Sono ou O Caso das Marionetes
O telefone o despertou.
- Alô?
- Senhor... aconteceu de novo.
Ele desligou o telefone, sentou na beirada da cama e esfregou os olhos numa tentativa fútil de tentar afastar o sono. Levantou-se, afastou com o pé um punhado de roupa para o lado e abriu o armário. Vestiu uma calça, uma camisa branca e uma gravata vermelha. Saiu do quarto e olhou para o lado. Ficou parado uns instantes encarando-o antes de sair andando.
O barulho das sirenes era insuportável, sua cabeça latejava incessantemente. Fazia dias que ele não dormia direito. Puxou um dos policiais para perto de si e ordenou-lhe que desligasse as malditas sirenes. Passou por baixo das faixas amarelas de "cena de crime" e observou a casa. Verde, relativamente grande, uma casa comum sem grandes atrativos até o presente momento. Olhou para trás e começou a observar as pessoas que estavam se acumulando no local. De todas elas, havia uma que lhe chamou atenção, um homem branco, alto, esguio, com poucos cabelos na cabeça, óculos fundo-de-garrafa e com um estranho ar de que estava adorando tudo aquilo. Havia um sorriso em seu rosto mesmo que bem discreto. Ele acariciava um urso de pelúcia.
- Senhor, por aqui - disse um dos seus subornados.
- Tirem essas pessoas daqui - ordenou a outro policial.
Ele entrou na casa e logo percebeu, na parede em frente à ele, uma mensagem: "Somos todos escravos dos sonhos".
- A mesma mensagem que nas outras cenas senhor, mesmo modus operandi. Usa um pincel para escrever com o sangue da vítima na parede e, como de praxe, sem digitais.
O detetive apenas deu um resmungo como resposta e foi guiado para o corpo da vítima. Estava na cozinha. Mesmo sendo aquela a sexta vez ele ainda se impressionava com a cena. O corpo da vítima estava sentado em uma cadeira, era um homem com pouco mais de 45 anos de idade, calvo, branco, e com sugestíveis 120kg. Estava despido e havia dezenas de fios que vinham de um suporte de madeira no teto (que não fazia parte da casa) com ganchos que encravavam no corpo da vítima. A vítima estava "congelada" naquela posição, o braço esquerdo segurava um copo com cerveja enquanto o direito segurava um garfo com um punhado de macarrão que ia em direção a sua boca aberta. No prato à sua frente havia um cartão escrito "GULA" em letra garrafais. Sem digitais.
- Ele pensa que é um artista. Sem dúvida deve achar que o nosso horror é como uma forma de expressar nossa admiração pelo seu trabalho. - falou um homem.
- Charles. - disse o detetive.
- Jack. - respondeu.
- No fim... - bocejou - não temos muito o que fazer por aqui. Mesmo modus operandi. Mesma frase, mesma referência aos pecados capitais e claro... - bocejou novamente - sem digitais.
- É nosso trabalho tentar achar um deslize dele, não acha?
- Claro! Mas este não é o caso, Jack. Esse cara é um artista em todos os sentidos.
- Estou começando a achar que você o admira, Charles.
- Sim, de certa forma, mas não como você pensa. Ele é um... - bocejo - quebra cabeças para mim.
- Parece cansado Charles - ele observava as olheiras.
- Sem dúvida, tanto quanto ou até mais do que você - apontou para os olhos. Ele percebeu.
- Acho melhor você tomar o resto da noite de folga. Vá para casa e durma um pouco.
- Obrigado, mas acho que não vou conseguir dormir esta noite - bocejou mais uma vez antes de sair.
"Somos escravos dos sonhos, não é?" pensou enquanto segurava as roupas ensanguentadas procurando um deslize qualquer.
O telefone tocava, mas ninguém atendia. O quarto estava escuro e roupas ensanguentadas estavam espalhadas pelo chão. A televisão chiava estática na sala quando um vulto passou e fechou a porta. Ao lado, uma marionete de madeira assistia a tudo, sentada, imóvel.