O taxista e o homem da capa preta

Severino sai de casa todos os dias de carro para trabalhar por volta das 20 horas. Sua esposa coloca a janta na mesa. Jantam juntos e depois se despedem com carinho no portão de casa todos os dias.

_Vai com Deus, meu amor.

_Eu te amo bem.

_Eu também.

Ele entra no seu Santana 2008 branco, com faixas verdes pelas laterais e em cima do carro posiciona o luminoso de led escrito taxi.

De sua casa o taxista gasta uns 20 minutos até o ponto de taxi no Centro do município. Das 20h30 até o final de madrugada, Severino faz durante os finais de semana uma média de 30 corridas. Em cada corrida, Severino escuta uma história diferente. Ele brincava com os amigos de infância que os reencontravam que tinha se tornado um misto de taxista e psicólogo, só pelo fato de ouvir e às vezes oferecer apenas respostas rápidas.

_A vida é assim mesmo.

_A luta é realmente grande.

_Tá difícil pra todo mundo.

Severino é um carioca que optou por ir trabalhar no interior por causa dos assaltos e da violência da cidade grande. Um senhor de 56 anos queria trabalhar por mais 9 anos para se aposentar e dar atenção especial durante a noite para sua mulher Jurema, que o apelidou carinhosamente de "Meu Brancão", por causa da pele branca de Severino, 1,80m, magro, cabelos grisalhos.

Ele gostava de dirigir. Era seu sonho de infância. Tinha várias histórias engraçadas para contar.

Numa madrugada fria de sábado para domingo por volta das 3 horas da manhã, o telefone do ponto de taxi tocou e era a vez de Severino atender. Era uma ligação a cobrar. Ele resolveu arriscar e atender.

_Taxi Center, bom dia.

_Taxista, quero uma corrida. Me pegue aqui por favor.

_Pois não, você está aonde agora?

_ Estou aqui na Rua Joaquim Louzada, próximo ao beco das frutas.

_Dentro de 15 minutos estarei aí. Com que roupas você está.

_ Estou de preto.

_Ok. Estou indo.

Severino ligou o carro, acionou bandeira dois e deu partida. As ruas estavam desertas. Alguns botecos estavam abertos, mas com pouco movimento. Era mais um passageiro que o taxista estava buscando numa madrugada em que o sono era vencido pelo rádio sintonizado numa estação AM, que tocava música sertaneja até amanhecer o dia.

Depois de percorrer mais de 2 quilômetros, entrou no bairro e estava procurando a rua descrita pelo passageiro.

_"Tenho certeza que a Joaquim Louzada é a aquela rua que aqueles moleques quebraram as lâmpadas dos postes sei lá para quê".

Ao fazer a curva e seguir pela rua Severino avistou há uns 100 metros adiante um homem todo vestido de preto e alto. Na medida que foi se aproximando o taxista viu o homem estender o braço e sinalizar com a mão direita que ele era o passageiro depois que Severino piscou os faróis.

O homem se dirigiu ao carro, abriu a porta traseira e se assentou.

_Bom dia.

_Bom dia taxista.

_Qual é o destino?

_Rua Fidélis Silva, na altura do Bar da Colina.

_Ok.

O taxista deu partida no carro e o silêncio prevaleceu no carro durante a viagem. Ele desligou o rádio antes do passageiro entrar. Severino olhava no retrovisor para ver a expressão do passageiro, mas só conseguia ver uma expressão séria, cabisbaixa, olhando para as pernas, com o semblante carregado, triste, oprimido. Ele nunca tinha visto aquele jovem, que estava com a barba crescendo, bem aparada, camisa manga comprida preta, calça preta, sapatos pretos, uma capa preta, e uma cartola preta.

_"Acho que ele passou lápis nos olhos. Estes jovens...".

_Noite fria né, puxou papo com o passageiro.

_Uhum.

O homem da capa preta não queria papo. Severino então não insistiu em começar uma conversa. Ficou focado na direção e levar o passageiro até o seu destino.

Durante o trajeto por volta das 20 para as 4 da manhã uma leve neblina foi se assentando e cada vez menos o taxista cruzava com outros veículos e muito menos com bares abertos ou pedestres pelas ruas.

Ao entrar na Rua Fidélis Silva, Severino diminuiu a velocidade e perguntou ao passageiro:

_Meu jovem, me diga aonde você vai ficar.

_Daqui a mais ou menos 200 metros a direita, próximo ao Bar da Colina.

_Positivo.

Ao se aproximar do bar, Severino percebeu que já estava fechado.

O passageiro apontou para o lado direito e falou:

_Vou ficar ali, em frente aquele portão.

_Ali é o cemitério municipal.

Severino ficou com o couro cabeludo arrepiado. Mas não sentiu medo até que ouviu:

_Estou indo para minha última morada.

_De todos nós.

_Quanto fica?

_35 reais.

O taxista parou o carro, o passageiro tirou uma nota de 50 reais, pagou a corrida, recebeu o troco, guardou na carteira e desceu do carro.

Severino foi tomado pelo medo, deu partida no carro, olhou no retrovisor e viu o jovem pegar com a mão direita a capa preta fazer um movimento de cima para baixo organizando as vestes e entrou no cemitério.

Ele voltou para o ponto do taxi sem entender nada. Não imaginava que o jovem estava numa festa da fantasia, quando recebeu um recado de uma amiga que não via há uma semana, que seu tio estava sendo velado. Chorou! Seu celular estava no conserto e imediatamente saiu andando a pé sem direção, quando se lembrou que o taxi seria o meio de transporte para levá-lo até o cemitério despedir das últimas horas do seu tio querido.

Anderson Heiz - 30/10/2016

Anderson Heiz
Enviado por Anderson Heiz em 30/10/2016
Reeditado em 24/03/2017
Código do texto: T5807771
Classificação de conteúdo: seguro