O CHORO DOS INOCENTES

Na noite escura, fria, lúgubre, tétrica, o vento açoitava os juncos e a lua se escondia por trás de grossas e negras nuvens.

Vultos fantasmagóricos percorriam as trevas assustando transeuntes desinformados.

As velhas janelas do casarão debatiam-se contra os caixilhos apodrecidos, martelando-os sem piedade.

O cheiro do banhado penetrava pelas paredes mal fechadas, cheias de frestas.

Zelinda sentia medo. Zelinda recordava das histórias contadas por sua mãe. As crianças do pântano que choravam todas as noites. Era o choro triste de quem tanto desejara viver, mas cujo desejo lhe fora negado.

Sentada no chão, Zelinda abraçava os joelhos encostando-os ao peito. Ao longe parecia estar ouvindo o lamento infantil das crianças abortadas.

Pecado mortal. Matar seres inocentes. Teria ela coragem de fazer o mesmo?

Pedro era tão bonito. Alto, braços fortes, pernas longas e ainda por cima montava um cavalo como ninguém. Tocava viola e cantava canções que falavam de amor. Zelinda, encostada na varanda, gostava de ouvir as modas que Pedro tocava e cantava. Que voz bonita. Fechava os olhos e sonhava acordada.

“Você se lembra da casinha pequenina

Onde nosso amor nasceu

Tinha um coqueiro ao lado

Que coitado de saudade

Já morreu”.

Quem quase morria era Zelinda. O que seria aquela coisa diferente que ela sentia quando ouvia Pedro cantar? Parece que uma quentura invadia seu corpo, que o ar lhe faltava no peito e que um misto de tristeza e alegria se misturava e lhe fazia chorar e sorrir.

Na noite de luar, a festa de São João estava tão divertida. Tinha batata doce, pé-de-moleque, doce de leite e maria cachucha.

Tinha também quentão. No primeiro gole Zelinda sentiu fogo na garganta. Nunca havia bebido. No terceiro copo só sentia o doce do vinho misturado com o gosto forte da canela e da nos moscada.

Foi dançar a quadrilha. Estava se sentindo tão bem, tão à vontade. Aquela timidez que lhe era característica havia dado lugar a uma alegria incontida. Escolheu como par seu violeiro preferido: Pedro. Sentiu-se segura nos braços fortes de Pedro. Não queria nem que a dança acabasse.

“Olha a chuva”, gritou o mestre. “É mentira”. “Olha o pai da noiva”. Nesse instante, Zelinda fingiu que era a noiva. Requebrou as cadeiras com vontade. No vai e vem do chote percebeu que estava tonta. Pedro também percebeu.

“ Vamo pra drento tomá uma água, sugeriu ele”.

“Vamo sim, Pedro. A água vai me fazê bem”, responde ela.

Um raio de luar penetrou pela janela e foi iluminar o rosto feliz da rapariga deitada sobre a cama. Aquela sensação estranha que ela não sabia explicar explodia dentro de si. O corpo pesado de Pedro lhe comprimia contra o colchão de palha.

Zelinda deixou de lado as lembranças. Quatro meses haviam se passado. O vento continuava a soprar sua melodia e não muito distante, novamente, o choro triste e lamentoso dos pequeninos que tiveram negado o direito de viver.

Passou a mão sobre o ventre. A semente de Pedro havia geminado. O que ela faria? Aceitaria o conselho de Trude? Que estranha era essa profissão de Trude. Fazia nascer, mas também matava. Pelas mãos da parteira tantas crianças vieram ao mundo e outras tantas choravam na umidade do lamaçal.

Uma lágrima de saudade de Pedro percorreu a face de Zelinda.

Outras tantas lágrimas ainda estavam guardadas para chorar junto com o triste lamento vindo das profundezas do pântano.