ANJOS QUE ME LEVEM

De repente, estrondos metálicos, freios arrastados, o susto! Seria o fim de tudo? Apressei o passo, dobrando a mais sinuosa das curvas. Um clarão se aproximava. Vi fumaça dançando num facho de luz. Acho que alguma alma já se avoava. Meu Deus! Não pude evitar a imagem do corpo estendido. Tudo mudou, nesse instante. Aproximando-me, sem querer chegar, sem querer parar, abaixei a cabeça. Nada a fazer, nada a falar. Fato consumado. 

Senti-me tão perdido, ali, parado. Como um ser desgarrado que não sabia como, nem para onde voltar. E tudo mais parecia sem jeito. Impotente, imaginei-me capotando, refazendo aquela provável cena. Mero passageiro. Desejei também a hora de descansar. Experimentei todas as dores atravessarem meu corpo, sem parar em lugar nenhum. Metástase sem freio. Desejei não buscar mais solução. Cavalos que me avisem, anjos que me levem. Que a vida se erga desse chão, sem o peso das angústias, que tudo se desfaça e se (re)faça, então.

Eu não podia fazer nada. Tinha mãos, tinha mãos. Para que serviam?

A cena, aos poucos, se completava, com sirenes, luzes, gritos, choros, e perplexidade. Filas de congestionamento formavam o cordão de um grande terço, visto lá de cima. Orações ao espírito acompanharam sua ascensão. Debaixo do lençol, repousava um corpo deixado para trás. Condutores apressados e curiosos ainda diminuíam a marcha, e perguntavam o que ocorreu. Quem foi o culpado? Ele fugiu. Talvez fugido mesmo, o tal culpado chorava, desconsolado, no canto. Os chegantes alvoroçados queriam justiça, a qualquer custo. Procuravam por um dibólico ser, por um matador. Descontrolados, nada mais queriam do que outras mortes compensadoras. As mortes nos assustam, mas são populares entre nós. Nosso sangue se paga com sangue, sustentam alguns. Eu voltei a sentir meu corte no braço. Começa a vazar, enfim. Pagamento à vista.

Desconsolado, voltei-me para o escuro da mata. Tentei escapar dos sons e daquelas luzes vermelhas. Avistei algum vagalume escondido no meio dos arbustos. Aproximando-me, pude enxergar melhor. Era um telefone caído, na beira da estrada. O objeto se acendia, silenciosa e intermitentemente. Na sua tela, piscava a expressão “amor da minha vida”. Titubeei um pouco, mas decidi atender. Antes disso, afastei-me do barulho. Apresentei-me como portador daquele achado. Pedi alguma referência do dono. Uma voz feminina, tranquila, suave, sussurrava, enquanto minha ansiedade me consumia: quem seria, quem seria? Ela acabou revelando que procurava pelo marido. Na impossibilidade do contato, já demonstrava preocupação. “O senhor poderia me ligar em alguns minutos?” Alegou que o filho precisava de sua atenção momentânea. Em instantes, eu retornaria, para ouvir sua súplica: "Por favor, poderia procurá-lo na rua tal? Na frente do prédio, vai avistar um veículo laranja, com faixas laterais, bem chamativo; ele está nesse endereço, agora, bem perto do senhor. Isso vai aliviar minha angústia; estou com pressentimentos ..." Eu virei para o lado, e meus olhos queriam desfazer tudo aquilo: os ferros retorcidos, o carro fumegante de rodas para cima. 

( ... )
Aluísio Azevedo Júnior
Enviado por Aluísio Azevedo Júnior em 28/12/2013
Reeditado em 30/12/2013
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