Fragmentos do Infinito

A vida é um quebra-cabeça de momentos, alguns belos, outros terríveis. Mas e se houvesse mais?

A teoria de Hawking era ambiciosa: ao induzir um estado de inconsciência quase morte, ele afirmava ser capaz de fazer experiências que transcendiam a vida física. Uma jornada para além do tempo, onde a mente vagaria livremente por paisagens da imaginação.

Era uma oferta tentadora: ser o pioneiro em uma jornada além da morte, oferecida pelo renomado Dr. Hawking. Aceitei sem hesitar. Afinal, quem não deseja desvendar os mistérios além da vida?

O dia chegou, e eu me vi deitado em uma cama de hospital, os olhos pesados enquanto os fios e tubos me conectavam, liquídos em minhas veias, máquinas sinistras. O Dr. Hawking sorriu, uma mistura de confiança e ansiedade brilhando em seus olhos.

Então, mergulhei na escuridão.

No inicio as primeiras sensações foram vagas, como se estivesse flutuando em um mar de escuridão infinita. Então, lentamente, formas começaram a existir. Paisagens surreais, cores que não da pra descrever, sons que não pertenciam a este mundo. Eu era um observador, uma mente desligada navegando por um cosmos desconhecido.

Testemunhei civilizações florescendo e morrendo, amores nascendo e desaparecendo. A cada retorno, o vazio. O Dr. Hawking confuso, os registros nulos.

Vivi vidas além da imaginação. Em uma, eu era um imperador em um reino de luz e sombras, governando sobre um povo de sonhos. Em outra, um viajante solitário em um deserto que nada produz, buscando respostas em ruínas ancestrais. Cada vida uma história, cada história uma lição, cada lição o infinito.

E então, o retorno à consciência. O zumbido das máquinas, corpo perfurado, a visão embaçada do teto. O Dr. Hawking inclinado sobre mim, os olhos brilhando com expectativa.

Mas algo estava errado.

Eu me lembrava. Cada detalhe, cada experiência vivida além do tempo. Enquanto o Dr. Hawking rabiscava em sua prancheta, confuso e frustrado com minha aparente falta de reação, eu revivia os momentos que havia testemunhado.

As sessões continuaram, cada uma mais profunda do que a anterior. Eu era um viajante das estrelas, um mago das eras, um fantasma da máquina. E a cada retorno, as memórias se entrelaçavam, formando uma tapeçaria complexa de vidas e destinos.

Finalmente, após o que pareceram séculos de exploração, o Dr. Hawking se deu como acabado. Sua teoria, uma promessa de iluminação, havia se transformado em um enigma insolúvel. E então cancelou o programa, deixando-me sozinho com as lembranças queimando em minha mente.

"Experimento fracassado", ele disse, abandonando sua teoria revolucionária como um brinquedo quebrado. Mas eu sabia. Eu recordava.

Vivi como reis e mendigos, artistas e soldados. Perdi e amei milhares de vezes. Uma dança através do tempo e da alma, enquanto o mundo girava em sua rotina ignorante.

Cada ciclo era uma flecha cravada em meu peito, a lembrança de vidas inúmeras e o desespero de ser eterno e solitário. Eu lembrava, enquanto o mundo ao meu redor esquecia.

Então, em um último ato de desespero, confrontei minha condição insustentável. A lâmina fria e afiada contra minhas lembranças infinita, uma promessa de fim para a eternidade angustiante.

No último suspiro, lamentei não ser digno dos esquecidos sussurros das eras. Mas a morte, essa sim, era uma memória que eu poderia abraçar.

Enquanto a escuridão me engolia, sorri.