AS APARÊCIAS ENGANAM

Era um dia de calor intenso. Eu e a garotada do bairro brincávamos na rua.

É esta a diferença dos dias de hoje.

A violência tirou-nos essa deliciosa vida despreocupada, onde as amizades eram verdadeiras, pois eram vivenciadas no dia-a-dia.

Brincávamos de tudo que se pode imaginar e quando não nos agradava, inventávamos coisas novas.

A última era, como se diria em nosso tempo, ”uma tropa de elite”. Não eram todos que participavam dela. Somente os muito bons.

Vou descrever a minha rua para que vocês entendam como surgiu essa nova diversão.

Era uma rua tranqüila com grande número de árvores, casa dos dois lados da rua e no final havia um velho casarão.

Nesse trecho, era bem mais arborizado, tornando a iluminação precária, pois as árvores da rua confundiam-se com as luzes das casas. Se fosse hoje, o povo já reclamaria pedindo uma poda.

Ah! O nosso alvo era o casarão. Parecia estar abandonado.

Começamos a arquitetar um plano.

Todos no bairro diziam que era uma casa assombrada e evitavam passar por lá à noite. Contavam várias estórias fantásticas.

Alguns até já tinham visto umas almas penadas vagando no interior dela.

Parecia uma grande aventura emocionante e apavorante, ao mesmo tempo.

Partimos para os “finalmentes”.

Decidimos que iríamos até lá e com a desculpa de que a nossa bola caíra lá dentro, tentaríamos uma aproximação. E assim fizemos.

Havia um muro alto e um portão com grossas grades e um cadeado. Existia também uma placa onde se lia: “CUIDADO, CÃO FEROZ!”. Ficamos um pouco receosos com aquilo. E tudo remetia a um filme de terror.

Iniciamos o plano.

Batemos palmas, gritamos, batemos com um pedaço de madeira nas grades. Tudo, só pra chamar atenção e ver se alguém aparecia. Foi em vão. Continuou “Tudo como dantes no quartel de Abrantes!”

Fomos embora mais curiosos ainda. A nossa missão não tinha sido concluída. Teríamos que pensar em algo para que tivéssemos total sucesso.

Passaram-se os dias...

Comecei a notar um movimento estranho no casarão. Era mais perceptível à noite.

Num entardecer de uma quinta-feira avistei luz fraca no casarão. Fiquei curioso. Quem estaria lá. Será que havia sido alugado? Bem, definitivamente não era um fantasma, pois este não precisa de claridade. Sempre ouvia a minha avó dizer que os fantasmas viviam nas trevas.

Liguei para a minha tropa. Isso teria que ser investigado.

Parece que tinham asas nos calcanhares. Apareceram rapidinho.

Decidimos ir até o casarão. Iríamos com cuidado, sem os nossos pais saberem. Se descobrissem, melaria a nossa aventura.

Eu, particularmente, estava tenso. Era uma situação nova.

O quarteirão estava sinistro. Tudo que se mexia era motivo de pânico, mas ninguém queria dar o braço a torcer e continuávamos firmes e "rentes que nem pão quente".

Chegamos ao portão. Ainda pensávamos no que faríamos para entrar. Não poderíamos falar alto como da outra vez, pois estávamos em missão e não iríamos ser descobertos.

Checamos as grades e a altura dos muros. Para nossa surpresa, quando olhamos para o cadeado , estava aberto... Os nossos corações quase saíram pela boca!

Não pensamos duas vezes. Entramos!

Ai, meu Deus! E o cachorro? Agora era tarde “Inês era morta e torta”!

Estávamos ali para o que desse e viesse!

Ah! Esqueci de dizer que nem todos quiseram entrar. Um deles foi o nosso amigo Pedro. Pensei com os meus botões... Só veio quem se garantia. Mas mesmo assim, ainda lhes falamos algumas coisas não muito publicáveis. Não adiantou nada, ele foi embora sem nos dar nenhuma atenção.

Iniciamos a grande aventura.

Depois de alguns tropeços chegamos até ao ponto onde tinha avistado a luz.

A janela do cômodo era alta e tive que subir nos ombros do Mateus, pois ele era bem fortão.

Fui me levantando com cuidado, pois lá dentro ninguém poderia suspeitar que estivesse sendo observado.

Finalmente vi o interior do lugar. Fiquei apreensivo com o que vi.

Balancei as pernas para o meu amigo descer- me.

Muito nervoso contei-lhes que eram três pessoas. Uma delas uma mulher. Estava amarrada, amordaçada e deitada num colchonete. Dois homens tomavam conta dela. Estavam armados. Sobre uma mesa tinha água e restos de comida em embalagens descartáveis

Todos ficaram nervosos.

Nunca tínhamos escutado ou presenciado qualquer tipo de violência naquele bairro. Será que as coisas estavam mudando?

Relembrei o início de toda àquela aventura. Tive vontade de não estar naquele aperto.

Os meus amigos tremiam como varas verdes e eu tentei acalmá-los, embora estivesse me borrando de medo!

Resolvemos sair rapidinho do casarão. Já chegava! A missão terminara, pois era assunto pra gente grande.

Iríamos chamar a polícia para dar fim àquela situação.

Percorremos o caminho de volta tropeçando em tudo. Parecia que os obstáculos agora eram em maior quantidade, dificultando a nossa chegada ao portão.

Finalmente estávamos a salvo. Ah! O bendito portão estava à nossa frente! Mas... que decepção, estava trancado!

Cheguei mais perto para checar a gravidade do fato e dei um pulo para trás apavorado.

Vi um vulto suspeito através das grades. Fiz sinal pra que todos se escondessem.

Fiz o mesmo e ficamos aguardando. Tremíamos de medo.

O vulto foi se aproximando das grades e parecia que tinha dificuldade pra ver, pois estava com o rosto colado às grades.

Tomei coragem e me esgueirei junto ao muro para ver se a visão era melhor .

Que surpresa! Era Pedro, o nosso amigo. Ficara preocupado com a nossa demora e voltara pra nos procurar.

Contei-lhe tudo rapidamente. Pedi-lhe para chamar a polícia e avisar aos nossos pais que estávamos bem, embora não ficássemos tranqüilos depois do ocorrido! O castigo iria render algumas semanas sem brincar na rua.

Ele se foi. Voltei para junto de todos.

Tomara que não acontecesse algum imprevisto. Como por exemplo, a aparição do tal cachorro da placa.

Não sei determinar quanto tempo se passou, só sei que já estava cansado de ficar encolhido no mesmo lugar. Minhas pernas estavam ficando dormentes.

Escutamos um barulho, será que eram os bandidos? Ah! Não. Eram carros se aproximando.

Pedi a Deus que, se fosse a polícia, não acionassem aquelas benditas sirenes que só fazem com que os bandidos levem a melhor, fugindo, é lógico!

Vi alguns vultos. Aproximaram-se . Cuidadosamente chegaram ao portão. Traziam um alicate gigante. Cortaram o cadeado e entraram. Saímos rapidamente enquanto eles surpreenderiam os bandidos.

Foi uma ação digna de filme policial. Perfeita. Não houve reação! Maravilha!

A moça foi levada a um hospital, pois estava muito fraca, e os dois facínoras, levados para a delegacia.

Soubemos depois que a mulher já estava seqüestrada há dez dias antes de ser trazida para o casarão. Por isso, o movimento recente dentro da casa.

Era de uma família importante. Estavam pedindo uma soma altíssima ao seu pai.

Ela foi vítima de um seqüestro, nada relâmpago...

Depois dos abraços de nossos pais vieram as broncas. Até hoje, sinto uma grande emoção ao relembrar o fato e saber que tive uma pequena participação nessa estória, pois, compartilhei com os meus amigos, da solução de um seqüestro que poderia acabar tragicamente.

Ah! Em tempo.

Hoje, sou um policial do BOPE

Sinto que esse acontecimento da minha infância, reforçou a escolha da minha carreira.

Hoje, quando participo de missões perigosas, sinto a mesma emoção que sentia em minhas brincadeiras de polícia e ladrão, quando era menino. Transformei meu sonho de garoto em realidade, ajudando a resolver casos complicados que podem acontecer nas vidas de pessoas que nem conheço.