Madrugada assombrada
 
 
O grito estridente do Rasga-mortalha quebra o silêncio da madrugada quente de verão e faz meu corpo ficar tremendamente amedrontado. A negra noite desperta todas as almas penadas e as lendas deixam de ser apenas lendas e me assombram nesta fazenda longínqua onde me encontro sozinho sem a segurança das demais pessoas da casa, que foram fazer vigília pra morte do seu Antonio, que disseram ter sido atacado por um Guaxinim. Eu ferreamente me recusei ir à fazenda distante dois quilômetros daqui, para passar toda esta noite ao lado dum morto, pois não gosto de ver pessoas mortas, as quais ficam grudadas em minha mente sem mais sair. Mas, agora, eu preferia está olhando bem fixo pro rosto inerte do seu Antonio dentro do caixão, do que está aqui, sozinho, trêmulo de medo enquanto ouço esse canto assombrado do Rasga-mortalha que sobrevoa minha casa. Logo esse bicho que aparece em noites escuras pressagiando a morte de alguém, deixando assim meus cabelos arrepiados pensando em quem mais poderá morrer nas horas ou dias seguintes, afinal, morto seu Antonio já se encontra. Que então quer esta ave do mau agouro aqui, se não informar de mais uma despedida triste de algum conhecido ou mesmo de algum ente de minha família? Ou será que informa que seja eu a próxima vitima a ser golpeado pela traiçoeira morte?
As horas parecem paradas para a chegada do dia e eu estou coberto da cabeça aos pés, e mesmo Bob, nosso cachorro que dorme nalgum lugar lá fora, nem ao menos late para me fornecer alguma confiança de que nada irá me acontecer nos minutos que seguem.
E escuto outro grito turbulento dessa ave que insiste falar qualquer coisa e certamente é qualquer coisa sobre a morte, e que até me faz lembrar daquela história que o Raimundinho contou, de que um dia um homem ia passando lá pras bandas da fazenda do seu Armando, e quando de repente percebeu que estava sendo seguido por alguém, e que quando virava pra trás nada via e continuava a andar e a notar que naquelas bandas não estava sozinho. Parecia que sentia uma respiração ofegante no seu ouvido e foi aí que disparou chibatadas no cavalo o qual arrancou em desespero na fuga do local mal-assombrado. Quando eu ouvi esta história me arrepiei da cabeça aos pés e naquela noite tive terríveis pesadelos com uma assombração que queria me pegar.
Já não sei se tem alguma coisa tentando arrancar os lençóis de cima de mim, ou se é o meu trêmulo corpo e o medo invasor que me fazem perceber que não estou sozinho na escuridão deste quarto nesta deserta fazenda. Pois escuto alguém mexendo no cofo que fica ali no canto com os ovos das galinhas. Não sei o que vai ser de mim sozinho aqui e ainda minha bexiga está para estourar, mas não me atrevo levantar, nem me desembrulhar com medo de me deparar com esta coisa que parece está aqui ao meu lado neste quarto escuro. Já pensei em criar coragem e acender a candeia e pegar o facão que ta ali na parede, mas o medo me impede de me movimentar e assim tremo como uma vara verde...
Então, enfrentando todos os monstros que querem me atacar em meio ao meu desespero, encolho-me mais ainda na rede onde tento dormir, e parece que como uma salvação eu escuto o canto do galo que avisa do dia já ter raiado e que posso abrir os olhos e agradecer a Deus por continuar sã e salvo, liberto daquele mundo de assombração na terrível madrugada turbulenta da noite passada...
 
 

 
 
 
 
 
 
Valdon Nez
Enviado por Valdon Nez em 29/08/2012
Reeditado em 11/07/2013
Código do texto: T3854764
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