavam no começo se distanciaram e o encaravam quando passava.

Os dias se transformaram em noites, as noites em semanas e a insônia criou raízes profundas, não conseguia fechar os olhos sem que vultos e sons entrassem em sua mente. Já faziam dois meses desde que saíra do hospital e mais dois desde que visitou o inconsciente Miguel, sexta-feira, 22, aniversário de quatro meses. E enquanto a cidade dormia Evan suava frio na sua cama, mais uma noite de pesadelos acompanhados de medo de dormir, ao olhar para o despertador na cabeceira da cama ficou aborrecido ao ver que ainda eram 02:00 da manhã, a noite seria longa. Resolveu levantar e pegar um copo de água na cozinha.

Ao voltar para quarto tentando ao máximo não fazer barulho, escutou sussurros vindo do quarto dos seus pais, aproximando-se devagar conseguiu ouvir o que diziam:

De novo isso? Já falei para você esquecer e ir dormir. - mesmo baixo era possível notar a fúria na voz do homem que era seu pai.

Não entendo como você consegue dormir! Aquele pobre garoto! Você não tem consciência, alma ou algo do tipo?

Tenho e ela me diz para proteger os meus, já falamos sobre isso. Evan é nosso filho e não aquele garoto, e parece que o acidente até que foi bom para ele, parece que virou adulto.

Como você pode falar uma coisa dessas? Nosso filho foi responsável por aquele acidente! Nós fomos responsáveis! Devíamos ter feito alguma coisa sobre as drogas e o comportamento dele.

Já falei para você se esquecer disso, foi um acidente, é isso o que consta no relatório policial e é isso o que aconteceu, ainda bem por amigos leais.

James! Aquele menino! Vão desligar os aparelhos! Aquela pobre mulher! - Alice não conseguiu esconder o engasgo na voz e as lágrimas que começaram a correr sobre suas faces.

Os dois continuaram discutindo mas Evan já não ouvia mais nada. A verdade que tanto procurava, que tanto esperava viera à tona de uma maneira brusca. Ele causou um acidente porque estava drogado, acabou com a vida de alguém por ser imprudente. Seus pais encobriram tudo e o pior ele não conseguia se lembrar. Enquanto esses pensamento lançavam-se sobre ele como uma enxurrada corria descalço pela noite fria, não sabia aonde estava indo até que chegou na rua deserta em que tudo começara, o marco zero, ainda era possível ver as marcas de pneu no asfalto.

Evan podia olhar tudo mas não importava ainda não lembrava, era estranho, ele tinha a sensação de que tudo era um sonho, que iria acordar. A verdade era que não conseguir aceitar o fato de ter usado drogas, não parecia algo que ele faria, afinal ele não poderia ter mudado tanto, memória ou não. Algo estava errado, algo o incomodava, reparou que do outro lado da rua havia um ponto de ônibus e decidiu se dirigir para lá e se sentar, precisava pensar. O cansaço acumulado fazia com que tivesse ideias absurdas.

Foi aí que aconteceu, indo em direção ao ponto de ônibus ele ouviu um barulho ensurdecedor, uma buzina que se aproximava, uma luz forte ofuscou seus olhos e depois nada. Escuridão. Silêncio.

Não conseguia abrir os olhos, nem mexer o corpo, parecia que algo o estava prendendo, tinha uma sensação estranha na garganta e ao mesmo tempo uma familiaridade com ela. Procurou ouvir os ruídos e as vozes falando ao seu redor, tudo desabou quando percebeu o que estava acontecendo.

No quarto 212 do Hospital Bom Samaritano uma senhora triste se despede do filho enquanto um médico fala que é a coisa certa a ser feita. A morte cerebral já foi diagnóstica e os órgãos do menino poderão salvar outras vidas.

Ninguém ouviu ele gritar.

Não importa as vezes que a vida dá uma chance todos acabam correndo de volta para mim.